Quando a pandemia de covid-19 foi decretada pela Organização Mundial da Saúde, ninguém imaginava que o estrago sobre o emprego seria tão grande. No mundo, US$ 4 trilhões de renda do trabalho deixaram de circular, e estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam um déficit global de 75 milhões de empregos em 2021. Para 2022, a projeção é de 23 milhões de vagas a menos do que no período anterior à covid-19. No Brasil, o número de desempregados, que já era alto antes da pandemia, foi a 14 milhões de pessoas, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Houve impacto também sobre quem manteve o emprego. Esse funcionário passou a conviver com equipes mais enxutas, acumulou tarefas, projetos e responsabilidades, teve o salário congelado em muitos casos. Não foi só pela pandemia. O Global Wage Report 2020-2021 da OIT reflete isso, ao informar que, no perí0do de 2008 a 2019, o salário médio do Brasil ficou praticamente estacionado e em penúltimo lugar entre as economias emergentes, acima apenas do mexicano. Enquanto isso, a conta do supermercado, o plano de saúde (se você for pessoa jurídica) e o combustível continuam a subir.
Diante desse quadro, é possível que você se sinta numa encruzilhada. De um lado, acha que merece aumento salarial, seja por desempenho, por correção monetária ou ambos os fatores. De outro, vê o mar de desemprego a sua volta, com tantas pessoas em situação precária, e tem dúvidas sobre a recuperação da economia brasileira no curto prazo. O que fazer?
__ANALISE SEU SEGMENTO.__ A realidade não é a mesma para todos. O medo de perder o emprego e engrossar as estatísticas é uma constante e assusta, mas você tem de pensar em seu segmento. “O nível de desemprego é diferente para alguém com curso superior completo e outro com baixa qualificação”, afirma Lucas Nogueira, diretor de recrutamento da Robert Half, uma das maiores empresas de seleção de profissionais do mundo. Como exemplo, ele ressalta que a taxa de desemprego para quem tem mais de 25 anos e curso superior completo no Brasil está na faixa dos 6%, ante os 14% de média nacional global.
Além disso, lembra Nogueira, sobram vagas em várias áreas, e aí são as empresas que sentem a pressão e o caos. Elas é que precisam se esforçar para atrair novos talentos e desenvolvê-los – e lutar para manter os talentos que já têm. É o caso de setores como tecnologia, bens de consumo, varejo, agronegócio e logística, além de startups de diversos segmentos.
__OBSERVE O TIMING.__ José Rodrigues de Oliveira Júnior, gerente sênior de RH da Deloitte, acredita que o avanço da vacinação e a queda do clima negativo estão ajudando a reduzir o receio dos trabalhadores de pleitear aumentos de salário e até mesmo promoções. “No ano passado as pessoas tiraram o pé do acelerador de fato, mas agora buscam novas colocações, questionam sobre benefícios e fazem escolhas bastante seletivas”, explica, adicionando que isso é mais claro na área de tecnologia do que nas outras áreas.
Segundo os especialistas, a lição de casa número um para avançar nas negociações é avaliar o cenário, o mercado e, principalmente, o atual momento vivido por sua companhia. Antes de marcar “a” conversa com a liderança, avalie se tem elementos suficientes para justificar uma nova remuneração.
“O brasileiro tem uma ligação emocional com o dinheiro e isso dificulta a análise racional sobre os prós e contras de iniciar uma negociação salarial ou de avanço na carreira”, considera Matilde Berna, psicóloga e fundadora da MB Sight Carreira e Desenvolvimento. “É preciso ter argumentos muito bem embasados para sustentar a narrativa e equilíbrio para ouvir uma negativa”, afirma Berna. A opinião é compartilhada por Nogueira, da Robert Half, que recomenda incluir fatores como política de trabalho, relacionamento, ambiente e pacote de benefícios na negociação, itens que formam o que o mercado chama de salário emocional.
__BUSQUE ALTERNATIVAS AMPLIANDO O ESPECTRO.__ Se você tiver um novo empregador em vista, agora é a hora, sim, de cultivá-lo. Lembre-se de olhar para possibilidades que nunca cogitou antes. Por exemplo, organizações de outras cidades, estados e até países. Uma consequência da junção do uso de tecnologia e do trabalho a distância foi a queda de fronteiras, que permite a empresas contratar profissionais independentemente de seus locais de origem. “Antes a oferta salarial era feita com base no comportamento da região em que a pessoa vive.
Agora, tem de levar em conta a concorrência externa”, comenta Lucas Nogueira.
Isso vale, inclusive, para empresas de fora do Brasil, se o profissional é fluente em inglês. “Companhias estrangeiras passaram a contratar profissionais brasileiros”, comenta o diretor da Robert Half. “Nossa mão de obra está barata por conta do câmbio e, em áreas como tecnologia, saúde, atendimento e agro, somos celeiros de talentos”, destaca. Companhias de vários países têm vantagem de não terem acréscimo de tributação para contratar profissionais em outros países – diferentemente das companhias brasileiras.
A possibilidade “sem fronteiras” está sendo bem recebida pelos profissionais brasileiros, inclusive. Nada menos do que 91% deles afirmam, em levantamento da Robert Half, ter disposição para trabalhar remotamente em empresas de outra região ou país.
Fogo de palha? Não. Para Nogueira home office e everywhere office são um caminho sem volta. “Não é difícil perceber que o foco das empresas está nos novos modelos de trabalho e seus impactos no mundo pós-pandemia”, afirma. “As duas partes têm de aprender a atuar dentro das regras do novo jogo.” O que significa, muitas vezes, realinhar processos de avaliação, métricas a serem atingidas e até mesmo jornadas de carreira dentro da organização. Afinal, as relações de trabalho, liderança e gestão mudaram.
__ANALISE TAMBÉM O SALÁRIO EMOCIONAL.__ “Os ganhos que não estão ligados diretamente ao salário, como ambiente seguro, transparência, conversas individuais, propósito, valores e pacotes de benefícios, têm um peso grande para o profissional”, lembra Silvana Fernandes, gerente de RH da Pontomais, plataforma de controle de ponto online. “Se as empresas muitas vezes não conseguem dar aumento de salário, mas oferecem incentivo educacional, por exemplo, isso pode valer a pena. As companhias precisam entender a importância social que têm na vida dos colaboradores”, recomenda.
Berna lembra que o mercado vinha, na última década, revendo os pacotes de incentivo, assim como as faixas salariais, processo que foi acelerado pela pandemia. Com a expansão do home office, diversas companhias trocaram o vale-transporte e combustível por um aumento no benefício de alimentação ou, ainda, por um pacote de internet mais eficiente.
“Substituímos o vale-transporte e o auxílio-estacionamento por ajuda de custo para infraestrutura do home office, levando em conta a ergonomia do mobiliário, modernidade dos computadores e acesso à internet”, conta Vinícius Lima, fundador e CEO da Escala, spin-off do Laboratório de Inovação do Hospital Albert Einstein. “Fizemos uma média de custo em todas as regiões onde trabalhamos para compor o valor do benefício, além de disponibilizar acesso a uma plataforma de educação, tendo em vista a melhor capacitação das equipes.”
Com 240 clientes em carteira, a startup especializada na gestão de plantões e jornadas de trabalho realiza pesquisas salariais semestrais no mercado para acompanhar de perto as variações. “Na área de tecnologia, a variação foi de 20% em um ano. O turnover do setor é alto e nós procuramos sempre uma composição atrativa, que combina a remuneração fixa com o pacote de benefícios para compor o salário emocional”, esclarece.
Manter o modelo de trabalho híbrido pode fazer parte do salário emocional também: dois terços dos profissionais entrevistados pela Robert Half [veja também pesquisa da Fundação Dom Cabral na pág. 70] disseram querer trabalhar mais vezes em casa do que no escritório e 38% declararam que procurariam um novo emprego se a empresa não oferecesse pelo menos uma opção parcialmente remota.
Como nossa legislação trabalhista, embora revista em 2017, ainda não acompanhou a transformação digital e foi atropelada pela pandemia, há ainda empresas que insistem em medir a produtividade do colaborador pelo número de horas trabalhadas e não pela qualidade de entrega – o que destaca ainda mais esse salário emocional.
Toda essa movimentação, na visão de Nogueira, exige atenção redobrada das empresas para não dar início a uma inflação salarial, contratando profissionais com remuneração acima do mercado e baixa experiência. “Isso aconteceu há alguns anos e corre o risco de ocorrer novamente”, ressalta o diretor da Robert Half.
__QUALIFIQUE-SE.__ Em muitas empresas, há vagas, mas faltam pessoas que atendam aos requisitos desejados, ao menos para 66% dos recrutadores que participaram da 17ª edição do Índice de Confiança da Robert Half (ICRH). As principais razões são a ausência de habilidades técnicas essenciais para a vaga (43%), a inexistência de soft skills necessárias para a função (38%) e pacote de remuneração pouco competitivo (38%).
Então, fazer um plano de médio prazo para ter remuneração melhor pode ser uma boa ideia, se você se dispuser a adquirir novas habilidades. As soft skills mais valorizadas são comunicação, adaptabilidade, flexibilidade, perfil analítico, visão estratégica, senso de dono/visão de negócio. “Quem não soma pelo menos boa parte dessas características tem de repensar a ideia de sentar para negociar”, diz Silvana Fernandes, da Pontomais. “Nunca comportamento e qualidade de entrega foram tão valorizados.” Pense nisso!
Você não está sozinho. A insatisfação com a remuneração é um indicador importante para muitos. Segundo o ICRH, entre os profissionais que afirmam estar insatisfeitos no atual emprego (16% da amostra), 53% apontam o salário atual entre as três principais causas.
Novas estratégias para bônus de executivos
Os estudos podem ser utilizados como argumento de negociação
Até pouco tempo, demonizados por alguns especialistas, os bônus executivos foram foco de dois novos estudos – ambos do professor-assistente de contabilidade na Stanford Graduate School of Business John Kepler.
Um deles derrubou uma antiga crença de que bônus em dinheiro são menos motivadores do que os baseados em ações. A pesquisa percebeu que bônus em dinheiro estimulam os altos executivos a buscar aumentar o desempenho da organização e, consequentemente, a criação de valor ao acionista.
Notou-se ainda que os planos de bônus incentivam a cooperação entre membros da alta gestão, funcionando como um mecanismo de responsabilização coletiva dos executivos seniores pelas metas de desempenho e criando uma espécie de “monitoramento mútuo” entre eles. Para Kepler, essa estratégia é especialmente interessante no início de carreira de executivos seniores, pois ajuda a mantê-los remando na mesma direção.
No segundo estudo, Kepler e associados perceberam que vincular os bônus ao Ebtida e não ao lucro líquido é uma estratégia usada pelos conselhos para estimular decisões de maior risco, algo comum em projetos de longo prazo. Essa alternativa costuma ser adotada para proteger a bonificação de novos CEOs do impacto de grandes custos definidos antes de sua entrada. O uso do Ebitda tende a cair em cerca de 50% ao longo de um mandato de dez anos, sinal que o tempo de casa está associado à responsabilidade pelas decisões.
Por fim, Kepler recomenda observar o contexto e os desafios atuais da empresa na definição dos sistemas de bônus. Para um grande desafio estratégico, como crescer na pandemia, por exemplo, o bônus em dinheiro pode ter melhores resultados se for oferecido para estimular a colaboração eficaz.
(Revista HSM Management)
Checklist da negociação
Observe o cenário, analise o momento vivido pelo setor e pela empresa e converse com outros profissionais da área. A remuneração caminha junto com outras realidades financeiras da companhia.
Avalie com racionalidade suas entregas, qualificação, evolução, habilidades e qualidade do serviço. Não basta produzir, é preciso entregar valor.
Prepare bons argumentos para embasar o pedido de aumento salarial.
Seja direto sobre o motivo da reavaliação salarial e caso esta não seja possível, verifique o que deve ser feito para retomar a conversa mais adiante.
Evite falar sobre seus problemas financeiros e dificuldades. A empresa não é responsável pelas finanças pessoais dos colaboradores.