Dossiê HSM

Pressão para trabalhar em equipe

Ruídos de comunicação costumam atrapalhar bastante, mas saber o que os causa por si só já facilita a colaboração
Facilitador, designer organizacional e sócio da Target Teal. É um dos criadores da tecnologia social O2, utilizada por empresas de todos os ramos ao adotarem práticas de autogestão.

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Algumas práticas nas organizações ajudam particularmente a ferver o caldo em torno do trabalho e trazer aquela sensação de caos. Atualmente, o universo corporativo demonstra grande interesse no desenho e na construção de times, porém estes não são melhores do que os grupos: trata-se de uma questão de adequação ao contexto, e ambos podem apresentar alto desempenho.
A distinção entre time e grupo está no design. Quando o trabalho é projetado para tarefas e os objetivos dos membros são altamente interdependentes, eles são um time. Menos interdependência, formam um grupo. Aviso: forçar a existência de um time em um contexto que demanda apenas um grupo, e vice-versa, trará problemas (entendido como caos, talvez). A comunicação tem impacto nos dois casos, grupos e times, por isso vou usar essas duas palavras de maneira intercambiável. Quando surgir alguma exceção, deixarei claro.

### Comunicação como processo
O modelo mais famoso para avaliar a efetividade de um grupo foi desenvolvido por Richard Hackman, que começou a estudá-los na década de 1970. Costumo identificá-lo pela sigla PPP (produto, processo, pessoas), que se refere aos parâmetros de avaliação propostos. Eles estabelecem que um bom grupo ou time consegue:

Servir seus stakeholders de maneira adequada, com produtos ou serviços que atendam ou superem expectativas.
Manter seus processos internos e suas interações funcionando de maneira a aumentar ou a manter sua atual capacidade de gerar valor.
Oferecer uma experiência para cada um que trabalha no time, de modo a atender a suas necessidades pessoais.

Mas, como todo modelo, o PPP é limitado, porque esses elementos não são tão separados assim. Fica mais complexo quando buscamos definir quais são as (muitas) condições que permitem e promovem um time efetivo. Há uma lista enorme, organizada em três grandes categorias:

1. __Contexto:__ propósito claro, cultura organizacional saudável, recompensas consistentes com o objetivo e o desenho do grupo e recursos materiais e tecnológicos.
2. __Estrutura:__ papéis definidos, normas do grupo claras e funcionais, tarefas motivantes e carga de trabalho não excessiva.
3. __Processos:__ tomada de decisão, resolução de problemas, comunicação, gestão de fronteiras com outros grupos e gestão de conflitos.

Não é à toa que a categoria “processos” aparece nos dois modelos, sendo 0 processo de comunicação o mais importante dentre todos eles, que afeta e é afetado por muitos elementos.
Como processo, a comunicação faz parte de todos os aspectos da vida organizacional. Dizer que a falta de comunicação é o problema de um time não adiciona nada à discussão (nem à solução). Isso porque trata-se da soma de inúmeros outros problemas que são apresentados com esse rótulo. Por isso, quando você ficar tentado a apontar a comunicação como culpada, dê um passo para trás e descreva qual fenômeno ou disfunção específica você está percebendo.
Para facilitar, trago aqui quatro dos problemas mais comuns na comunicação dentro de um grupo ou time e abordagens para lidar com eles.

## Problema: Triangulação
Ao fazer uso recorrente de intermediários no processo de comunicação, as pessoas deixam de falar diretamente umas com as outras e, sem necessidade, pedem que alguém repasse a mensagem. Fica difícil checar se o conteúdo foi bem entendido ou começar um diálogo, se for necessário. Em casos graves de grupos disfuncionais, pede-se para um “porta-voz” comunicar más notícias ou mesmo desconfortos pessoais e feedbacks, como se fossem objetos que podem ser transportados e entregues. O resultado da triangulação varia de problemas de entendimento a conflitos mal resolvidos que escalam de maneira desastrosa.

### Como abordar
Não é incomum o próprio gestor ser o grande pivô das triangulações de um time, que incentiva a triangulação ao usar reuniões 1:1 para atualizações de projetos, por exemplo. Adotar um ritual regular no qual todos podem compartilhar informações e trazer pontos para discussão, e deixando as reuniões 1:1 para tratar do desenvolvimento de carreira, é uma alternativa que reduz o problema.
Relações interpessoais desgastadas são outro possível gerador de triangulação. Verifique se alguém está evitando interagir com outras pessoas para não ter que lidar com desconfortos e desafetos. Nesse caso, para ajudar os membros a aprender a lidar com sua bagagem emocional, busque criar espaços de confiança e estimule conversas difíceis, com base em empatia e vulnerabilidade.

## Problema: Discordância velada
Quando é preciso discordar ou bater de frente com a opinião da maioria do grupo ou de alguém de maior status, a tendência é a pessoa esconder suas opiniões. Uma reação compreensível, pois a exclusão do grupo – por expulsão ou uma forma mais sutil de ostracismo – é extremamente dolorosa. Porém, esse dissenso velado degrada de maneira substancial a qualidade das decisões de um time.

O uso de generalizações e abstrações, evitando deixar sua discordância explícita, é a forma mais invisível desse fenômeno. Por exemplo, uma fala objetiva, como: “Não acho que devemos enviar o produto, pois temos um sério problema na vedação da embalagem, o que pode comprometer sua qualidade”, ganha a seguinte forma com o dissenso velado: “Acho que só devemos enviar o produto se tivermos confiança em sua qualidade. Eu tenho minhas dúvidas”. Na primeira, o problema está evidente e apresenta as possíveis discordâncias. A segunda esconde mais do que revela.
Membros de times saudáveis compartilham toda informação importante e falam suas conclusões e opiniões, e também como chegaram a elas e quais são suas intenções. Ao fim, ainda encorajam os outros a achar erros ou problemas em seu raciocínio.

### Como abordar
Situações de crise podem levar os membros do grupo a fugir dos conflitos que ameacem sua permanência. Imagine um gestor nervoso com resultados da empresa ou do time. As pessoas vão esconder notícias ruins ou evitar emitir opiniões contrárias para ele. Uma abordagem ainda incomum é o gestor se colocar de maneira vulnerável e falar abertamente sobre os problemas, fortalecendo a ideia de que as pessoas não serão punidas por terem opiniões diferentes.
Outra abordagem é não atrelar o senso de time e de pertencimento à necessidade de as pessoas concordarem com tudo e criar maneiras de tomarem decisões que não dependam do consenso. Times autogeridos ou auto-organizados usam estratégias que buscam distribuir a autoridade, para que o consenso não seja necessário em todas as decisões. As pessoas expressam suas opiniões, enquanto quem tem autoridade clara e definida para tomar a decisão ouve atentamente e decide.

## Problema: Hipóteses não testadas
Em grupos efetivos, as pessoas testam seus pressupostos e inferências para checar sua validade ao invés de simplesmente agir como se fossem verdades e fatos. Dando continuidade ao exemplo anterior, uma pessoa poderia perguntar: “Estou ouvindo de você que a vedação do produto tem problemas. É isso? É o mesmo problema que tínhamos no mês passado?”.
O uso de comunicação não verbal, como sorrisos, balançar de cabeça e outros gestos, aumenta a necessidade de testar as inferências. Falhar nisso e confiar em livros e vídeos sobre linguagem corporal só pode gerar confusões e mal-entendidos.

### Como abordar
A abordagem mais eficaz para ajudar as pessoas a incorporar o teste de suas inferências é promover interações em reuniões com um facilitador que já domine estratégias de verificação, como o uso da paráfrase e escuta ativa. Ele poderá modelar e ajudar os outros a construir esses hábitos.
O facilitador pode ser um consultor ou especialista contratado, mas o time também pode escolher um membro com aptidão e vontade de aprender. O importante é ter alguém focado no processo e nas interações durante uma reunião e liberar o gestor para ficar atento ao conteúdo da conversa. Por mais tentador que seja, acho muito difícil para um gestor atuar bem nas duas atividades.

## Problema: Existência de tabus
Em muitos casos, os temas que não são discutidos são os mais importantes. Os membros de um grupo disfuncional acreditam que não podem discutir certos assuntos sem sofrer consequências negativas. Para eles, até dizer que o assunto é um tabu pode ser desastroso. Ou seja, você fica proibido de falar sobre o que é proibido de falar. Nos piores cenários, os assuntos proibidos envolvem até mesmo a análise mais profunda dos processos de comunicação, de tomada de decisão e de distribuição de autoridade dentro de um grupo.

### Como abordar
Primeiro, teste se um assunto é realmente tabu, o que é mais fácil para quem é gestor ou tem alto status e pode se arriscar. Reflita sobre quais assuntos nunca surgem nas conversas e reuniões. Uma vez identificados, aborde-os para ser explorados com curiosidade genuína. [Leia mais sobre tabus no quadro à esquerda.]

Por fim, evite duas simplificações. A primeira é tratar grupos como entidades mecanicistas, nas quais causas específicas estão intimamente ligadas a efeitos específicos. Ao contrário, eles estão mais para sistemas sociais que traçam seu próprio desenvolvimento, por isso considere que esses problemas estejam interligados entre si, formando um cenário bem mais complexo.
A segunda é deixar de agir. Este artigo ajuda a entender melhor os processos de comunicação em um grupo e como intervir, mas a sensação de caos só começa a sumir com ações concretas. Ler e falar sobre o problema pouco ajuda. O que me lembra o desenho G.I. Joe, que terminava com a frase: “Agora você sabe, e saber é metade da batalha!”. Hoje, percebo, trata-se de uma grande falácia. Não caia na falácia do G.I. Joe.

O papel do líder no engajamento do time

A colaboração interpessoal é a variável de maior impacto na confiança

Rob Cross, Wendy Murphy e Amy Edmondson, todos referências internacionais em liderança, desmistificaram o papel do senso de propósito no engajamento dos funcionários. Segundo eles, a variável de maior impacto no engajamento e na confiança é a colaboração interpessoal, sendo o propósito apenas um fator contribuinte.

Outra descoberta dos pesquisadores foi que o engajamento também é determinado pela habilidade dos líderes de estimular as redes interpessoais e a cultura de colaboração.

Para incentivar a colaboração interpessoal, deve-se seguir uma sequência de passos: primeiro, reforçar a segurança e a confiança. Depois, estimular a conexão das pessoas com o senso de sentido no trabalho, abrindo espaço para a energia, o entusiasmo. Depois, criar um contexto favorável à colaboração interpessoal. Os líderes são fundamentais no processo, usando três grupos de habilidades: as que constroem confiança, as que instilam propósito e as que geram energia.

Quebrando tabus

Falar sobre eles tem efeito positivo

Combater um dos bandidos mais conhecidos da comunicação nas equipes, os tópicos tabus, ficou mais difícil com o home office. Para os pesquisadores do Institute for Management Development Ginka Toegel e Jean-Louis Barsoux, a distância fica mais difícil captar sinais de desconforto e antecipar mal-entendidos.

Atenção: fazer de conta que os tabus não existem só agrava a situação. Falar sobre eles tem efeito positivo: proporciona alívio, aumenta a energia e reforça a boa vontade da equipe. São quatro grupos diferentes de tabus, e saber diferenciá-los ajuda a tratá-los.

1. PENSAR, mas não falar. Tabus associados a perguntas, sugestões e críticas que são autocensuradas.

2. FALAR uma coisa, fazer outra. Há descompasso entre o que é dito e o que é feito. Ninguém diz nada por medo de romper a coesão do grupo.

3. SENTIR algo, mas não saber descrever. Tabus vinculados a sentimentos negativos que a equipe não consegue entender ou expressar de forma construtiva.

4. FAZER sem perceber. Trata dos comportamentos coletivos inconscientes. As pessoas até percebem problemas isolados, mas não fazem conexões nem enxergam as causas sistêmicas, o que leva a conclusões erradas sobre a razão das ineficiências da equipe. (Maria Clara Lopes)

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