O ano é 2001. O cenário? Piazza Zanardelli, da comuna de Altamura, local com 70 mil habitantes, província de Bari, na Puglia, região sul da Itália.
De um lado, o padeiro Luca DiGesù, 35 anos, armado com sua focaccia. Do outro, o gigante McDonald´s, 46 anos, com mais de 30 mil lanchonetes pelo mundo.
O vencedor desse duelo? A compreensão e o atendimento da cultura secular local. O perdedor? O desconhecimento ou a baixa valorização, proposital ou não, da cultura de um povo.
Se a Itália tem um dos melhores pães do mundo, Altamura tem o melhor pão da Itália: o Pane di Altamura DOP (Denominação de Origem Protegida), um pão de casca marrom de 3 milímetros, com miolo macio e de cor amarelada. Por séculos, o pão foi produzido nos lares pelas mãos de mulheres e levado para ser assado em fornos públicos. E a tradição continua: pelas ruas estreitas de Altamura, senhoras levam sua massa crua em cestos a uma padaria próxima, onde a entregam através de janelinhas localizadas nos fundos para serem assadas no forno profissional com lenha de azinheira.
Mas não só de Pane di Altamura se vive no sul da Itália. Também tem a bela focaccia, do café da manhã ao lanche, com sua massa aerada, cheia de azeite e uma crostinha deliciosa, com várias opções de cobertura como cebola roxa e tomate, passando pela minha versão preferida de *cardoncello*, um cogumelo carnudo de sabor médio-intenso.
## Algo desconfortável no ar
Voltemos à Altamura de 2001, ano em que a gigante rede McDonald’s abriu uma lanchonete em um ponto estratégico: Piazza Zanardelli, a metros da igreja Santa Maria della Consolazione, do século 13.
É válido retomarmos rapidamente o contexto desse momento, um contexto que a rede de fastfood desconhecia, ignorou ou minimizou. O povo italiano é conhecido, quase que *intergalacticamente*, pelas suas raízes e opiniões fortes ligadas à gastronomia, com seus ingredientes locais, formas de preparo, o que é permitido e o que é proibido na cozinha. Essa característica do povo não seria modificada diante do pão que consomem ou do lanche que fazem, obviamente.
Após a abertura da loja, o McDonald’s apresentou um bom fluxo, atraindo os locais e moradores curiosos de cidades próximas. Contudo, havia algo desconfortável no ar, como bem identificou Onofrio Pepe, jornalista aposentado da cidade: “era uma sensação de que a cidade estava sendo ocupada. Eles trouxeram os produtos deles, e nós tínhamos os nossos produtos!”
## Abraçando a oportunidade
Ao mesmo tempo, vislumbrando o crescimento do público ali presente, Luca Digesù, pertencente à quarta geração de padeiros da cidade, decidiu abrir uma pequena padaria a metros da lanchonete: a Antica Casa DiGesù, especializada em Pane di Altamura DOP e focaccias. O objetivo era (se possível e com humildade) tirar proveito daquele fluxo crescente.
Apesar do sucesso inicial, a lanchonete norte-americana começou a sentir a concorrência do Luca. Alguns clientes, ao saírem da lanchonete, passavam na padaria para levar algo para casa ou seguir viagem abastecidos com belos pães e fatias generosas de focaccia. A preocupação com o sucesso de Luca fez com que a rede introduzisse promoções, iniciasse visitações de escolas à sua cozinha e até mesmo instalasse telões para os clientes assistirem jogos do futebol italiano, ao vivo (estimulando o consumo no local, claro).
A ação dos telões teve grande sucesso, mas parcial. Explico: muitos se juntavam ali para assistir os jogos, porém, em seguida, compravam as focaccias e os pães do Luca, que eram não apenas parte da cultura local como tinham excelentes preços, além de variados sabores com ingredientes locais que o padeiro soube explorar com maestria.
## Respeito à cultura local
Pouco mais de 1 ano após sua inauguração, o McDonald’s viu-se obrigado a encerrar sua operação em Altamura, pois o fluxo de clientes não era suficiente para sustentar os investimentos da loja. No fundo, o que levou o McDonald´s à derrota foi o desconhecimento ou a não consideração da cultura local e seus valores, pois a rede não perdeu para ofertas ou serviços do concorrente.
*Foodie* que sou, estive na Puglia em 2009 e, claro, fui a Altamura conhecer o Luca DiGesù. Foi emocionante abraçá-lo, preparar focaccia com seu time da padaria e provar deliciosas fatias do Pane di Altamura em sua cozinha – um templo! Ao sair dali, me sentei em um café próximo e refleti sobre a experiência, tirando algumas lições para nossos negócios:
– **Conheça (e respeite) seu público:** seus hábitos, suas expectativas e o que os motiva a fazer o que fazem – e não fazem. E parta daí.
– **O que te trouxe até aqui pode não te levar adiante:** grandes empresas costumam ter demasiado orgulho do que são: participação global, sinônimos de categoria, líderes de mercado. Muitas vezes, se esquecem que as conquistas foram fruto de décadas (ou até século) de trabalho. O marketshare de uma empresa, à meia-noite, volta ao zero, todo dia.
– **Tamanho não é documento:** pequenos players conquistaram espaço não somente por identificarem bem necessidades e oportunidades de mercado. Eles, diferente dos grandes, têm flexibilidade, agilidade e menos aversão ao risco. Empresas como Dollar Shave (barbear com qualidade a menor custo e sem precisar comprar todo mês), AirBnB (hospedagem bem localizada, sem a frieza de hotéis e com bons preços), Uber (taxi aonde estiver e quando precisar) mostraram aos gigantes dos seus segmentos que, embora pequenos, poderiam fazer um grande estrago – e fizeram.
– **Tenha uma proposta de valor clara:** Luca foi objetivo – valorização da cultura secular, bem servida, a preços justos e em um cardápio enxuto. Punto e basta.
Curtiu a história? Então, recomendo que assista ao filme Focaccia Blues, do diretor Nico Cirasola, inspirado na motivadora história da Antica Casa DiGesù, que venceu o McDonald´s em Altamura.
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