Criei intimidade com o tema do masculino-feminino em meio a um tumultuado momento de carreira. Era diretor corporativo de RH da Natura e algumas incertezas me angustiavam. Buscava compreender aquele contexto com leituras, terapia, conversas com amigos e mentores, além de uma frequente consulta a minha consciência. De repente, um insight emergiu: era preciso ampliar a identificação com meu polo masculino e com tudo inerente a ele, como autoconfiança, estabilidade, segurança, senso de direção e escolha. Precisava arrebatar minhas atribuições e responsabilidades. Minha atitude era a de alguém usurpando uma cadeira que não era sua, com receio de preencher o espaço com a força de seus talentos. Meu masculino precisava de reabilitação. Minhas características de liderança estavam claramente identificadas com o polo feminino.
Não tinha receio em expressar pensamentos e sentimentos, mesmo aqueles que expunham minha vulnerabilidade a colegas, pares ou membros da alta administração. Minha fala era permeada pelo tema de crenças e valores –individuais e organizacionais– e minhas escolhas tinham a busca de sentido e significado como norte.
Meu desejo era por criatividade e mudança, mais do que por estabilidade e continuidade. Passei por aquele momento na Natura com olhos bem abertos para a beleza dessa polaridade. E acordei para a desafiadora realidade deste século: homens identificados com seu feminino, mulheres crescentemente identificadas com seu masculino, independentemente de sua orientação sexual. Não existe certo ou errado nesse assunto; apenas entendi a relevância da polaridade para nossas relações com o mundo a nossa volta. Assim como o negativo precisa do positivo e vice-versa, o masculino e o feminino se complementam.
Em outras palavras, em contextos inclinados ao masculino, devemos usar a sabedoria de nosso feminino em busca de bons resultados e, da mesma forma, situações femininas, difusas e subjetivas, demandam o foco e a concretude do polo masculino. Tanto homens como mulheres podem se valer desse uso. E não apenas no ambiente profissional; vale para as relações pessoais, com o cônjuge e os filhos também. O perigo reside na falta de consciência e, portanto, na incapacidade de estabelecer essa polaridade em nossas relações. Conscientes de como nos identificamos com ambos os polos, somos capazes de usar nosso masculino e nosso feminino intencionalmente, assegurando polaridade para os relacionamentos, que desse modo ficam mais completos e significativos. Inconscientes, não conseguimos fazer isso.
**O CHORO DE THIAGO SILVA E OS ARQUÉTIPOS**
Compreender a dinâmica e a beleza dessa polaridade facilita o entendimento da atitude do capitão Thiago Silva quando, em meio à disputa de pênaltis com o Chile, pediu ao técnico Luiz Felipe Scolari que fosse o último a cobrar, se necessário. Isolou-se então no gramado e não viu as cobranças dos colegas.
Thiago não hesitou em chorar e evidenciar quão vulnerável estava. Sua atitude acabou por engajar comissão técnica e jogadores em sua defesa. No jogo seguinte, contra a Colômbia, o capitão brasileiro foi destaque em campo e emplacou um gol. Ao longo da Copa do Mundo de 2014, Thiago revezou os arquétipos masculino e feminino. O masculino sempre está ligado ao senso de direção e propósito, à atitude de escolher e decidir. O feminino, por sua vez, está relacionado com o viver, com o despertar para a luz do dia e com a experiência de estar vivo. Força e segurança são temas masculinos, enquanto cuidar e nutrir são femininos.
O feminino experimenta prazer quando preenchido e nutrido, enquanto o masculino quer liberar sua energia, libertar seu poder, preencher o mundo com seu propósito. Estabilidade e continuidade são masculinos; criatividade e mudança, femininos. Se o masculino age ancorado na confiança em si, é ativador de seus recursos e os emprega deliberadamente para conquistar seus objetivos, o feminino espera seu destino, é receptivo aos resultados que virão e confia no fluxo da vida.
Por fim, o masculino é concreto, racional, analítico e objetivo, e o feminino mostra-se abstrato, intuitivo, difuso e subjetivo. Assim, o masculino quer se comprometer com metas e resultados, enquanto o feminino quer viver significado, sentido e experimentar seus valores mais profundos. Tanto homens como mulheres apresentam as características descritas e você certamente se viu em várias delas. Todos temos identificação com os dois comportamentos, porque em nossa alma somos energeticamente masculinos e femininos ao mesmo tempo, ainda que com ênfases e calibragens diferentes.
Tomei consciência dessa polaridade justamente quando passei pela Natura. O fato é que os líderes conscientes da polaridade masculino-feminino tendem a ser mais bem-sucedidos na construção de vínculos, dentro e fora da empresa. Tornam-se mais aptos para as relações consigo, com os outros e com o mundo a seu redor, pois conseguem reconhecer o polo prevalente nos demais e agir de acordo. São aptos para lidar com os desafios mais objetivos, ligados à eficácia e à eficiência organizacionais, e, ao mesmo tempo, lidam bem com temas relacionados com a ética, com os valores da empresa, com a felicidade no trabalho e com o propósito da organização.
Da mesma forma que têm autoconfiança e escolhem com assertividade sua direção, são capazes de, no minuto seguinte, confiar no fluxo da vida, esperar que o destino aja com sua lógica e sabedoria. Propriedades masculinas e femininas, operando em harmonia, melhoram o futuro.