Sustentabilidade

Quando os homens fazem a diferença na equidade de gênero

Boas intenções são suficientes para fazer a diferença na luta por real diversidade? Não, mas dois gestores do sexo masculino mostram como ultrapassar essa fronteira

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Recentemente, o jornal The New York Times publicou que uma quantidade significativa de homens acredita que a diversidade vem recebendo atenção excessiva nas empresas. Alguns executivos seniores, porém, defendem o tema com afinco e entre eles estão Kevin Lobo, CEO da Stryker Corporation, e Richard Nesbitt, à frente de um think tank importante para grandes instituições financeiras mundiais. Longe de estarem cansados do assunto, os dois continuam a implantar proativamente medidas para trazer mais mulheres para suas organizações. Por quê?

Sarah Kaplan, professora da University of Toronto e uma das mais respeitadas pesquisadores de gênero e negócios do mundo na atualidade, conversou com os dois líderes para entender não apenas por que eles fizeram isso, mas o que fizeram, como e, talvez principalmente, se os resultados obtidos até agora compensaram o esforço de fato. 

**SAIBA MAIS SOBRE OS  DEBATEDORES**

**SARAH KAPLAN:** Professora de gestão de estratégia e de questões de gênero da Rotman School of Management, a escola de negócios da University of Toronto, Canadá, ela dirige o Institute for Gender and The Economy. Foi consultora da McKinsey por cerca de uma década e é coautora dos livros Creative destruction e Survive and thrive.

**KEVIN LOBO:** CEO e chairman da Stryker Corporation, empresa de equipamentos médicos, tais como implantes ortopédicos, que faturou US$ 12,4 bilhões em 2017, ele também é membro do board da Parker Hannifin. Essa companhia fatura US$ 12 bilhões anuais, fabricando uma grande variedade de tecnologias de movimento e controle, desde sistemas aeroespaciais até bombas, motores e ar-condicionado.

**RICHARD NESBITT:** Ele lidera o Global Risk Institute in Financial Services, think tank do poderoso setor financeiro do Canadá que está se expandindo mundialmente, e que foi criado por iniciativa de um ex-ministro de finanças canadense e um expresidente do banco central da Inglaterra. É coautor de um livro sobre gênero – Results at the top: using gender intelligence to create breakthrough growth.

**SARAH KAPLAN: POR QUE DIVERSIDADE IMPORTA PARA VOCÊS? POR QUE IMPORTARIA A QUALQUER EMPRESA?**

**KEVIN LOBO:** Vou dizer algo que parece óbvio, mas sinto que preciso repetir isso sempre. A Stryker, como empresa de equipamentos médicos, fabrica produtos. Mas todo negócio bem-sucedido sempre tem a ver com talento. Temos muitos concorrentes fazendo produtos semelhantes aos nossos, e mesmo assim estamos superando nossa concorrência – e atribuo isso a nossas pessoas. 

Na lista atual das 500 maiores empresas do mundo da revista Fortune, há ainda apenas 30 e poucas mulheres CEOs. Algumas pessoas simplesmente aceitam e dizem para mim: “Não conseguimos mover a agulha”. Mas em nossa empresa nos últimos cinco anos temos aumentado o número de mulheres na gestão sênior, na média e na equipe de vendas. Algumas pessoas reclamam: “Estão focando demais isso”. E respondo: “Não podemos parar de focar a diversidade. Como nos esportes, a equipe com os melhores talentos vence e isso significa continuar a olhar para todos e contratar os melhores”. 

Em nossa companhia, nossos grupos mais diversos já estão obtendo melhores resultados. Além disso, ganhamos reconhecimento como ótimo lugar para trabalhar por muitos anos, mas, em 2017, pela primeira vez fomos votados nos 30 primeiros da Fortune como “melhores lugares para trabalhar para mulheres”. Temos muito orgulho disso. 

**RICHARD NESBITT:** Como ex-executivo de serviços financeiros [na CIBC e TMX], quando comecei a prestar a atenção nessas questões decidi que não iria dizer às mulheres o que fazer. Hoje, digo aos homens: é do nosso interesse abraçar a diversidade de gênero. Equipes com homens e mulheres têm um desempenho melhor. Simples assim. Analisei 60 pesquisas e 58 delas dizem que há uma associação entre desempenho financeiro e gestão de equipes diversas. E não é só um aumento marginal: esses estudos citam 15% de melhoria no desempenho.

Só que, para alimentar o pipeline desses grupos mistos, você precisa começar a posicionar as mulheres em todos os níveis da organização. 

**SK: NA EXPERIÊNCIA DE VOCÊS, EM TERMOS DE FAZER A DIFERENÇA, QUAIS AS AÇÕES PRIORITÁRIAS A TOMAR?**

**NESBITT:** Quando escrevi o livro com Barbara Annis [Results at the top], eu entendi que, se quer fazer a diferença em sua empresa, você precisa começar por analisar todo o seu sistema – seus processos e procedimentos – e tomar atitudes para eliminar os vieses que ele carrega. As pessoas da organização têm de compreender que o viés é sistêmico, generalizado, e que é preciso tomar atitudes proativas contra ele. 

Duas coisas simples a fazer são, ao recrutar gente em universidades, não enviar apenas homens para representar sua empresa, e não ir a escolas que têm apenas 20% de estudantes mulheres. Todos sabemos que, nos próximos dez anos, 60% dos graduados em universidades serão mulheres. Basta ajustar seus sistemas para capitalizar essa oportunidade. 

**KL:** Concordo totalmente, e acrescentaria que, em grandes empresas – a nossa tem mais de 30 mil funcionários –, é importante ter uma rede oficial de mulheres com apoio executivo. Não é um clube social; tem uma finalidade importante. 

Quando entrei na Stryker em 2012, rapidamente me dei conta de que não tínhamos diversidade e inclusão suficientes. Decidimos focar primeiro as mulheres. Fui à primeira reunião e todos tinham boas intenções, mas ficou claro que precisávamos envolver mais a gestão sênior. Logo depois, colocamos um de nossos presidentes de grupo como sponsor da rede. Criar uma estrutura consciente por trás da iniciativa, dar a ela um orçamento e empoderar as pessoas para administrá-la efetivamente funciona. Fazer isso mudou o jogo para nós. 

Bem no início, eu disse para a rede: “Na reunião anual geral do próximo ano, quero que vocês deem sugestões para a gestão sênior da Stryker. Vocês têm minha autorização para dizer o que precisamos fazer para tornar esta empresa mais atraente para mulheres talentosas como vocês”. Chegou a reunião e cobrei: “Cadê as sugestões?”. Ninguém disse nada.

É claro, elas não acharam que eu estivesse falando sério. Então, eu repeti tudo de novo. E na reunião seguinte houve três sugestões, coisas realmente simples. Elas nos pediram para criar mais oportunidades de mentoria; mais clareza quanto a práticas de trabalho flexíveis e melhor licença-maternidade; e um novo programa de licença-paternidade foi implantado. Depois, focamos em construir um pipeline diverso para nossas contratações internas, rastreando métricas e responsabilizando os gestores. 

Há cinco anos, nossos líderes simplesmente não tinham a mentalidade correta. Mas melhoramos. Também convidamos os homens a participar de nossa rede de mulheres – e eles começaram a aparecer, porque queriam aprender como gerir mulheres para ter um ótimo desempenho. Alguns deles nunca tinham tido mulheres na força de vendas até pouco tempo antes. 

Sabe por que estamos fazendo tudo isso? A resposta é simples: realmente queremos atrair e reter os melhores talentos. 

**SK: KEVIN, VOCÊ MENCIONOU A IMPORTÂNCIA DAS MÉTRICAS E DE ACCOUNTABILITY. POR QUE IMPORTAM? TEM EXEMPLOS DE COMO USAR ISSO?**

**KL:** Quando olhamos de perto, descobrimos que muitas de nossas mulheres mais talentosas não tinham certeza do caminho a trilhar em suas carreiras porque não tinham bons exemplos. Então, começamos a criar duplas, compostas de uma executiva e uma funcionária de alto potencial. Iniciamos com mulheres, mas o próximo passo serão minorias. Emparelhamos esses talentos potenciais femininos com mulheres experientes na organização e, em alguns casos, com mentores homens. Descobrimos que muitas dessas pessoas nunca tinham ouvido que tinham alto potencial. 

Antes, tínhamos contratado muitas mulheres que saíram após dois ou três anos. O principal motivo foi que não estávamos nos envolvendo com elas do modo certo. Elas trabalhavam em ambientes em que não se sentiam confortáveis. Não achavam que houvesse alguém com quem conversar sobre o futuro. 

Atualmente, em nossas avaliações regulares duas ou três vezes por ano, incluímos métricas de envolvimento. Se uma mulher de alto potencial deixa a Stryker, o executivo que supervisiona a área precisa explicar o que aconteceu. Sem accountability, não funciona. 

**RN:** Concordo que métricas e responsabilidade são fundamentais. E depois que você “conserta o sistema”, é importante definir as metas difíceis – não só no topo, mas na própria organização. Pode apostar: se você quer envolver homens em algo, dê a eles uma meta e diga que serão responsabilizados.

**KL:** Concordo com o que você disse, Richard, mas na Stryker nós não definimos metas difíceis. Disse à minha equipe de liderança que vamos prestar muita atenção a isso e, se não virmos melhorias, as pessoas serão responsabilizadas. É difícil encontrar um equilíbrio, porque queremos progredir sem enfrentar a reação “Ela foi promovida só porque é mulher e há uma cota a cumprir”. Intelectualmente, adoro a ideia de metas difíceis, mas ainda não vingou. 

**RN:** Cada empresa tem de decidir seu caminho. Criei uma meta difícil, de 50% e 50%. E insisti. Eles então entenderam que esses alvos eram sérios. Metas difíceis funcionam, mas concordo que precisam ser aplicadas de forma consistente com a estratégia da organização. 

**KL:** Também é muito importante ter mulheres no conselho de administração. Por exemplo, o board da Stryker tem nove conselheiros, oito além de mim, e estes todos externos. Para a primeira posição que renovei no conselho, eu queria contratar a CEO de uma empresa, mas encontrar uma mulher CEO foi quase impossível. Elas ainda são muito poucas. A conselheira mais recente que trouxemos é uma mulher que administrava um sistema de saúde em Minneapolis. Eu queria alguém de um hospital que tivesse conhecimento de seguros e, como muitas mulheres têm esse histórico, disse ao recrutador: “Se não conseguimos encontrar uma mulher com esse perfil, teremos um problema”. A mulher que contratamos, Mary K. Brainerd, é fantástica. Ela já esteve em duas das nossas reuniões do conselho e isso ficou bastante claro. Três dos nove conselheiros são mulheres, então vamos nos aproximando da meta de 50%. Mas você tem de ter uma força de vontade muito grande e direcionada em relação a isso, além de muita paciência.

**SK: VOCÊS PODEM COMPARTILHAR ALGUMAS LIÇÕES?**

**KL:** Uma das piores coisas que vivi é o tal treinamento obrigatório em diversidade e inclusão. Se escolher o facilitador errado, você voltará várias casas no tabuleiro. Em minha empresa anterior, fizemos um treinamento obrigatório que incluía a discussão sobre assédio sexual. Tornou-se uma espécie de “vestibular” e teve muitas reverberações negativas.

Também diria que não é bom obrigar que haja uma rede de mulheres. Sempre dá errado quando você tenta forçar a participação. Simplesmente criamos grupos, definimos apoiadores e convidamos as pessoas. Isso dá muito mais certo.

**SK: BONS TREINAMENTOS E REDES NÃO BASTAM!**

**RN:** Não! Perdemos muitas mulheres por achar que podemos tratá-las igual aos homens. Estudos mostram que, ao menos no mercado de capitais, mulheres e homens começam com níveis de engajamento relativamente iguais, mas, entre elas, o comprometimento despenca em três anos. Ante a pergunta “Você se sente valorizado por seu supervisor?”, a maioria dos homens diz “sim” e as mulheres costumam dizer “não”. Assim, quando saem de licença-maternidade, não veem razão para voltar. Os supervisores homens devem tratar homens e mulheres de maneira diferente.

**KL:** Demorei quatro anos para isso, mas, um dia, me dei conta de algo tolo que travava a equidade. Na Stryker, contratávamos grandes vendedores e eles automaticamente traziam seus amigos para trabalhar ali. Mas o mesmo não acontecia com as funcionárias. Elas não se sentiam à vontade para fazê-lo. Então, em uma reunião, falei com todas as letras: “Tragam suas amigas para cá!”. Isso ajudou.

**SK:** isso tem a ver com o que chamamos na academia de “incerteza de pertencimento”, kevin. Agora, a não ser pela gravidez, não acho que mulheres e homens sejam muito diferentes. Acho, isto sim, que nossa estrutura social cria comportamentos de gênero distintos e que estes levam a respostas distintas às mesmas coisas.

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