Em um longo artigo do italiano Domenico De Masi publicado em junho no jornal Folha de S.Paulo, o sociólogo afirma: “A partir de agora, será necessário recompor profissão e vida, valorizando com o ‘smart working’ a desestruturação espaço-temporal do trabalho; encorajando a irrupção da emoção, da fantasia e da afetividade na esfera produtiva; garantindo uma igualdade de gênero concreta, um respeito seguro às diversidades, um crescimento cultural dos indivíduos e de toda a comunidade para cuja administração o município, a escola e as empresas contribuem”.
Curiosos sobre esse conceito de smart working, entrevistamos De Masi para a nossa coluna “Perspectivas de carreira” e os principais insights dessa conversa você encontra a seguir.
## Smart working: conceito e aplicação
Para De Masi, smart working é uma nova filosofia de trabalho, que leva em conta a flexibilidade, a autonomia e os períodos de atividade laboral para além do home office. Além de escolher o local (anywhere office) e o tempo de trabalho, o profissional passa interagir não apenas com os parceiros imediatos do trabalho, mas com a sociedade como um todo. “Repito, é uma nova filosofia de trabalho, que não se reduz a trabalhar em casa. É uma cessão de poder da parte dos chefes para os trabalhadores, e uma cessão de importância do escritório para a casa. É reequilibrar e mudar a distribuição de poder. É mudar a distribuição de trabalho”, afirma.
## O papel da liderança
Na lógica do smart working, os líderes precisam ser mais mentores do que chefes. “Do líder é esperado que ele tenha capacidade de pontuar objetivos ou microobjetivos. Por exemplo, o líder solicita um artigo. O microobjetivo é a entrega do artigo em determinada data. A partir daí, o liderado deve ter autonomia para produzir o trabalho do modo mais equilibrado, conforme sua própria realidade. O líder não interfere exageradamente no processo. Não importa o local ou o modo como o artigo será escrito – em casa, na praia, no campo etc. O foco está nos objetivos a serem alcançados com a atividade profissional e cabe ao líder organizá-los”, disse De Masi.
## A jornada e a precarização
A precarização do trabalho, discutida a partir de exemplos concretos como no caso dos motoristas e motofretistas de aplicativos, é um problema amplo do nosso século. Diante dessa questão, De Masi destaca alguns aspectos. “O aumento da demografia reflete no número de trabalhadores disponíves para o trabalho. Porém, os postos não aumentam na mesma proporção, o que traz uma taxa de desemprego cada vez maior. Desempregadas, as pessoas ficam mais dispostas a aceitar condições piores. Uma possível solução é a redução das jornadas de trabalho”, analisou o sociólogo. Isto é, em vez de turnos de 8 horas por dia, seria necessário adotar períodos laborais de 4 ou 5 horas. “Mas a lógica capitalista não permite reduzir o período de trabalho, e é por isso que observamos o aumento contínuo da precarização”, afirmou.
## Geração Nem-nem e a redistribuição
Cerca de 11 milhões de jovens brasileiros nem estudam, nem trabalham. Segundo o sociólogo, para enfrentar esse problema, é preciso fazer uma redistribuição lógica e abrangente de seis elementos: 1. do trabalho; 2. da riqueza; 3. do poder; 4. do saber; 5. das oportunidades; 6. dos direitos. “É importante estarmos atentos a esses seis elementos. Todos são importantes na equalização do trabalho. Há casas em que os pais trabalham dez horas e os filhos, em idade profissional, estão desempregados. Isso é resultado de uma péssima distribuição do trabalho”. Por exemplo, na Itália, um italiano trabalha anualmente uma média de 1,8 mil horas. Em contrapartida, um alemão, em média, trabalha 1,4 mil horas por ano. O resultado é simples: a taxa de desocupados e desempregados na Itália é de 10%, enquanto na Alemanha é de apenas 4%. Para ele, o Brasil precisa de uma urgente redistribuição do trabalho. “Em meu livro O futuro chegou (Casa da Palavra), dedico um capítulo ao Brasil e ali aprofundo essas questões”, analisa De Masi, que se interessa muito por nosso País e inclusive é cidadão honorário do Rio de Janeiro desde 2010.
## Pós-pandemia
Sobre o mundo pós-Covid-19, De Masi faz uma análise fria do nosso contexto geopolítico e não parece estar muito otimista com esse cenário. “A macroestrutura já está clara desde antes da pandemia. O mundo é emoldurado pelas grandes potências – Estados Unidos, Rússia e China. A Europa poderia ser a quarta potência, por sua grande força histórica, seus 700 milhões de habitantes, enfim, é muito rica, muito culta, mas carece da união necessária para ter mais protagonismo. Portanto, penso que o mundo permanecerá igual após a pandemia. Não haverá uma reconfiguração ampla.
Já na perspectiva do trabalho, De Masi afirma que seria muito bom se algo pudesse mudar. “O coronavírus é uma terrível calamidade; inútil dizer que teria sido infinitamente melhor se jamais tivesse aparecido. Porém, visto que está causando danos, é melhor tirar proveito deles para mudar algo em direção ao significado e à organização do trabalho”, escreveu em seu artigo publicado pela Folha, e complementou: “No entanto, os que conduziam as danças, quando entramos no túnel, são os mesmos que as conduzirão quando sairmos dele. Isso torna improvável qualquer renascimento.”
Então, em vez de esperarmos por uma mudança estrutural e universal do mundo do trabalho, o que nos cabe é iniciar essas transformações em nossas vidas e empresas, de dentro para fora.
Insights para a sua carreira
Assim como fazemos na coluna “Perspectivas de carreira”, que mantemos no site da HSM Management, deixamos aqui algumas ideias para você colocar em prática.
1. Reequilibre eficiência profissional e vida pessoal: é preciso resgatar o conceito de vida integral, principalmente nesses tempos de pandemia, com todos em casa. Cuide da sua rotina para ter um tempo de qualidade para si e, dessa forma, conseguir um melhor equilíbrio entre seus vários papéis.
2. Estabeleça Contrapartidas inteligentes: a autonomia que você recebe da organização deve ser retribuída com responsabilidade. Não desperdice essa oportunidade.
3. Ajuste o jeito de liderar: a liderança, ainda mais nesse contexto pandêmico, deve usar a confiança como base de sua influência. Alinhe o significado maior do trabalho dando direção para onde as pessoas devem caminhar.
4.Atualize estratégias administrativas obsoletas da era industrial: você não será relevante no mundo corporativo atual simplesmente replicando os valores da era industrial. É preciso alinhar seus valores a esse novo contexto. Os diferenciais competitivos hoje são habilidades humanas como colaboração, estética, subjetividade, emotividade e flexibilidade. Pesquisas revelam que esses atributos refletem a escalada da influência da energia feminina no mundo do trabalho.