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Querida, sequestraram minha criatividade!

A indústria cinematográfica de Hollywood pode inspirar os gestores a ter boas ideias regularmente

Joni Galvão

é um dos maiores especialistas em storytelling do mercado corporativo brasileiro. É fundador da The...

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Antes de começar a ler este texto, vá ouvir a música “The Logical Song”, do Supertramp, dos anos 1970. A letra é um roteiro da nossa vida, da infância à idade adulta, e conta como perdemos – todos nós – a magia da vida. Quando crianças, enxergamos um mundo colorido e maravilhoso. Ao crescermos, ficamos cegos a isso, o que impacta várias competências nossas – e uma delas é a criatividade.

Há pessoas e grupos, porém, que conseguem evitar essa adultização e a perda criativa correspondente, e devemos observá-los e nos inspirar neles. Não me refiro a essa geração de “coachs de vida”, cheios de respostas prontas, porque eles mesmos não são nada criativos. Vejo uma criatividade consistente na indústria audiovisual e, mais especificamente, gosto de acompanhar Hollywood. O protagonista lá é a criatividade, você tem alguma dúvida? E em todas as etapas da produção de filmes e séries. O que podemos aprender com Hollywood? Para começar, Hollywood e a criatividade têm dois segredos: as histórias e as emoções.

## O segredo das histórias
Histórias são a melhor forma de encontrarmos caminhos (criativos) para os desafios que vivenciamos. Elas nos fazem entender o lado negativo da vida, que é o primeiro passo para mudarmos a nossa própria história – e fazer mudanças exige criar. As forças antagônicas que sempre existem nas histórias (e na vida) nos inspiram a sermos persistentemente criativos para conquistar o que desejamos.
Veja o caso do filme Big – Quero ser grande, estrelado por Tom Hanks. Ele é um adolescente que tem vontade de fazer coisas de adulto, mas não pode. Então, faz um pedido a uma “máquina de realizar desejos” e, no dia seguinte, acorda no corpo de adulto, mas com a cabeça e as emoções de adolescente. Ele vive o mundo chato sem ter se tornado chato e, por isso, é muito criativo e muda as coisas ao seu redor. Assim, ele nos mostra que é possível.

As animações do estúdio Pixar também são histórias que incentivam a criatividade. Toy Story não é sobre brinquedos que falam – você achou que era? É sobre a dificuldade de desapegarmos das coisas e também sobre podermos ser especiais sem sermos os únicos. São dois elementos fundamentais da criatividade: se fica apegado a uma coisa, você não cria nada novo, e o boneco Woody teve de aprender a desapegar a fim de criar uma nova vida para si. O fato de a sua empresa não ser uma versão business da Pixar, que é única talvez, não significa que ela não seja especial – e não significa que ela não possa criar coisas importantes.

## O segredo das emoções
Alfred Hitchcock, mestre em manipular as emoções nas audiências, uma vez declarou o seguinte: “Nós não estamos fazendo um filme; estamos fazendo um órgão, como em uma igreja. Nós pressionamos este acorde, o público ri. Nós pressionamos outro acorde, e eles ofegam. Nós pressionamos essas notas e elas riem. Algum dia, não teremos que fazer um filme. Vamos apenas anexá-los a eletrodos e tocar as várias emoções para os espectadores as experimentarem”. É uma declaração que muitos consideram cínica, mas tem o mérito de sintetizar Hollywood, e a criatividade, ao que realmente é: uma “indústria da emoção”.

Fui sócio e representante no Brasil do maior especialista em roteiros de Hollywood, Robert McKee, que foi quem ensinou a Pixar a escrever histórias, em 1994. Com essa parceria, aprendi algo fundamental: observarmos nossas próprias emoções e fazermos as coisas tentando provocar emoções nos outros são dois motores da criatividade.

E falo de todo tipo de emoção, porque, num certo nível, todos os seres humanos são iguais no portfólio de sentimentos. Nós temos sonhos, nos frustramos quando não conseguimos o que queremos, ficamos com raiva, queremos ser reconhecidos, choramos no banheiro, queremos dar amor e ser amados – e a lista não tem fim. Os filmes de Hollywood nos mostram isso.

## Como recuperar seu “eu criativo”?
A resposta à pergunta acima você mesmo precisa se dar, é claro, mas até agora já sugerimos quatro passos para esse processo de recuperação: (1) conscientizar-se de que você já foi criativo um dia e sua vida apenas caiu na armadilha da “The logical song”, (2) decidir libertar-se disso, (3) olhar para polos de criatividade como Hollywood muito mais do que olhar para quem oferece fórmulas, (4) entender os impactos das histórias e das emoções na criatividade.
Porém, podemos aprofundar essa conversa ainda mais. A criatividade de uma produção de Hollywood sempre começa na definição do assunto que será tratado. Essa prática de definir vale para um filme, mas igualmente para um produto, um modelo de negócio, um design organizacional etc. E os outros filmes não são diferentes. Qualquer obra, seja ela uma história de um filme, um negócio, uma música, um quadro, enfim, tudo na nossa vida começa com uma ideia.
E como temos ideias? Do mesmo modo que, quando criança, você falava: “Tive uma ideia!”. É algo que vem e você não reprime – muitas vezes, na hora de deitar, no banho, durante o exercício ou no meio de uma conversa nada a ver. A frase na sequência você também não pode reprimir: “E se..?”. Nas situações cotidianas, force-se a ter essa postura “infantil” em vez de dar a resposta pronta. Em algum momento, não precisará mais forçar.
Vinda e anotada a ideia, você precisa moldá-la com “limitações criativas”. O universo da história tem de ter um tamanho tal que a audiência possa se apropriar dele. Sobre quem o filme fala? Sobre o quê? Qual o conflito principal? Quais os valores universais abordados? Onde a trama acontece? Em que momento do tempo? E o que mais for necessário. Limites fazem bem à nossa criatividade; eles é que tornam ilimitado o nosso poder de imaginação. Star Wars tem uma série de limitações, consegue perceber? Para George Lucas, é nessa parte que a boa criatividade mostra a cara.
Quer outro exemplo de criatividade construída sobre limitações? Os esportes: a rede limita o tênis, as linhas do campo limitam o futebol, e assim por diante. Mais uma ilustração disso é a gênese humana na Bíblia. A ideia ali é a de que o ser humano poderia escolher seu próprio destino. E os limites estão claros, a começar pelo próprio Jardim do Éden e os personagens Adão e Eva. Na versão evolucionista do Charles Darwin também há uma ideia inicial: a de que a adaptação ao contexto foi traçando o destino da humanidade. E o naturalista definiu bem as premissas disso.
Mais um aspecto que vale compartilhar com quem busca recuperar a criatividade são os “KPIs”. Tenho dois. O primeiro é, quanto mais criativo você for, mais vão lhe dizer “Você é louco” ou “Isso não vai dar certo”. Em vez de se abalar com essa turma do contra, você deve usar isso como um KPI de criatividade pessoal. Toda vez que isso acontecia comigo, pelo menos, eu sabia que estava no caminho criativo certo. O segundo é você mesmo tentar responder à fatídica pergunta “Sobre o que é o seu filme/produto/serviço?” Se a resposta gerar uma vontade de se envolver com a ideia, você está no caminho certo. (Se não, desapegue.)
Por fim, quero listar algumas práticas que nos ajudam demais a ser criativo:

– Não tenha medo de errar.
– Permita-se falar bobagem.
– Entenda que a primeira ideia que vem à cabeça geralmente é clichê, e jogue fora.
– Acredite que tudo é possível.
– Quando você estiver criando, deixe seu crítico interior de lado, calado.
– Trate toda ideia como uma candidata, mas tenha clareza de que nenhuma delas será finalista até que seja bem avaliada.
– Encontre um novo jeito de abordar aquilo que já existe; adaptação é criatividade.
– Deixe de lado seu ego. Uma boa ideia existe para servir sua audiência – não para mostrar o quanto você é inteligente.
– Se for uma história que você estiver criando, para uma apresentação, por exemplo, pense (como premissas) nos valores universais contidos ali, aqueles que provoam emoções, e em como eles podem se transformar numa trama.

Em Hollywood, a ideia manda. No entanto, nunca esqueça que a criatividade não está só em ter ideias. Ela aparece em todo o processo de execução, exatamente como em Hollywood. Ou só o roteirista seria criativo, e não o diretor, o produtor, o cinegrafista, os atores, o iluminador, o responsável pelos cenários, o figurinista, o montador etc. O mesmo vale para empresas: se seu produto for supercriativo, mas a embalagem não for, a criatividade coletiva deixa a desejar. Lembre-se da Apple.

## lembre-se de não ser “adulto demais”

Dá para voltar a ser criativo? Sim. Sou prova viva disso, com mais de 20 mil trabalhos de storytelling em mais de 20 anos. Eu entendi que o lado “adulto demais” das empresas acabou estragando a criatividade das pessoas, mas não é irremediável.

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