Liderança

Raj Sisodia propõe novo líder

O especialista em capitalismo consciente afirma que as empresas precisam de uma gestão mais humanizada, feminina, do tipo shakti, e que mais mulheres na liderança é questão de tempo

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> Vale a leitura porque… 
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> … cada vez mais pessoas acham que o capitalismo nos moldes atuais é insustentável e que, para conseguir sobreviver, ele precisa especialmente de empresas mais queridas, humanizadas e conscientes. … há muito debate em torno do modelo de liderança capaz de criar empresas assim. … uma nova proposta é a liderança shakti, que visa fazer os negócios se basearem no cuidado com as pessoas, além de foco e estratégia; invoca uma energia feminina.

Na tradição indiana, Shakti é a entidade que move todo o Universo, gera vida e cria tudo o que está a nosso redor. Por ser um poder criativo e não destrutivo, é uma energia feminina. Liderança shakti é a nova linha de pesquisa do especialista em gestão indiano Raj Sisodia, que conquistou executivos do mundo inteiro – incluindo Abilio Diniz no Brasil – com seus livros e conceitos sobre empresas humanizadas (firms of endearment) e sobre o capitalismo consciente. Ele aborda a necessidade de equilibrar o masculino e o feminino na liderança. 

Shakti Leadership: Embracing Feminine andMasculine Power in Business, escrito em parceria com a autora e coach Nilima Bhat e lançado este ano, ensina como isso pode ser feito com efetividade pelas organizações. Em entrevista exclusiva a HSM Management, Sisodia explica por que uma liderança que harmonize o masculino e o feminino é tão importante para as empresas: isso vai acelerar sua humanização e sua capacidade de praticar um capitalismo consciente. Segundo ele, ter mais líderes femininas levará a isso. 

**O que é a liderança shakti, tema de seu novo livro?** 

O significado literal da palavra shakti é “poder”. Refere-se à energia criativa, ao que gera vida e tudo o que está a nosso redor – é um poder construtivo, não destrutivo. Vemos esse poder como uma energia feminina. No hinduísmo, usamos deuses para simbolizar qualidades, que se dividem em energias masculinas e femininas. As de energias femininas, representadas por deusas, são sabedoria, prosperidade e poder criativo, entre outras. Há milhares de anos, temos um sistema patriarcal, que criou sociedades dominadas por homens. 

Todo ser humano possui as duas energias dentro de si. Homens também têm as femininas, e mulheres, as masculinas, mas suprimimos o feminino nos homens. Assim, os valores masculinos é que predominam em países e organizações. Muitos deles são positivos, como disciplina, discernimento, foco, força, resiliência e coragem, que nos fizeram progredir, mas há os negativos, entre os quais dominação, agressão e a disposição para a guerra, e estes causaram – e causam – muito sofrimento. Acredito que o que falta no mundo é a presença dessa energia feminina fora de casa. 

**Como a energia feminina ajuda os negócios na prática?** 

Na tradição indiana, há uma imagem que mostra um deus metade homem e metade mulher; o lado esquerdo é Shiva, e o lado direito, Shakti – de um lado, força; do outro, vitalidade. Mais energia feminina nos dará esse equilíbrio ideal. 

Os negócios precisam ser baseados em amor e carinho, além de foco e estratégia. A outra parte do “como” é transformar mais mulheres em líderes, porque assim mais homens aprenderão com elas e todas as pessoas das empresas passarão a ter noção do cuidado com o ser humano. Desse modo, levaremos todos para negócios mais conscientes, Shiva e Shakti. Hoje as mulheres compõem 58% dos estudantes de universidades nos países desenvolvidos. Como as organizações precisam cada vez mais de gente preparada, esse acesso maior dará às mulheres muito mais oportunidades e vantagens em cargos administrativos. Elas acabarão sendo dominantes na liderança, estatisticamente. 

**Os homens conseguem recuperar sua energia feminina?** 

Sim, eles precisam cultivar a totalidade proativamente, quebrando a fragmentação masculino versus feminino dentro de si e aceitando o que chamamos de sua sombra feminina. Enquanto não a aceitarem, essa será sua maior vulnerabilidade. A totalidade gera a capacidade de acessar as qualidades masculinas e femininas conforme a necessidade. 

**Os homens e as empresas estão prontos para isso?** 

Vamos descobrir. Há um grande fluxo de estudos sobre liderança feminina, que estou integrando agora com esse livro, e ele é persuasivo. Mostra que algumas qualidades fundamentais para a liderança, como o relacionamento, vêm fácil para as mulheres, e as empresas estão se dando conta disso. Quanto aos homens estarem prontos, terão de estar. O estudo de Joanna Barsh para a McKinsey, que vem se tornando referência, chega a dizer que os homens precisam desaprender o que sabem, porque as características mais necessárias nos negócios hoje são principalmente femininas. Tenho uma metáfora para isso: somos pássaros que não podemos voar porque temos uma asa amarrada. Temos de desatar essa asa para sermos inteiros e voarmos. O século 19 marcou a extinção da escravidão, o 20 acabou com o totalitarismo e o 21 trará o fim da supressão do feminino. 

> SAIBA MAIS SOBRE  RAJ SISODIA
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> Quem é: Consultor  indiano formado em engenharia e gestão, lançou o movimento capitalismo consciente e cofundou o Conscious Capitalism Institute. 
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> O início: Foi pesquisar por que o marketing não funcionava e descobriu empresas que tinham clientes fiéis por serem “humanizadas”. 
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> Livros: Shakti Leadership (com Nilima Bhat), Capitalismo Consciente e Empresas Humanizadas.

**Onde a inteireza já pode ser observada? Há algum modelo robusto a seguir?** 

O Canadá é um país construído com base em um propósito maior, com valores como amor e carinho, com um governo consciente; a energia feminina está mais presente lá. No entanto, é preciso desafiar a cultura ocidental, que é muito masculina, influenciada pelas religiões abraâmicas. 

> **Religiões,Star Wars, darwinismo e Gandhi**
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> O desafio ocidental da liderança shakti é maior do que o oriental, na visão do especialista Raj Sisodia. Isso tem origem nas religiões abraâmicas que moldam a cultura e a sociedade – o cristianismo e o judaísmo.  As duas são patriarcais, com pouquíssimas figuras divinas femininas. “Como protagonista mulher, você tem a virgem ou a prostituta.  A figura de Deus é a de um homem velho com características bem masculinas – bravo, mal-humorado, vingativo”, observa o indiano. (Parte do Oriente também tem o desafio aumentado, porque o islamismo segue a mesma linha.) 
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> No entanto, outras influências culturais podem contribuir para o esforço de mudança ser menos difícil. Uma delas é a ideia da força da saga cinematográfica Star Wars. “Eu realmente acredito no princípio de Star Wars – e muita gente deve acreditar: quando uma força emerge, a antiga reage e tenta se perpetuar no poder de todas as maneiras, porém não consegue, porque a força está em cada um de nós; no filme, ela é claramente Shakti, envolvendo o Universo e nos envolvendo.” 
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> Outro apoio cultural importante viria da teoria da evolução de Charles Darwin. “Há um livro maravilhoso, intitulado O Propósito da Evolução, segundo o qual a evolução não é apenas uma mutação aleatória, mas segue uma trajetória e avançamos para níveis mais altos. 
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> Com a evolução da liderança e das empresas, a mesma lógica deve prevalecer. O poder justo, harmonioso, que usufrui o poder infinito de Shakti, é o nível mais avançado, e a evolução é inexorável”, diz Sisodia. O especialista ainda sugere que os ocidentais olhem com atenção para o Oriente de Mahatma Gandhi, líder que mobilizou bilhões de pessoas usando um tipo de poder feminino.  “Basta cada um encontrar esse poder dentro de si.”

No Brasil, alguns especialistas em gestão argumentam que já somos emotivos o bastante e precisamos ser mais racionais. Isso significa que somos muito femininos e temos de ser mais masculinos? Não creio. Nem sempre ser sensível é ter a inteligência emocional associada à energia feminina. Ser sensível pode ter a ver apenas com ser vítima e fraco. Shakti não é isso. 

**O CAPITALISMO CONSCIENTE AVANÇA**

A liderança shakti e as empresas humanizadas [tema de um livro anterior de Sisodia] têm relação com o capitalismo consciente, que o sr. advoga. As coisas estão evoluindo nesse campo? Não tenho conhecimento suficiente sobre o Brasil, mas, no geral, posso dizer que sim. Há muito mais grandes empresas começando a falar a língua do capitalismo consciente. Isso se torna parte do vocabulário e as pessoas começam a entender. 

Os governos também estão mais atentos. Um exemplo disso, nos Estados Unidos, é o secretário do Trabalho, Thomas Perez, que demonstra muito entusiasmo pelo tema; já visitou várias das empresas ligadas a nossa instituição [Conscious Capitalism Institute] e liderou uma reunião de 35 pessoas na Casa Branca sobre como o governo pode encorajar empresários a praticar isso. Perez quer ajudar a estabelecer algum tipo de entidade que premie empresas conscientes e divulgue as características das melhores a outras organizações. Se Hillary Clinton assumir o poder, a expectativa é que o interesse do governo se mantenha. 

**As empresas estão se conscientizando para valer ou fazem green e pinkwashing?** 

É fundamental diferenciar consciência e maquiagem. Acho que há muito progresso e que a maioria segue a direção certa. E há uns 800 estudos publicados demonstrando que algumas coisas aconteceram, sim. Certos setores, no entanto, não avançaram muito. O farmacêutico costumava seguir motivações nobres e hoje só quer saber de dinheiro; não estou vendo isso mudar. A Johnson & Johnson acaba de pagar US$ 4 bilhões em multas por seu remédio antipsicótico e, mesmo sabendo de seus efeitos negativos sobre as pessoas, continua a produzi-lo. Não há consequências, não há vergonha. Pagam multas bilionárias e não aprendem a lição; não resolvem o problema. 

**A quantas anda a consciência nas economias emergentes?** 

Já tivemos diversos eventos na Colômbia, no Chile, no México e na África do Sul. Os gestores desses países ficam muito animados com nossos eventos e querem aplicar essas ideias. Acreditamos que elas são igualmente aplicáveis nesses locais, só que as organizações que querem ser conscientes têm um desafio dobrado ali, porque precisam assumir muito mais responsabilidades – seus governos dão bem menos suporte à população, seja em segurança, seja em infraestrutura. Na Índia, por exemplo, muitas empresas fornecem casas, educação, saúde e transporte para as pessoas. Acho que, nas economias emergentes, o propósito precisa ser realmente muito forte para uma organização praticar o capitalismo consciente. 

**Como o sr. vê o futuro do trabalho nesse capitalismo?**

Boa pergunta. Freud dizia que “amor e trabalho são os pilares de nossa humanidade”. Trabalhar é humano; animais não trabalham a não ser que sejam obrigados, mas seres humanos sentem necessidade de trabalhar. 

Trabalhamos cerca de 100 mil horas de nossa vida. Agora, como o tempo para trabalhar é limitado, uma pessoa precisa estar no contexto certo, em solo fértil, para atingir algo significativo. 

E não há solo fértil para a maioria de nós. Esse solo é a organização, a cultura, a liderança, os valores, o círculo de segurança. Quando isso não existe, agimos pelo instinto de sobrevivência e, assim, somos vítimas do medo. 

O futuro do trabalho em um capitalismo consciente incluirá as condições para que indivíduos normais consigam fazer coisas extraordinárias, preparando e oferecendo o solo fértil. Uma cultura de amor e cuidado, de confiança e transparência e com um propósito maior – que depende muito da liderança shakti – será capaz de motivar as pessoas, levando-as a descobrir seu poder interior e a fazer coisas extraordinárias. 

O que as empresas impõem aos colaboradores hoje é totalitarismo, escravidão. A maioria das pessoas nasce com a música tocando dentro de si e morre com ela ainda lá dentro. A música nunca sai. Imagine quanto a economia não perde com isso.

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