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Redução da jornada: um passo para a saúde mental e inclusão no trabalho

A redução da jornada para 36 horas semanais vai além do bem-estar: promove saúde mental, equidade de gênero e inclusão no trabalho. Dados mostram como essa mudança beneficia especialmente mulheres negras, aliviando a sobrecarga de tarefas e ampliando oportunidades. Combinada a modelos híbridos, fortalece a produtividade e a retenção de talentos.
*Carine Roos é pesquisadora de ética em inteligência artificial, direitos humanos, saúde emocional e gênero. A especialista possui mestrado em Gênero pela London School of Economics (LSE) e pós-graduação em Cultivando Equilíbrio Emocional pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies. Fundadora e CEO da Newa, consultoria de impacto social especializada na criação de ambientes corporativos humanizados, éticos e psicologicamente seguros, tem como missão preparar e capacitar líderes de grandes empresas. Autora da newsletter The Hidden Politics of AI, que analisa o impacto das big techs na governança digital e nos direitos fundamentais, também é palestrante em eventos de inovação, LinkedIn Top Voice, e colunista em veículos como Você RH e HSM.

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Jornada de trabalho

A redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais tem sido debatida como uma medida com potencial transformador para o ambiente corporativo. Mais do que uma iniciativa de bem-estar, essa mudança pode melhorar a saúde mental, aumentar a produtividade e promover equidade de gênero e inclusão. Estudos recentes mostram que esse impacto é ainda mais significativo para mulheres negras, que enfrentam desafios desproporcionais tanto no mercado de trabalho quanto na carga doméstica.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2022, conduzida pelo IBGE, revelam que as mulheres no Brasil dedicam, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas, enquanto os homens dedicam 11,7 horas. Essa diferença de 9,6 horas semanais reflete uma sobrecarga significativa que prejudica a saúde mental e limita as oportunidades de desenvolvimento profissional delas.

O impacto é ainda mais profundo para as negras, que além de realizarem maior carga de afazer doméstico, enfrentam barreiras estruturais no mercado de trabalho. A taxa de realização de afazeres domésticos por elas foi de 92,7%, a maior entre os grupos raciais analisados. Esse desequilíbrio na divisão de tarefas persiste mesmo entre trabalhadores formalmente empregados, evidenciando que, além de enfrentarem longas jornadas remuneradas, as mulheres continuam assumindo a maior parte do trabalho não remunerado em casa.

O relatório “Advancing Equality: Women in the Hybrid Workplace” (IWG, 2023) revela que o modelo híbrido tem desempenhado um papel crucial na promoção da inclusão e na criação de novas oportunidades para o público feminino no mercado de trabalho. Mais da metade delas pesquisadas (53%) afirmou que a flexibilidade do modelo híbrido as incentivou a buscar promoções ou cargos de liderança, e esse número aumenta para 61% entre mulheres de grupos minoritários. Além disso, dois terços (66%) das entrevistadas destacaram que ele abriu oportunidades que antes não estavam ao alcance, enquanto 70% acreditam que tornou seus empregos mais inclusivos. Mulheres com mobilidade reduzida também relataram benefícios significativos, com 86% dizendo que transformou os empregos de escritório para mais acessíveis.

O estudo aponta ainda que o modelo híbrido contribui para melhorar a saúde mental e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, com 89% das mulheres afirmando que a flexibilidade ajudou a gerenciar responsabilidades familiares e profissionais de forma mais equilibrada. A pesquisa destaca que, além de reduzir barreiras históricas, esse modelo fortalece a produtividade e a retenção de talentos, sendo uma ferramenta essencial para a promoção da equidade de gênero e inclusão no ambiente corporativo.

Esses resultados destacam como a redução da carga de trabalho, promovida pela divisão mais justa de responsabilidades ou pela adoção de modelos flexíveis, são fundamentais para melhorar a qualidade de vida delas. Ao aliviar a sobrecarga, essas medidas criam condições para que as mulheres não apenas conciliem suas responsabilidades pessoais e profissionais, mas também aspirem a posições de maior destaque e liderança. Essa articulação entre a redução da jornada de trabalho e a equidade de oportunidades contribui diretamente para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

Ambientes psicologicamente seguros e inclusivos

A redução da jornada é também uma oportunidade para construir ambientes psicologicamente seguros. Priorizando o descanso e a saúde mental, as organizações criam uma cultura de valorização e respeito, em que os

colaboradores se sentem à vontade para compartilhar ideias, buscar apoio e colaborar sem receio de julgamentos.

Essa transformação beneficia especialmente grupos sub-representados, como mães e pessoas de diferentes origens socioeconômicas, ao aliviar a carga dupla e permitir maior dedicação à vida profissional. Para maximizar os benefícios, as empresas devem investir em comunicação transparente, adotar uma abordagem focada em resultados (e não em quantidade de horas envolvidas) e promover treinamentos em segurança psicológica. Incorporar jornadas reduzidas à políticas de inclusão fortalece a retenção de talentos e contribui para uma cultura corporativa mais equilibrada e inclusiva.

Impactos sustentáveis e reputação corporativa

Esse processo de redução também contribui para as metas de ESG (Ambiental, Social e Governança). Menos deslocamentos diários, viabilizados por jornadas curtas e modelos híbridos, ajudam a reduzir emissões de carbono, enquanto o tempo adicional para atividades pessoais melhora a saúde mental e o engajamento das equipes.

Além disso, essa prática pode ser posicionada como uma inovação social, fortalecendo a reputação como uma empregadora responsável. Isso atrai talentos alinhados a valores de sustentabilidade e inclusão e aumenta a confiança dos stakeholders, consolidando a imagem da organização no mercado. A adoção de uma jornada de 36 horas semanais é uma oportunidade de repensar estruturas organizacionais e colocar as pessoas no centro das decisões. Empresas que priorizam práticas inclusivas e sustentáveis não apenas promovem o bem-estar de seus times, mas também se destacam como líderes na construção de um mercado mais justo e resiliente.

Este é o momento para gestores assumirem o compromisso de transformar a cultura corporativa, promovendo ambientes mais saudáveis e preparados para os desafios futuros. Reduzir a jornada não é apenas uma medida prática, mas um passo essencial para a valorização do trabalho humano em todas as suas dimensões.

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