Uncategorized

Reforma trabalhista: um terreno fértil para a meritocracia

Sócio fundador da SG Comp Partners

Compartilhar:

Passados mais de vinte meses da promulgação da Reforma Trabalhista, em novembro de 2017, os gestores das empresas deparam-se com novidades que poderão impactar positivamente a construção da meritocracia e facilitar a adequação de suas políticas de remuneração às demandas e particularidades de cada setor econômico. Dentre elas, chamamos a atenção à equiparação salarial. Antes do novo marco legal, no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, a regra era nítida: para todo o trabalho igual, remuneração igual. 

O princípio em que se baseia a equiparação salarial é pertinente. Tem como objetivo coibir a discriminação nas empresas, por meio do salário, seja ela de gênero, cor, raça, credo, orientação sexual ou de outra natureza. Mas não dava conta da complexidade do mercado. 

Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, o dono de uma fábrica sempre pôde pagar o dobro do salário padrão para um operário que fosse mais dedicado, comprometido e produtivo sem correr riscos jurídicos, no Brasil, tal prática sempre ensejou muita dor de cabeça, pois caberia à empresa o ônus de demonstrar objetivamente as diferenças de produtividade e de perfeição técnica atribuídas àquele trabalhador com um salário maior. 

Gestores, até há pouco, enxergavam a cultura da meritocracia, aplicada, por exemplo, por meio de aumentos salariais por desempenho, como um grande risco. Afinal, o ambiente jurídico se apresentava particularmente hostil ao conceito. 

Com as modificações feitas na legislação trabalhista, o quadro, felizmente, começou a mudar. As promoções, enfim, poderão ser feitas por merecimento, por antiguidade ou por ambos os critérios. Em outras palavras, a obrigação de “mesmo cargo, mesmo salário” deixa de existir. Basta para isso, que a empresa tenha uma política interna de cargos e salários clara e objetiva. 

Outra grande evolução foi a dispensa da obrigação de as empresas que possuíssem um quadro de carreira ou um plano de cargos e salários de obter a sua homologação ou de realizar seu registro junto a um órgão público. 

Só a ausência de necessidade de as empresas registrarem no Ministério do Trabalho os seus planos de cargos e salários, já representou um grande alívio aos gestores. Da mesma forma, tampouco é necessário que esses sejam negociados com o sindicato.  

Verdade seja dita: poucas eram as empresas que cumpriam a homologação de seus planos de cargos e salários, por ser muito burocrática e por engessar a dinâmica interna das suas estruturas. Quem o fizesse, ficava refém daquele plano, ainda que a realidade do negócio mudasse radicalmente, como ocorre em cenários de crise econômica. À luz da antiga lei, qualquer alteração no plano exigiria uma nova rodada de homologações junto ao MT, numa roda viva _kafkaniana._

Estamos longe, ainda, de um cenário claro. Na prática, mesmo passados duas dezenas de meses da sua promulgação, boa parte dos avanços do novo marco legal trabalhista ainda reside em um limbo jurídico, à espera de uma jurisprudência sólida que resguarde empresas de interpretações discordantes entre juízes nas variadas instâncias da Justiça do Trabalho. 

Meritocracia ainda gera incertezas no Brasil
——————————————–

O desafio, contudo, persiste, pois traz muitas dimensões. No Brasil, a meritocracia ainda desperta desconfiança. Há quem afirme que ela estimule o individualismo, aumente a pressão, reduzindo a qualidade de vida das pessoas, das relações e do ambiente de trabalho.  

É importante se admitir: há razões históricas para o estranhamento que a meritocracia nos causa. Fomos – por séculos – uma sociedade escravocrata, na qual o trabalho sequer era remunerado.  Em compensação, florescia entre nós o clientelismo patriarcal, que, desde os tempos da Colônia, favorecia quem detivesse relacionamentos com os poderosos. 

Os frutos desse perverso percurso histórico têm impactos que perduram no universo do trabalho. Apadrinhamentos, tão comuns outrora, ainda hoje desestimulam quem, de fato, destaca-se por uma contribuição relevante no ambiente profissional. A prática do “favorecimento” sem qualquer mérito ainda é um forte indutor da “síndrome do trabalho de grupo de faculdade”, quando os mais dedicados e talentosos ficam desestimuladas a entregar seu melhor.

Por outro lado, vale lembrar que o suposto individualismo que decorre da aplicação da meritocracia é “calibrável”.  Um plano de remuneração variável, por exemplo, pode – e deve – considerar a performance da equipe. As recompensas têm condições de serem atreladas a uma dimensão mais coletiva, quando as metas são também orientadas para o fortalecimento e aprimoramento da equipe. 

Enfim. Meritocracia na dose certa é uma evolução muito bem-vinda a qualquer sociedade e, principalmente, para orientar as relações de trabalho. Agora é torcer para que ela, enfim, ganhe o seu espaço. Os dados vêm sendo lançados e as apostas estão na mesa.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Há um fio entre Ada Lovelace e o CESAR

Fora do tempo e do espaço, talvez fosse improvável imaginar qualquer linha que me ligasse a Ada Lovelace. Mais improvável ainda seria incluir, nesse mesmo

ESG
O bem-estar dos colaboradores é prioridade nas empresas pós-pandemia, com benefícios flexíveis e saúde mental no centro das estratégias para reter talentos, aumentar produtividade e reduzir turnover, enquanto o mercado de benefícios cresce globalmente.

Charles Schweitzer

5 min de leitura
Finanças
Com projeções de US$ 525 bilhões até 2030, a Creator Economy busca superar desafios como dependência de algoritmos e desigualdade na monetização, adotando ferramentas financeiras e estratégias inovadoras.

Paulo Robilloti

6 min de leitura
ESG
Adotar o 'Best Before' no Brasil pode reduzir o desperdício de alimentos, mas demanda conscientização e mudanças na cadeia logística para funcionar

Lucas Infante

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, a robótica ganhou destaque como tecnologia transformadora, com aplicações que vão da saúde e criatividade à exploração espacial, mas ainda enfrenta desafios de escalabilidade e adaptação ao mundo real.

Renate Fuchs

6 min de leitura
Inovação
No SXSW 2025, Flavio Pripas, General Partner da Staged Ventures, reflete sobre IA como ferramenta para conexões humanas, inovação responsável e um futuro de abundância tecnológica.

Flávio Pripas

5 min de leitura
ESG
Home office + algoritmos = epidemia de solidão? Pesquisa Hibou revela que 57% dos brasileiros produzem mais em times multidisciplinares - no SXSW, Harvard e Deloitte apontam o caminho: reconexão intencional (5-3-1) e curiosidade vulnerável como antídotos para a atrofia social pós-Covid

Ligia Mello

6 min de leitura
Empreendedorismo
Em um mundo de incertezas, os conselhos de administração precisam ser estratégicos, transparentes e ágeis, atuando em parceria com CEOs para enfrentar desafios como ESG, governança de dados e dilemas éticos da IA

Sérgio Simões

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Os cuidados necessários para o uso de IA vão muito além de dados e cada vez mais iremos precisar entender o real uso destas ferramentas para nos ajudar, e não dificultar nossa vida.

Eduardo Freire

7 min de leitura
Liderança
A Inteligência Artificial está transformando o mercado de trabalho, mas em vez de substituir humanos, deve ser vista como uma aliada que amplia competências e libera tempo para atividades criativas e estratégicas, valorizando a inteligência única do ser humano.

Jussara Dutra

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A história familiar molda silenciosamente as decisões dos líderes, influenciando desde a comunicação até a gestão de conflitos. Reconhecer esses padrões é essencial para criar lideranças mais conscientes e organizações mais saudáveis.

Vanda Lohn

5 min de leitura