Artigo

Reinventando o sindicato no mundo em disrupção

Enquanto as empresas se adaptam mais rapidamente ao espírito do tempo que afeta fortemente a estrutura de trabalho, o mesmo não pode ser dito das entidades sindicais, principalmente aquelas que representam os empregados
Viviane Stadler é advogada, com MBA em gestão do direito empresarial pela FAE Business School. Atuando desde 1999, é especialista em direito do trabalho pela USP, atua como conselheira independente e professora na Inova Business School.

Compartilhar:

Quando escrevi este artigo, o site do Ministério do Trabalho e Emprego contabilizava exatamente 17.631 sindicatos registrados. Desses, 12.224 eram de empregados e 5.406 de empregadores. Sim, há no Brasil um sindicato para cada 17 mil pessoas. Para comparação, os Estados Unidos têm 130 sindicatos para 329 milhões de habitantes.

Esse número de entidades, somado ao fato de a reforma trabalhista ter reduzido o financiamento obrigatório dos sindicatos, gerou a expectativa do surgimento de uma nova visão sindical. Afinal, seria necessário que aquelas pessoas que antes eram obrigadas a contribuir fossem substituídas por contribuintes voluntários, os associados.

O futuro dessas entidades era claro: para convencer os não associados, seria necessário ofertar algo. No entanto, após cinco anos da reforma trabalhista, esse novo sindicato ainda não se fez presente.

Para uma nova visão sindical, as entidades precisam se reinventar. Por sua longevidade, espera-se que, no futuro, sejam entidades representativas, mas só isso não basta. Seus associados precisam ver vantagens para quererem se associar e manter esse vínculo. E uma entidade sindical deveria ter muitos outros benefícios além de estruturas de lazer (o que poucos possuem). Imagine um sindicato que pudesse oferecer aos associados a real preocupação com as pessoas que representam. Esse é o caminho que precisam percorrer.

## Criando valor além do básico
Eis alguns exemplos. Como o futuro exige o estudo contínuo, então seria desejável estimular o lifelong learning voltado para as novidades da atividade econômica que a entidade representa (o que não é nada difícil de se fazer). Outra alternativa pode ser o suporte no período de desemprego, com banco de vagas e atualização do associado para o futuro por meio de cursos. E, reconhecendo que o período de desemprego é realmente desafiador, quem sabe incluir uma assessoria de carreira, coaching e acompanhamento psicológico?

A oferta não precisava parar por aí: plano de saúde, ou quem sabe um centro de especialidades médicas e odontológicas, para se desejar o mínimo. Ainda no plano do bem-estar, uma academia bem estruturada também poderia vir no pacote.

Educação não precisa ser exclusiva para adultos: filhos dos associados também poderiam se beneficiar e, de quebra, mães e pais poderiam ter o alívio e a segurança de contar com a oferta de escolas e creches de boa qualidade, convênios com universidades, e quem sabe até preparar e iniciar as novas gerações em uma profissão. As entidades podem ainda incentivar a pesquisa em seus setores, fazendo parte de hubs de pesquisa e inovação nos polos tecnológicos que surgem diariamente pelo Brasil. Por fim (pelo menos aqui), ofertas de crédito também seriam bem-vindas. Algumas entidades sindicais mais estruturadas e fortes no Brasil até dispõem de algumas das opções acima, mas quem as conhece?

## Sindicatos digitais
O futuro também direciona as entidades para a digitalização de informações e serviços disponíveis. Pouca informação está disponível online e a comunicação ainda é muito deficitária, sem o uso de ferramentas gratuitas disponíveis nas redes sociais ou em grupos nos aplicativos de conversa.

Digitalizar poderia inclusive melhorar e facilitar a participação do associado nas atividades sindicais. Imagine a atualização das assembleias, feitas por videoconferência, com acesso e voto online, ou mesmo na modalidade híbrida (opções não faltam para viabilizar essa migração). As decisões deixariam de ser tomadas por poucos participantes (outra reclamação recorrente).

Iniciativas simples como essas poderiam fazer nascer entidades representativas e úteis, uma sensação pouco existente hoje na mente dos possíveis associados, algo que percebo nas interações que tenho com empregados durante aulas e palestras. A mudança é necessária, pois os números de associados estão em queda. Segundo o IBGE, em 2019 apenas 11,2% de empregados eram efetivamente associados aos sindicatos, índice que diminui ano a ano.

## Transformação do trabalho
Contribuindo com esse cenário, temos ainda a crescente modificação do próprio modelo de trabalho, o que dificulta a sindicalização. O empregado não está mais concentrado em um único local.

Os modelos de trabalho home office e híbrido, antes adotados com certa resistência pelas empresas, foram inseridos forçosamente pela pandemia e agora, depois de comprovada sua eficiência, foram incorporados por elas e principalmente pelos empregados.

Se trabalhar à distância é possível, então também é possível morar em locais mais agradáveis, longe dos grandes centros e, às vezes, mais próximo da família. Essa distância pode inclusive ser internacional ou intercontinental, com empregados sendo recrutados, em algumas áreas do País, por empresas estrangeiras. Nesse caso, o empregado nem será sindicalizado no Brasil; poderá se filiar a sindicatos estrangeiros (efetivos e atuantes) e receber em moedas estrangeiras mais valorizadas frente ao real.

Tal opção está disponível também para as empresas brasileiras, que podem contratar empregados em outros países, trabalhando em home office. Boa sorte aos sindicatos brasileiros se a moda pegar, porque se já é difícil conseguir afiliados no Brasil, imagine se precisarem buscar afiliados estrangeiros.

Essa realidade só não é mais presente nas empresas brasileiras pelo receio da burocracia, que foi muito reduzida nos últimos anos pelos avanços da legislação do trabalhador imigrante. Melhorias nos serviços governamentais também facilitaram esse tipo de contratação. Há um portal específico para isso, o MigranteWeb, que permite regularizar a oferta de trabalho ao estrangeiro em poucos cliques, enquanto o eSocial (portal de registro das relações de trabalho) já está totalmente adaptado para essa possibilidade.

Mais trabalho terá o próprio empregado estrangeiro que precisará repatriar o salário pago pela empresa brasileira para seu país. Ou não, afinal as criptomoedas são utilizadas já há alguns anos para esse tipo de transação pelo mundo. Há também a possibilidade de transferências, facilmente efetuadas pelas próprias instituições financeiras. Alguns bancos brasileiros permitem o saque em outros países no caixa eletrônico.

Outro efeito da transformação que afeta o trabalho é o empreendedorismo, que também alterou o dia a dia das entidades sindicais. Muitas pessoas não querem mais um vínculo formal, uma carreira longa fazendo as mesmas atividades. Preferem ser nômades digitais, prestar serviços por meio de pequenas empresas nas quais façam o próprio horário, ter vários clientes em muitos lugares. Esse modelo de profissional tem um vasto campo de trabalho e, diante de tais características, não vai se afiliar a uma entidade sindical que tem base territorial de um município.

Os desafios para as entidades não acabam. A longevidade do profissional tem levado a muitas transições de carreiras; ninguém mais precisa nascer engenheiro e se aposentar nessa função. Tal elasticidade profissional, junto com a consolidação da tendência das carreiras múltiplas, também afeta as entidades que, de acordo com a legislação brasileira, precisam estar vinculadas a uma única atividade econômica.

A própria atividade econômica, em constante transformação, afeta as regras das entidades sindicais. O Uber é transporte ou tecnologia? O Airbnb é hotelaria, tecnologia ou imobiliária? O Mercado Livre é tecnologia, intermediário, varejo ou logística? As atividades econômicas se transformam em atividades múltiplas, mudando toda a lógica das entidades sindicais, construída em 1946.

Discussões e embates sobre capital e trabalho travados pelos pensadores dos séculos passados – e que foram embriões das entidades sindicais – insistem em ressurgir, porém não fazem nenhum sentido nesse novo formato de mundo e não auxiliam a necessária transformação das entidades. Perde-se tempo com teorias ultrapassadas e não se busca compreender esses novos movimentos, irrefreáveis e inevitáveis.

A modernidade é líquida, já afirmou Zygmunt Bauman, levando à necessidade de incorporar a tecnologia, assim como de atualizar as relações entre entidades e representados. Vivemos tempos de compartilhamento, cocriação, colaboração, transformação, e toda a transição vivenciada pela humanidade nos últimos anos fatalmente se refletirá na representatividade exigida dessas entidades.

Artigo publicado na HSM Management nº 154

Compartilhar:

Artigos relacionados

Quando o corpo pede pausa e o negócio pede pressa

Entre liderança e gestação, uma lição essencial: não existe performance sustentável sem energia. Pausar não é fraqueza, é gestão – e admitir limites pode ser o gesto mais poderoso para cuidar de pessoas e negócios.

Inovação e comunidades na presença digital

A creators economy deixou de ser tendência para se tornar estratégia: autenticidade, constância e inovação são os pilares que conectam marcas, líderes e comunidades em um mercado digital cada vez mais colaborativo.

Bem-estar & saúde
9 de dezembro de 2025
Entre liderança e gestação, uma lição essencial: não existe performance sustentável sem energia. Pausar não é fraqueza, é gestão - e admitir limites pode ser o gesto mais poderoso para cuidar de pessoas e negócios.

Tatiana Pimenta - Fundadora e CEO da Vittude,

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
8 de dezembro de 2025
Com custos de saúde corporativa em alta, a telemedicina surge como solução estratégica: reduz sinistralidade, amplia acesso e fortalece o bem-estar, transformando a gestão de benefícios em vantagem competitiva.

Loraine Burgard - Cofundadora da h.ai

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Liderança
5 de dezembro de 2025
Em um mundo exausto, emoção deixa de ser fragilidade e se torna vantagem competitiva: até 2027, lideranças que integram sensibilidade, análise e coragem serão as que sustentam confiança, inovação e resultados.

Lisia Prado - Consultora e sócia da House of Feelings

5 minutos min de leitura
Finanças
4 de dezembro de 2025

Antonio de Pádua Parente Filho - Diretor Jurídico, Compliance, Risco e Operações no Braza Bank S.A.

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
3 de dezembro de 2025
A creators economy deixou de ser tendência para se tornar estratégia: autenticidade, constância e inovação são os pilares que conectam marcas, líderes e comunidades em um mercado digital cada vez mais colaborativo.

Gabriel Andrade - Aluno da Anhembi Morumbi e integrante do LAB Jornalismo e Fernanda Iarossi - Professora da Universidade Anhembi Morumbi e Mestre em Comunicação Midiática pela Unesp

3 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2 de dezembro de 2025
Modelos generativos são eficazes apenas quando aplicados a demandas claramente estruturadas.

Diego Nogare - Executive Consultant in AI & ML

4 minutos min de leitura
Estratégia
1º de dezembro de 2025
Em ambientes complexos, planos lineares não bastam. O Estuarine Mapping propõe uma abordagem adaptativa para avaliar a viabilidade de mudanças, substituindo o “wishful thinking” por estratégias ancoradas em energia, tempo e contexto.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

10 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Liderança
29 de novembro de 2025
Por trás das negociações brilhantes e decisões estratégicas, Suits revela algo essencial: liderança é feita de pessoas - com virtudes, vulnerabilidades e escolhas que moldam não só organizações, mas relações de confiança.

Lilian Cruz - Fundadora da Zero Gravity Thinking

3 minutos min de leitura
Estratégia, Marketing & growth
28 de novembro de 2025
De um caos no trânsito na Filadélfia à consolidação como código cultural no Brasil, a Black Friday evoluiu de liquidação para estratégia, transformando descontos em inteligência de precificação e redefinindo a relação entre consumo, margem e reputação

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
27 de novembro de 2025
A pergunta “O que você vai ser quando crescer?” parece ingênua, mas carrega uma armadilha: a ilusão de que há um único futuro esperando por nós. Essa mesma armadilha ronda o setor automotivo. Afinal, que futuros essa indústria, uma das mais maduras do mundo, está disposta a imaginar para si?

Marcello Bressan, PhD, futurista, professor e pesquisador do NIX - Laboratório de Design de Narrativas, Imaginação e Experiências do CESAR

4 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança