Uncategorized

Relações reconfiguradas? Perspectivas do Venture Capital para o mundo pós-Covid-19

Imaginar como será o mundo daqui dez anos é um exercício complexo que investidores de Venture Capital precisam fazer. E agora, diante da pandemia de Covid-19, traçar essa perspectiva ficou ainda mais desafiador. Por natureza e por exercício do empreendedorismo, estou otimista sobre a reconfiguração que devemos observar em nossas relações, seja ela de consumo, com o planeta ou interpessoal.
Sócio da Redpoint eventures, Co-Fundador do Buscapé, Stanford GSB, Poli-USP.

Compartilhar:

Um dos grandes desafios para se tornar um bom investidor em Venture Capital é tentar realizar projeções de um panorama futuro, buscando entender como o mundo estará diante de uma perspectiva para daqui dez anos. 

Os fundos de Venture Capital normalmente são de longa duração, cerca de dez anos, e as empresas nas quais esse tipo de fundo investe permanecem no portfólio em média por sete anos, e em alguns casos, o fundo pode ficar por doze anos ou mais investido numa companhia.

E essa tarefa de traçar um horizonte futuro, que já não é simples, ficou ainda mais difícil diante da pandemia de Covid-19. 

Para tentar prever o cenário global para daqui dez anos, é preciso refletir sobre diferentes âmbitos do conhecimento, muito além da tecnologia e inovação. 

O que vai ser importante para as pessoas e para a sociedade? Que valores vão permear a sociedade daqui dez anos? Quais serão as grandes mazelas? Em que estágio estarão as ciências biológicas? Como será o comportamento da nossa espécie e como se darão as relações mais importantes que teremos? 

Acelerando ou freando tendências atuais, o mundo em dez anos certamente será afetado pelas mudanças provocadas pela pandemia.

Dessa forma, fica claro que alguns modelos de negócios e alguns setores serão beneficiados diante de uma nova dinâmica.  

Caso um excelente time de fundadores dedique suas energias ao modelo certo no segmento beneficiado, a chance de uma empresa enorme ser criada é grande e, com isso, uma gigante criação de valor para a sociedade e para os cotistas do nosso fundo.

Nesse sentido, creio que a forma como nós nos relacionamos será decisiva para entender esta dinâmica. Por isso, vale refletir como serão afetados importantes tipos de relacionamentos.

União ou segregação?
——————–

O primeiro ponto que podemos pensar é sobre como se darão as relações intraespecíficas. 

Como nós humanos vamos nos relacionar entre si? Vamos nos aproximar mais como espécie, já que redescobrimos como passar mais tempo com quem amamos? Vamos nos importar mais com os nossos vizinhos? Cuidaremos melhor dos mais velhos? Renascerá o sentimento de aldeia?

Ou será que a tendência é que a população mundial se torne mais xenofóbica, vide a atual tensão crescente nas relações entre Estados Unidos e China? A imputação de culpa da origem do vírus à China pode criar tensões geopolíticas? 

Cadeias de suprimentos estratégicas, como fármacos, equipamentos hospitalares, circuitos integrados serão certamente redesenhadas, impactando negativamente, sem sombra de dúvidas, no processo de globalização. O ser humano vai então estar mais próximo ou mais distante de seus pares?

Cuidado com o planeta
———————

A segunda análise a ser feita é sobre as relações entre nós, sapiens, e a biosfera. 

Essa relação interespecífica será repensada? Durante a pandemia, [imagens de satélite registraram a redução dos níveis de poluição](https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/04/13/interna-brasil,844116/imagens-de-satelite-mostram-como-a-quarentena-reduz-a-poluicao.shtm) em diversos pontos do país. 

Essa redução não tem ocorrido apenas no Brasil, mas nas principais metrópoles, em diversos países do mundo, o que pode gerar uma reflexão positiva diante dos atuais modelos econômicos e dos modais de transporte.

O homem, agora confinado, viu [a natureza se aproximar dele](https://www.google.com/search?q=animais+invadem+cidades&sxsrf=ALeKk0296qP5e9m7hj6iEcC-rb-CmYf__g:1589213113786&source=lnms&tbm=nws&sa=X&ved=2ahUKEwjo_vmYmKzpAhUIY6wKHZtwCLoQ_AUoAnoECAsQBA&biw=1412&bih=689) e, para muitas pessoas, isso foi algo inédito. 

Em Veneza, por exemplo, a menor exploração dos recursos hídricos permitiram a aproximação dos cardumes de peixes e o consequente aparecimento de golfinhos em busca destes peixes.  

Será que essa trégua irá nos conscientizar em relação a como (não) cuidamos do nosso mundo? Será que existe um equilíbrio e uma possível convivência entre a vida e sua biodiversidade a ser buscada? Iremos redescobrir como viver em harmonia com o nosso planeta?

Por outro lado, não temos como escapar da retomada econômica. A economia precisa se recuperar, precisamos de curvas “V”, de melhor “earnings per share”. 

Precisamos gerar empregos. O PIB global tem que voltar a crescer. Não há outra opção, não há espaço. Nem mesmo para a Natureza. Com o petróleo barato, as energias limpas se tornam inviáveis? Podemos pensar na Natureza depois de resolver as mazelas humanas?

Relações de consumo
——————-

A terceira reflexão que trago é sobre nossa relação com o mundo material. Pessoas e consumo. Capitalismo na sua essência.

Depois de tantas semanas em confinamento, começamos a perceber algo que deveria ser óbvio: realmente precisamos de tudo que possuímos? E aquilo que precisamos, existe a necessidade de possuirmos? Será que vamos nos desprender do virulento desejo de consumo? O minimalismo vencerá a futilidade?

Na China, a flexibilização da quarentena fez com a que [Hermes batesse recorde de vendas](https://exame.abril.com.br/negocios/hermes-reabre-loja-na-china-e-vende-us-27-milhoes-em-um-dia/), vendendo mais de dois milhões de dólares em um dia. Será esta a forma que sairemos da pandemia? A população seguirá em um ritmo de consumo anterior ou ainda mais acelerado?

Tenho escutado que o mundo pós-Covid-19 não irá mudar, que voltaremos ao nosso normal e seguiremos com nossos antigos hábitos e comportamentos. Por natureza e por exercício do empreendedorismo, sou mais otimista.

Nesse contexto pós-pandemia, imagino que o local ganhará importância nas nossas relações intra-espécie. Isso não impede que o movimento antiglobalização ganhe força. 

Pelo contrário, acho que a aversão à globalização trará um sentimento de pertencimento e de cuidado do local. E vice-versa. Comunidades locais poderão ganhar força. 

As relações diretas, interpessoais, serão menos rasas e menos descartáveis. O “slow food” se estenderá para o “slow everything”. 

O enfoque local mudará a forma como serviços e produtos serão consumidos, enquanto que na perspectiva global haverá uma redução do comércio e, infelizmente, um incremento de volume nas tensões geopolíticas.

Por outro lado, eu espero que a nossa relação com o planeta passe a ser menos predatória. 

O uso desnecessário de recursos, como viagens de negócios que poderiam ter seu objetivo alcançado com uma vídeo chamada, ou a presença física no ambiente de trabalho, que nitidamente se mostra dispensável para uma série de profissões, tende a diminuir. [](https://nyc.streetsblog.org/2020/04/17/breaking-council-big-dogs-de-blasio-will-create-miles-of-open-streets/) [](https://nyc.streetsblog.org/2020/04/17/breaking-council-big-dogs-de-blasio-will-create-miles-of-open-streets/)

[Mais espaços abertos](https://nyc.streetsblog.org/2020/04/17/breaking-council-big-dogs-de-blasio-will-create-miles-of-open-streets/) tendem a ser criados, [outros modais de transporte](https://www.facebook.com/7746841478/posts/10157038906536479/?vh=e&d=n), como as bicicletas, tendem a ser mais utilizados, [repensando o uso excessivo de carros](https://www.theguardian.com/world/2020/apr/21/milan-seeks-to-prevent-post-crisis-return-of-traffic-pollution). 

Mobilidade e transporte, turismo, eventos, lazer, entretenimento serão completamente redesenhados

Finalmente, aposto que as relações de consumo também serão reavaliadas. 

Economia circular, impacto ambiental, responsabilidade de fabricantes em relação a embalagens e descartes, compartilhamento de diferentes categorias de produtos, redução do direito de propriedade e adoção em massa do direito de uso e do dever de cuidar do bem comum serão repensados. 

Este é o mundo pós-Covid-19 que eu espero não apenas encontrar, e sim, ao lado de empreendedores brilhantes e de vocês, ajudar a construir.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

Saúde psicossocial é inclusão

Quando 84% dos profissionais com deficiência relatam saúde mental afetada no trabalho, a nova NR-1 chega para transformar obrigação legal em oportunidade estratégica. Inclusão real nunca foi tão urgente

Liderança
A liderança eficaz exige a superação de modelos ultrapassados e a adoção de um estilo que valorize autonomia, diversidade e tomada de decisão compartilhada. Adaptar-se a essa nova realidade é essencial para impulsionar resultados e construir equipes de alta performance.

Rubens Pimentel

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O DeepSeek, modelo de inteligência artificial desenvolvido na China, emerge como força disruptiva que desafia o domínio das big techs ocidentais, propondo uma abordagem tecnológica mais acessível, descentralizada e eficiente. Desenvolvido com uma estratégia de baixo custo e alto desempenho, o modelo representa uma revolução que transcende aspectos meramente tecnológicos, impactando dinâmicas geopolíticas e econômicas globais.

Leandro Mattos

0 min de leitura
Empreendedorismo
País do sudeste asiático lidera o ranking educacional PISA, ao passo que o Brasil despencou da 51ª para a 65ª posição entre o início deste milênio e a segunda década, apostando em currículos focados em resolução de problemas, habilidades críticas e pensamento analítico, entre outros; resultado, desde então, tem sido um brutal impacto na produtividade das empresas

Marina Proença

5 min de leitura
Empreendedorismo
A proficiência amplia oportunidades, fortalece a liderança e impulsiona carreiras, como demonstram casos reais de ascensão corporativa. Empresas visionárias que investem no desenvolvimento linguístico de seus talentos garantem vantagem competitiva, pois comunicação eficaz e domínio do inglês são fatores decisivos para inovação, negociação e liderança no cenário global.

Gilberto de Paiva Dias

9 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Com o avanço da inteligência artificial, a produção de vídeos se tornou mais acessível e personalizada, permitindo locuções humanizadas, avatares realistas e edições automatizadas. No entanto, o uso dessas tecnologias exige responsabilidade ética para evitar abusos. Equilibrando inovação e transparência, empresas podem transformar a comunicação e o aprendizado, criando experiências imersivas que inspiram e engajam.

Luiz Alexandre Castanha

4 min de leitura
Empreendedorismo
A inteligência cultural é um diferencial estratégico para líderes globais, permitindo integrar narrativas históricas e práticas locais para impulsionar inovação, colaboração e impacto sustentável.

Angelina Bejgrowicz

7 min de leitura
Empreendedorismo
A intencionalidade não é a solução para tudo, mas é o que transforma escolhas em estratégias e nos permite navegar a vida com mais clareza e propósito.

Isabela Corrêa

6 min de leitura
Liderança
Construir e consolidar um posicionamento executivo é essencial para liderar com clareza, alinhar valores e princípios à gestão e impulsionar o desenvolvimento de carreira. Um posicionamento bem definido orienta decisões, fortalece relações profissionais e contribui para um ambiente de trabalho mais ético, produtivo e sustentável.

Rubens Pimentel

4 min de leitura
Empreendedorismo
Impacto social e sustentabilidade financeira não são opostos – são aliados essenciais para transformar vidas de forma duradoura. Entender essa relação foi o que permitiu ao Aqualuz crescer e beneficiar milhares de pessoas.

Anna Luísa Beserra

5 min de leitura
ESG
Infelizmente a inclusão tem sofrido ataques nas últimas semanas. Por isso, é necessário entender que não é uma tendência, mas uma necessidade estratégica e econômica. Resistir aos retrocessos é garantir um futuro mais justo e sustentável.

Carolina Ignarra

0 min de leitura