Carreira

Remote work experience

Como tem sido a experiência dos colaboradores que passaram a trabalhar em casa 100% do tempo por conta da pandemia? Essa foi a pergunta que inspirou a realização da Remote Work Experience, pesquisa brasileira que impactou mais de 100 mil trabalhadores e está ajudando as empresas a corrigirem rotas para melhorar o dia a dia do home office

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Há quatro anos, quando o home office já era uma realidade no mundo, no Brasil a maioria das empresas ainda enxergava a proposta como uma tendência do futuro. Afinal, quem garantiria que a produtividade seria a mesma, que o horário de trabalho seria cumprido à risca e que as metas seriam atingidas? A parcela que colocava o sistema em prática tinha matriz em outros países ou estava disposta a modernizar seus processos. Mesmo assim, a flexibilização era privilégio de algumas áreas, de um pequeno número de colaboradores. Para se ter uma ideia, de acordo com o estudo Home Office Brasil 2016, realizado pela SAP Consultoria, apenas 37% das empresas pesquisadas adotavam essa prática e somente 23% haviam promovido a redução de seus espaços físicos entre 2014 e 2016. Todavia, embora pareça contraditório, 89% das companhias utilizavam a prática como estratégia para atração de colaboradores e 66% consideravam a modalidade como ferramenta para enfrentar épocas de crise econômica.

Dois anos depois, em 2018, a mesma SAP Consultoria revelava um aumento de 50% no número de empresas brasileiras que aderiram ao trabalho remoto. A tendência, que aos poucos começava a ganhar corpo no País, foi, contudo, atropelada pela crise de saúde mundial. Sem pedir licença e em uma velocidade espantosa, o novo coronavírus transformou a forma de trabalhar, levando milhares de pessoas a experimentar o home office de forma radical, muitas delas pela primeira vez. “No início da pandemia e ainda hoje os desafios das companhias são imensos, tanto na montagem das estruturas para operações remotas como no acompanhamento de seus colaboradores”, diz Isabella Botelho, cofundadora da Pin People, plataforma de gestão de experiência do colaborador, criada para atuar do recrutamento à retenção de talentos. “Muitas empresas já tinham alguma experiência nessa linha, outras, contudo, ainda estavam se preparando para lançar iniciativas-piloto, o que exigiu um esforço redobrado.”

Esse era exatamente o momento vivido pela Totvs, multinacional brasileira da área de tecnologia, que precisou mudar seu planejamento da noite para o dia. “Nós já tínhamos ciência de que o trabalho remoto era viável e um diferencial competitivo para as empresas e, por conta disso, já o adotávamos em algumas áreas”, afirma Izabel Branco, vice-presidente de relações humanas da Totvs. “Estávamos com um programa-piloto desenhado para colocar 300 pessoas trabalhando nesse modelo. Mas, com o início da quarentena, o que seria posto em prática para 300 colaboradores acabou sendo adotado para 7 mil.” Além da logística para garantir uma boa operação remota, envolvendo desde a entrega de notebooks aos funcionários que não tinham até a liberação de acesso à rede VPN (rede de comunicação privada), a empresa determinou que cada gestor adotasse a própria dinâmica para acompanhar a performance do time, intensificou a frequência de conversas com os demais líderes para manter a comunicação constante e promoveu treinamentos online por meio da Universidade Totvs. 

Essa realidade, porém, não era exclusiva da Totvs. Pelo contrário, era comum empresas dos mais variados tamanhos, mais ou menos preparadas, dispostas ou não a testar o modelo de operação. Determinada a colaborar com as empresas no acompanhamento da experiência dos colaboradores em trabalho remoto, a Pin People desenvolveu a pesquisa Remote Work Experience (RWXP). Contando com a participação de 59 companhias, a maioria de grande porte, a pesquisa foi dividida em duas partes. A primeira quantitativa, com uma pergunta de NPS – em uma escala de 0 a 10, qual a probabilidade de você recomendar o formato de trabalho remoto da sua empresa para outros colaboradores? – e outras nove afirmações para serem respondidas na escala Likert (nível 1 a 5 de concordância). Como todas as questões possuíam espaço para comentários abertos, a segunda parte da pesquisa foi pautada na análise desse conteúdo escrito pelos colaboradores. Entre os temas abordados pelas questões comuns a todos estavam: conforto com a rotina, disponibilidade e suporte do gestor, acesso a ferramentas e sistemas, nível de produtividade da equipe, respeito aos horários de trabalho e saúde emocional. 

“No total foram impactados 100 mil colaboradores, que geraram 397.675 respostas e 97.644 comentários, entre 25 de março e 20 de abril, data da compilação dos primeiros resultados”, revela a cofundadora da Pin People. Segundo ela, embora apresente nove questões fixas e comuns a todas as empresas, cada companhia teve a liberdade de personalizar o próprio questionário dentro da plataforma, ampliando o número de perguntas. No total, foram contabilizadas 79 diferentes questões. Os dados referem-se a colaboradores distribuídos por 14 países: Brasil, México, Colômbia, Argentina, Estados Unidos, Costa Rica, Equador, Guatemala, Peru, Bolívia, Uruguai, Chile, El Salvador e França.

A Totvs foi uma das primeiras companhias a adotar o questionário. “A pesquisa foi aplicada para entendermos com maior exatidão como as pessoas estavam vivendo o momento e como poderíamos agir em pontos de melhoria”, revela Branco. “Os resultados confirmaram nossa percepção inicial de que o trabalho remoto era bem-aceito e nos sinalizou que esse modelo deve continuar, em algum grau, após a reabertura dos escritórios.” De acordo com a executiva, assim que tomou conhecimento dos primeiros resultados, a empresa reforçou os treinamentos, sobretudo aqueles referentes às boas práticas de trabalho remoto, além de coordenar a agenda para respeitar os horários de descanso de cada um, colaboradores e líderes. 

O respeito ao horário de trabalho foi um dos pontos que mais chamou a atenção da Pin People na análise dos dados da RWXP. “Cerca de 24% dos líderes avaliaram que estavam trabalhando mais remotamente do que se estivessem dentro da companhia”, ressalta Botelho. Os dados refletem os mesmos resultados aferidos pela empresa NordVPN, que rastreia quando os usuários se conectam e se desconectam dos servidores. De acordo com a empresa, nos Estados Unidos, um mês e meio depois do início da pandemia, as pessoas estão estressadas e trabalhando três horas a mais por dia do que antes. Na França, na Espanha e no Reino Unido o dia de trabalho tem aumentado em duas horas, enquanto na Itália não houve mudanças. 

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**O FUTURO DO HOME OFFICE**

A pesquisa aplicada pela Pin People confirmou o que os especialistas já apontavam como tendência: o trabalho remoto veio para ficar – 77% dos colaboradores e 73% dos líderes avaliam de forma positiva a atuação em home office. Já o resultado geral do NPS ficou em 61, uma nota muito boa para o padrão da metodologia (a escala vai de -100 a 100). O percentual de pessoas que não indicariam o modelo de trabalho home office adotado por suas empresas, os chamados “detratores”,  ficou em apenas 7%. “Ainda nos perguntamos como esse modelo vai funcionar pós-pandemia”, diz Botelho. “Mas temos a certeza de que não será abandonado, pelo contrário, empresas que antes tinham dúvidas confirmaram com resultados concretos que funciona, que há engajamento e em alguns casos até melhora da produtividade.”

De acordo com o Global Study Engagement, realizado pelo ADP Research Institute, divulgado pelo Valor Investe, 29% dos profissionais que trabalham remotamente são engajados, contra 18% dos que trabalham tempo integral no escritório. Dados do The Annual/WG Global Workspace Survey, que entrevistou 15 mil pessoas, em 100 países, revelam, por sua vez, que em 65% dos negócios o trabalho flexível ajudou a diminuir gastos fixos, a lidar melhor com os riscos e a melhorar o portfólio. Ainda segundo o estudo, 85% dos participantes responderam que a flexibilidade ajudou a empresa a ser mais produtiva. 

Há mais de cinco anos, a Alelo, empresa de benefícios em cartões e soluções, mantém 350 profissionais do time comercial operando de forma remota, de maneira bem estruturada com reembolso para preparação do escritório em casa, verba para água, luz e internet. Há pouco mais de um ano, o restante da empresa já praticava o home office uma vez por semana e, em 2020, a proposta era passar essa prática para duas vezes na semana. Mesmo com alto grau de simpatia pelo modelo, a direção sequer cogitou deixar os 800 funcionários em home office em tempo integral.

“Nem eu que sou a maior defensora do trabalho remoto cheguei a pensar em manter 100% da equipe em casa”, revela Soraya Bahde, diretora de gente e transformação da Alelo. A executiva revela que a empresa havia dado os primeiros passos para a ampliação da adoção do que denominaram de anywhere office (escritório em qualquer lugar). Todos receberam celulares corporativos e aqueles que não tinham notebook, apenas desktop, tiveram seus equipamentos trocados. Paralelamente, a empresa trabalhou bastante a comunicação de temas como responsabilidade e produtividade. “Tudo isso facilitou a aceleração do processo por conta da Covid-19”, afirma Bahde. “Logo no início fizemos questão de aplicar a pesquisa RWXP aos 800 colaboradores; destes, 670 responderam, o que nos ajudou a mapear o cenário e corrigir a rota de forma rápida.”

O mapeamento das respostas, segundo Bahde, sinalizou alguns pontos que mereciam atenção: melhoria do acesso à rede VPN, que não estava preparada para receber tanta demanda, e a preocupação com o excesso de trabalho, já que a crise gerou uma sobrecarga para muitos. “Porém, o que mais nos preocupou foi o tópico referente à saúde mental dos colaboradores, com sinais de angústia, solidão, preocupação de perda do emprego por parte dos parentes, morte de entes queridos que não puderam ser velados”, conta a executiva. “Assim que tomamos conhecimento, começamos a colocar em prática uma série de iniciativas, como lives com psicólogos, abertura de um chat anônimo para as pessoas falarem sobre o que lhes tira o sono, concentramos a comunicação em um único canal, além de criar grupos de afinidade e promover às sextas-feiras um happy hour virtual com um dos colaboradores que é DJ.”

Segundo Botelho, da Pin People, o tópico saúde mental dos colaboradores foi destaque nos resultados das 59 empresas participantes, com preocupação mais evidente das mulheres – 33% declararam não estar bem emocionalmente, 11% a mais do que o percentual de homens. “A saúde mental e o nível de produtividade das equipes são os principais fatores a serem analisados pelas organizações por terem favorabilidade direta mais baixa em relação aos demais itens”, afirma Botelho. “Na outra ponta, a clareza com os processos de trabalho e o nível de comprometimento do gestor ou da empresa foram os mais bem avaliados.” A pesquisa revelou, ainda, que as dificuldades de comunicação e acesso remoto são os principais pontos de crítica e frustração na análise de comentários abertos, os quais foram depurados com a ajuda de inteligência artificial. Também ficou claro que a capacidade de lidar com os filhos no mesmo ambiente de trabalho, além das expectativas com o futuro e a mudança nos meios de comunicação com as equipes são os pontos de maior ansiedade.

Para Ana Julia Novaes, Gerente de experiência do colaborador da Natura, a prática do home office está diretamente ligada ao futuro do trabalho e como as empresas devem lidar com a nova geração que nasceu vendo o trabalho de outra maneira. “Como política já era algo praticado e incentivado na companhia há muito tempo, em algumas áreas em maior volume”, afirma. “A crise de saúde mundial nos ajudou a acelerar esse processo e a pensar como será o futuro e o novo mundo que vamos viver pós-distanciamento social.” 

A opção pela aplicação da pesquisa para os mais de 7 mil colaboradores da Natura no Brasil e no exterior, segundo a gerente, visou avaliar o comportamento das equipes neste momento, que é único. “Estamos trabalhando com um time multidisciplinar para atuar nos pontos de dor identificados”, ressalta. “Como resultado, implementamos soluções de mindfullness e yoga online, além de lives sobre os temas que estão mais latentes, como família, mães e pais em distanciamento social e produtividade no trabalho.”

De acordo com a Pin People, boa parte das empresas que integraram a primeira fase de aplicação da pesquisa RWXP tem interesse em repetir o questionário em um curto intervalo de tempo. O objetivo é medir se as iniciativas tomadas para correção da rota surtiram efeito e realmente contribuíram para melhorar a vida dos colaboradores no trabalho remoto. Uma coisa, entretanto, ficou clara: a pesquisa ajudou a quebrar o paradigma da baixa produtividade em home office e mudou a visão que muitos executivos tinham sobre jornadas flexíveis. “Temos agora uma nova visão sobre trabalho remoto e pretendemos adotá-lo futuramente de forma mais ampla e oficial na empresa”, afirma a vice-presidente de relações humanas da Totvs.

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