Saúde Mental

RHs à beira de um ataque de nervos

O mundo corporativo segue com rotinas massacrantes, colaboradores adoecendo mentalmente cada vez mais e profissionais de RH sobrecarregados. Mas, para transformar essa cultura organizacional, a mudança deve começar nos recursos humanos
Jacqueline Resch é psicóloga pela PUC-Rio, especialista em psicologia clínica pelo IPUB/UFRJ, MBA COPPEAD. Certificada nas práticas de colaboração e diálogo pelo Taos Institute e pós-graduada em perspectiva e prática profissional generativa, diálogos generativos pela Universidad de Manizales, Colômbia. Pedro Martins é psicólogo pela Universidade Federal de Uberlândia, mestre e doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo. Membro associado do Taos Institute. Autor dos livros *Practicing therapy as social construction* (com Sheila McNamee e Emerson Rasera, 2023) e *A comunicação dialógica na prática das reuniões familiares em saúde mental* (com Carla Guanaes-Lorenzi, 2023).

Compartilhar:

Os profissionais de RH estão esgotados, e esta não é uma opinião. São dados da pesquisa da Flash People, divulgada no final de junho, que revelam que 90% dos profissionais da área se sentem sobrecarregados e 59% declaram níveis elevados de pressão.

Apesar de recentes, os dados não trazem exatamente uma novidade. Os números tornam público e explicitam o que já ouvíamos nos bastidores.

O mundo corporativo está cada vez mais difícil de digerir. Ainda que falemos na era da confiança e da colaboração, o que continuamos a ver são rotinas massacrantes, metas impossíveis e relações empobrecidas. A bandeira do comando e controle ainda tremula em grande parte das organizações.

Como consequência, o Brasil carrega o segundo lugar no pódio do burnout, com aproximadamente 30% da população com a síndrome, segundo um levantamento da ISMA (International Stress Management Association) divulgado em 2019. Este é um troféu que ninguém quer levar para casa. Perdemos somente para o Japão, que tem 70% da população atingida pela doença.

Fazendo coro com Alcione quando interpreta o samba Sinuca de Bico de Serginho Meriti, Claudemir e Neguinho: “a corda puiu, a água da fonte secou e a bomba explodiu”.

Enquanto os RHs estão à beira de um ataque de nervos, surgem em cena os diretores de saúde mental e os diretores de felicidade. Os títulos são atraentes, mas haverá esperança de alguma transformação? E quanto aos próprios RHs, profissionais supostamente responsáveis pelo papel de liderar a transformação cultural, o que aconteceu a eles?

Na pandemia, um de nossos clientes resolveu oferecer um espaço de cuidado à sua equipe de gestores de RH, que vinha trabalhado muito em apoio às demais áreas da empresa. A ideia é que o grupo também pudesse ter um espaço para conversar sobre suas próprias questões.
Logo de início, constatamos que também se repetia ali um comportamento muito comum em outros grupos: pessoas que precisavam sair mais cedo ou que chegariam mais tarde, por conta de outras reuniões que aconteciam ao mesmo tempo.

Os participantes trocaram experiências sobre como estavam vivendo a pandemia e como estavam lidando com as situações difíceis colocadas pelo então novo cenário. Logo ficou claro que todos estavam assoberbados de trabalho. Dentre quase 20 pessoas, apenas uma participante disse que estabelecia limites claros, dizendo à sua equipe que respeitasse o horário de almoço e de término do dia de trabalho. Para os demais, o medo de serem percebidos como desengajados, incompetentes e pouco profissionais fazia com que exigissem de si mesmos estar em mais de um lugar ao mesmo tempo e se sobrecarregarem em seu cotidiano. Além disso, as demandas sempre crescentes e questões contextuais compartilhadas por uma sociedade em constante aceleração e aumento desenfreado de demandas também participavam desse ritmo adoecedor de trabalho.

A partir daí, entabulamos uma conversa muito relevante: como cuidar do bem estar e saúde mental na organização, quando não podemos cuidar de nossa? Como ser um agente de mudança, quando estamos imersos na mesma cultura?

Em outra ocasião, trabalhávamos com um grupo de 50 gestores de uma empresa, com o objetivo de promovermos espaços de diálogo, nos quais as diferentes opiniões pudessem ser ouvidas e consideradas, de modo que essa diversidade se tornasse fonte de riqueza e não de conflitos, como vinha acontecendo. O trabalho consistiu em construir contextos férteis para que as pessoas pudessem viver momentos de diálogo, conversando de forma diferente e sustentando a tensão das diferenças.

Para a finalização do processo, buscamos formatar um evento, no qual participariam todos os gestores, que até então vinham trabalhando em grupos menores. Nossa ideia era compartilhar o que havia acontecido em cada grupo, seguindo a lógica de ampliar os diálogos na organização. Para nossa surpresa, naquele momento, uma das profissionais de RH sugeriu: “Não seria melhor elaborar um relatório e enviar para todos previamente para ganharmos tempo?”.

Mas a pergunta que se colocou foi: “Se as pessoas precisavam reaprender a dialogar, em nome do que substituir uma conversa por um relatório? Estaríamos a ganhar tempo para quê? Estaríamos a subtrair tempo do quê?”. O RH precisa promover saúde mental, mas está, ele mesmo, adoecido. Quer promover diálogo, mas está pressionado, sem tempo para dialogar.

Estarão os RHs em uma sinuca de bico?

Toda transformação significativa envolve riscos e requer coragem. O papel do RH como agente de mudança inclui apontar as contradições e apoiar a travessia entre o onde se está e o onde se quer chegar. Mas ninguém dá o que não recebe.

Se o RH pretende transformar uma cultura na qual está imerso, talvez seja hora de também ter espaços onde possa olhar para si para começar a perceber quais são os efeitos desta imersão e como é possível ir além dela.

O trabalho sempre começa dentro de casa.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Empreendedorismo
Alinhando estratégia, cultura organizacional e gestão da demanda, a indústria farmacêutica pode superar desafios macroeconômicos e garantir crescimento sustentável.

Ricardo Borgatti

5 min de leitura
Empreendedorismo
A Geração Z não está apenas entrando no mercado de trabalho — está reescrevendo suas regras. Entre o choque de valores com lideranças tradicionais, a crise da saúde mental e a busca por propósito, as empresas enfrentam um desafio inédito: adaptar-se ou tornar-se irrelevantes.

Átila Persici

8 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A matemática, a gramática e a lógica sempre foram fundamentais para o desenvolvimento humano. Agora, diante da ascensão da IA, elas se tornam ainda mais cruciais—não apenas para criar a tecnologia, mas para compreendê-la, usá-la e garantir que ela impulsione a sociedade de forma equitativa.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
ESG
Compreenda como a parceria entre Livelo e Specialisterne está transformando o ambiente corporativo pela inovação e inclusão

Marcelo Vitoriano

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O anúncio do Majorana 1, chip da Microsoft que promete resolver um dos maiores desafios do setor – a estabilidade dos qubits –, pode marcar o início de uma nova era. Se bem-sucedido, esse avanço pode destravar aplicações transformadoras em segurança digital, descoberta de medicamentos e otimização industrial. Mas será que estamos realmente próximos da disrupção ou a computação quântica seguirá sendo uma promessa distante?

Leandro Mattos

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Entenda como a ReRe, ao investigar dados sobre resíduos sólidos e circularidade, enfrenta obstáculos diários no uso sustentável de IA, por isso está apostando em abordagens contraintuitivas e na validação rigorosa de hipóteses. A Inteligência Artificial promete transformar setores inteiros, mas sua aplicação em países em desenvolvimento enfrenta desafios estruturais profundos.

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
Liderança
As tendências de liderança para 2025 exigem adaptação, inovação e um olhar humano. Em um cenário de transformação acelerada, líderes precisam equilibrar tecnologia e pessoas, promovendo colaboração, inclusão e resiliência para construir o futuro.

Maria Augusta Orofino

4 min de leitura
Finanças
Programas como Finep, Embrapii e a Plataforma Inovação para a Indústria demonstram como a captação de recursos não apenas viabiliza projetos, mas também estimula a colaboração interinstitucional, reduz riscos e fortalece o ecossistema de inovação. Esse modelo de cocriação, aliado ao suporte financeiro, acelera a transformação de ideias em soluções aplicáveis, promovendo um mercado mais dinâmico e competitivo.

Eline Casasola

4 min de leitura
Empreendedorismo
No mundo corporativo, insistir em abordagens tradicionais pode ser como buscar manualmente uma agulha no palheiro — ineficiente e lento. Mas e se, em vez de procurar, queimássemos o palheiro? Empresas como Slack e IBM mostraram que inovação exige romper com estruturas ultrapassadas e abraçar mudanças radicais.

Lilian Cruz

5 min de leitura
ESG
Conheça as 8 habilidades necessárias para que o profissional sênior esteja em consonância com o conceito de trabalhabilidade

Cris Sabbag

6 min de leitura