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Educação que transforma vidas – Parte 2

Ela foi reconhecida como uma das 10 melhores professoras do mundo. Conheça Debora Garofalo, a brasileira que ensina robótica com sucatas.

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#### Afinal, quem é Debora Garofalo? 

Pois é, acho que eu nunca parei para pensar nisso. Mas a Debora é uma pessoa que acredita muito na educação, em um trabalho que vai além. É uma pessoa que luta para que realmente nós tenhamos uma educação de qualidade no nosso país. 

#### Você sempre quis lecionar? Como você foi parar na profissão?

Eu sempre quis ser professora, desde a infância. Durante muito tempo eu carreguei uma lousinha para cima e para baixo, que eu usava para ensinar os meus colegas tanto da sala como da rua. Eu cresci e a vontade permaneceu. Primeiro eu me formei no magistério, que é uma formação inicial de professores aqui da cidade de São Paulo, e depois eu ingressei na faculdade de letras, com especialização em língua portuguesa. Depois fiz faculdade de pedagogia, e por último um mestrado em linguística aplicada. 

#### E como começou de fato a sua carreira em sala de aula? 

Foi na época do magistério. Por se tratar de um ensino técnico, eu estudava no período da manhã e no período da tarde fazia estágio numa escola pública. Fiz isso por quatro anos. Quando eu me formei, comecei um período de transição para entrar em uma universidade pública, cheguei a passar para a segunda fase mas, por dois pontos, não fui aprovada. Acabei entrando em uma faculdade particular e, nessa mesma época, eu tive uma primeira vivência na educação infantil. Infelizmente precisei largar a escola porque o meu salário não dava pra pagar o curso e ajudar em casa. E então eu fui seguir carreira em empresas, o que foi ótimo, porque a professora que eu me tornei, sem dúvidas, foi também formada por essa experiência no mundo corporativo. 

#### Como foi largar a sala de aula para ingressar em um outro universo? 

Romper com a escola foi muito doloroso. Eu dava aula para a última etapa da educação infantil, então já lidava com essa questão da alfabetização. E aí mudei totalmente, trabalhando com altos executivos em um banco alemão de investimentos. Comecei como estagiária e, em menos de um ano, fui efetivada. Depois mudei pra uma indústria, que foi outro choque, porque eram realidades muito diferentes. Como eu trabalhava com benefícios, dentro do RH tive a oportunidade de fazer coisas diferentes. Fechava parcerias, organizava concurso de desenho para os filhos dos colaboradores, promovia pequenos eventos. E todo mundo ficava encantado com esse jeito mais “acolhedor”, que eu sempre creditei à experiência obtida em sala de aula. 

#### Quando foi que você pensou “Legal, gostei da experiência, mas agora quero ficar 100% em sala de aula?”

Foi em 2009. Eu já tinha quase 10 anos de indústria quando pedi demissão, e meu chefe ficou chocado. Ele demonstrou preocupação e disse que eu não conseguiria sobreviver só com o salário de professora, e que a evolução da minha carreira ficaria muito prejudicada. Mas eu realmente queria me dedicar somente aos alunos, e acabou que deu tudo certo. 

#### E a oportunidade de lecionar tecnologia, como surgiu?

A disciplina foi apresentada em 2015. Eu levantei a mão e disse que gostaria de tentar. A minha experiência na indústria me encorajou, mas no começo todo mundo achava estranho. Diziam que eu era boa ensinando língua portuguesa e que a tecnologia era algo muito diferente. Só que a minha vontade de transformar a vida daqueles meninos era tão grande, que eu estava disposta a aprender e a apostar em um outro tema que tivesse este potencial transformador. Então, no começo foi tudo muito intuitivo. Elaborei uma proposta de ensino, que acabou sendo aprovada no conselho, mas eu não sabia efetivamente como fazer. E aí eu decidi ouvir os alunos, e acredito que foi uma decisão muito acertada. Um dos principais problemas relatados por eles era a questão do lixo. Muitos, inclusive, acabavam não indo pra escola em períodos de chuva por causa de enchentes e doenças causadas por elas. E eu pensei que de nada adiantaria eu ensinar tecnologia, na tentativa de oferecer uma perspectiva de futuro, se eu não olhasse para um problema tão básico como este de saneamento. E foi assim que surgiu a ideia de ensinar robótica com sucata e unir todas estas questões em uma única solução. 

#### Como foi o seu processo de aprendizado? Você precisou fazer algum curso específico? 

Precisei ser autodidata. No começo, eu procurei referências na internet para ver o que eu encontrava – não tinha muito naquela época. Então eu comecei a perguntar para um, perguntar para outro, conversar com a diretoria de ensino em que eu estava alocada, busquei referências de outros professores, mas era um processo muito longo para todo mundo. E aí, então, eu comecei a construir algumas coisas, partindo para a ação mesmo. Foi assim que surgiu um primeiro protótipo, um carrinho movido a balão de ar que funcionava segundo a 3ª Lei de Newton. Em sala de aula, quando eu dei o impulso e o carrinho andou, as crianças ficaram absolutamente encantadas. Para quem nunca teve muito, imagina o impacto da descoberta de que era possível construir algo com as próprias mãos? A partir daí foi um trabalho muito coletivo, porque desde o primeiro momento eu falei para eles que também não sabia, mas que aprenderíamos juntos. E foi assim, de pouquinho em pouquinho, que passei a entender realmente de programação e de robótica.

#### E você notou diferença no comportamento das crianças? Como foi percebido este impacto? 

Essas diferenças foram notadas logo no início, porque eles relatavam que não tinham capacidade de aprender robótica, que robótica era coisa para escola particular, que não ia dar certo, etc. Mas a medida que eles foram se interessando pelo trabalho e se sentindo pertencentes e seguros, eles mudaram a forma de ver as coisas. Então esse carrinho foi um marco para as crianças, e durante muito tempo eles falaram desse primeiro projeto. Foi tão significativo que um foi contando para o outro, que foi contando para o outro…chegou uma hora que a minha vida virou um caos, porque eu tive que reproduzir a atividade com todas as turmas. Eles passaram a se interessar mais pela escola e, mesmo as crianças com problema de comportamento, mostraram uma significativa melhora.

#### Como o Global Teacher Prize, considerado o “nobel da educação”, apareceu em sua vida?  

O trabalho de robótica com sucata nasceu em 2015 e eu permaneci três anos e meio à frente do projeto. Em 2016, ele começou a ficar conhecido aqui no Brasil como algo pioneiro. Até porque, para ensinar robótica era preciso um kit específico, e não existia ninguém usando sucata. Em 2017 nós ganhamos o nosso primeiro reconhecimento, que foi um prêmio em direitos humanos. Depois disso, outros vieram: prêmio pela Associação Comercial do Estado de São Paulo, finalista do Prêmio Claudia, medalha da cidade de São Paulo, prêmios da prefeitura, entre outros. Foi então que decidimos mensurar o impacto do nosso trabalho e alguns dados nos surpreenderam: reduzimos a evasão escolar em 93% e retiramos das ruas de São Paulo mais de uma tonelada de lixo, que foi transformada em protótipos. Quando o projeto chegou nesse auge, eu decidi inscreve-lo no Global Teacher Prize, sem muita expectativa. Tanto é que fiz a inscrição no último dia, quase no limite do horário permitido. Passado um tempo eu recebi um e-mail me pedindo uma carta de recomendação da diretora atestando o trabalho, e um questionário adicional. Passado mais um tempo, a organização do prêmio marcou um papo comigo por vídeochamada para levantar mais informações. Para a minha surpresa, depois de uns dias recebi um e-mail informando que eu já estava entre as melhores professoras e que os dez finalistas seriam anunciados em breve. E assim aconteceu. O Brasil estava na final e o trabalho era um dos melhores do mundo. 

#### Qual o significado desta premiação pra você?

Foi tudo muito inacreditável, eu só conseguia pensar nas crianças e no quanto isso serviria de exemplo para elas, que no começo não se achavam capazes. E foi muito significativo pra mim também, porque o Brasil já tinha estado nessa final com homens, mas não com mulheres. Depois, por haver muito preconceito com a mulher que mexe com tecnologia. Então é um grande orgulho poder servir de voz, apesar do momento tão conturbado da nossa educação. Quando a gente concorre a uma premiação dessa, a gente não fica igual. A nossa sede de mudar se torna muito maior. 

#### E a sua carreira, mudou? 

Mudou tudo. Eu recebi um convite do Secretário Estadual de Educação para assumir uma posição na Secretaria Estadual de Educação e ser responsável por implementar o trabalho de tecnologia para dois milhões de alunos. E minha agenda mudou bastante também. Tenho ido a muitos eventos e conversado com professores em todo Brasil, levando a nossa história como exemplo para que todos vejam que é possível. Mudou também a minha vontade de querer fazer algo a mais pela educação e deixar um legado muito maior para as crianças. E acho que o nosso trabalho tem essa marca de quebra paradigmas, por ser absolutamente viável e de baixo custo. Depois de 14 anos eu deixei a sala de aula, mas agora ganhei a oportunidade de trabalhar com políticas que têm potencial de impactar milhões de alunos. Isso é realmente incrível.

#### Como a nossa seção chama Role Model, qual modelo que você acredita ser para essas crianças?

Quer pergunta difícil. Eu vou te falar um pouco pelo que eu ouvi eles falando. Eu sempre acreditei muito neles. Por algum momento, talvez eu tenha sido a única que tenha acredito no potencial dessas crianças. Então, acho que é esse o exemplo que eu deixo: de crença nos alunos, nas crianças e na educação. 

#### E você tem um role model? Tem alguém em quem você se inspira?

Eu tenho várias pessoas, mas uma que eu posso te falar de coração e que me faz muita falta é a minha mãe, que não está mais aqui. Infelizmente ela não me viu sendo uma das dez melhores professoras do mundo, mas eu acho que ela sentiria muito orgulho. E ela sempre falava pra gente nunca desistir. Em muitos momentos eu quis desistir e essa fala dela vinha muito forte na minha cabeça. E isso fez toda a diferença.

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