Sandra Nalli é uma cidadã brasileira que teve a felicidade de confirmar a verdade acima. Ela começou a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, como menor aprendiz em uma empresa de setor automobilístico. Rapidamente foi efetivada e passou a vendedora de peças. Aos 21, já era chefe de oficina, uma mulher num “cargo de homem”. Enfrentou preconceito, de clientes, colegas e subordinados, mas, aos 23, virou gerente de um centro automotivo.
Em 2011, Nalli percebeu que havia escassez de mão de obra em sua empresa. Como dava aulas para jovens da Fundação Casa, teve a ideia de passar treinamentos teóricos de mecânica a seus alunos, capacitando-os para uma profissão quando saíssem. Gostaria mesmo de lhes dar aulas práticas. Pediu a um amigo que grafitasse na parede de sua casa “Escola do Mecânico”.
Em pouco tempo, as pessoas que passavam na frente queriam saber quanto custaria o curso e Nalli percebeu: era possível transformar seu trabalho social em um negócio. Ela foi aprender. Fez um curso no Sebrae e escreveu seu primeiro plano de negócios, no qual descobriu seu primeiro problema: não tinha o caixa inicial. Vendeu o carro, pediu empréstimos para familiares, investiu em equipamentos e foi em frente. Alugou um estacionamento e começou o curso com oito alunos.
Hoje, a Escola do Mecânico possui um centro de capacitação tecnológica com capacidade para 900 alunos, três escolas próprias e 18 franqueadas. E tem a meta de impactar, em 2019, 30 mil alunos em 50 unidades (escolas de terceiros) em municípios do Brasil. Isso tudo aconteceu sem ajuda. Não só houve falta de recursos e excesso de tributação; as instituições financeiras e a própria indústria automotiva não ajudaram. “Aprendi que, para empreender no Brasil, é preciso ter, em primeiro lugar, firmeza de propósito. O empresário precisa querer muito trabalhar naquilo; precisa ser sua vida.”
Além do desafio do empreendedorismo, existe também o desafio moral, segundo Nalli. “Chega uma hora que você percebe que é possível ganhar dinheiro com seu empreendimento. É aí que é preciso ter outra firmeza – a do objetivo social. Por exemplo, isso significa recusar propostas de franqueados que não compartilham os nossos valores.” Esse tipo de atitude pode gerar um retorno menor, mas a poupa de gerenciar conflitos de interesses.
**ELA SELECIONA OS FRANQUEADOS**
A Escola do Mecânico é um negócio com propósito explicitado: “Gerar emprego e renda e transformar a vida das pessoas através de um curso de mecânica com preço acessível”. Em cima dessa ideia, foi construído o curso inicial e, depois, uma plataforma online e um sistema de franquias – este, desde 2015. Para ser franqueado, o interessado precisa passar por uma avaliação rigorosa e várias entrevistas, onde a palavra final é da própria Nalli. Ele tem de concordar, entre outras coisas, em ter parte de suas vagas direcionadas a alunos carentes em regime de bolsas e de abastecer a plataforma com vagas de emprego no mercado.
E o futuro? Com a crise do setor automobilístico, a maior crise de seus cento e poucos anos de história, afeta a existência de uma empresa que depende dele? “Atuamos no setor de reparação de automóveis e essas mudanças em prol de um uso mais consciente de carros devem, pelo menos em um primeiro momento, nos favorecer. Se as vendas de carros novos começa a cair, o conserto de usados deve aumentar.” Nalli também encara as novas tecnologias, como a do veículo autônomo, como uma ótima oportunidade para a Escola de Mecânico crescer. “Já estamos nos preparando para capacitar um novo profissional.”