Uncategorized

Saúde corporativa: benefício ou estratégia?

O ano de 2020 provou – da forma mais dura – que sem saúde não vamos a lugar nenhum
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Costumou-se chamar o plano de saúde – e todos os possíveis serviços inclusos no guarda-chuva da qualidade de vida – de benefício, uma espécie de extra, algo a mais, um supérfluo bem vindo que as empresas costumam oferecer aos seus colaboradores. Não à toa eles fazem parte do pacote de remuneração – a parte que você irá receber entre dinheiro e “extras” em troca do seu trabalho. Quem oferece mais extras no pacotão – o auxílio creche ou babá, massoterapeuta, psicólogo, auxílio financeiro – acaba se destacando no cenário corporativo. Muitas vezes, ao trocar de emprego, você avalia o tamanho desse pacote e faz contas para certificar se o dote é digno de assumir o compromisso. 

O ano de 2020 coloca agora mais esse velho conceito corporativo em xeque: será mesmo que o cuidado com a saúde deveria estar associado ao extra, ao benefício? Sem saúde (física e mental) ficou mais do que comprovado que o profissional não se move. E se o profissional não se move, tampouco a empresa se move. A equação, portanto, é lógica: **ou eu coloco a saúde como pauta estratégica da minha empresa ou todos adoecem – colaboradores e negócios. **

Colocar na pauta estratégica significa ir muito além do pacote de remuneração. Significa ter a saúde como parte da cultura da empresa e servir como princípio e norte para as tomadas de decisões. Significa começar a fazer perguntas sobre pessoas e não somente sobre números. Significa olhar mais para o COMO as coisas são feitas para chegar ao resultado do que apenas no QUÊ estão fazendo para alcançar as metas. Significa entender que nas novas relações de trabalho as vidas se misturaram e precisamos saber quem são as pessoas que nos rodeiam, como vivem, com quem vivem, o que gostam de fazer. Ter esse entendimento do todo nos permite estabelecer as melhores relações com cada um do time. E nutrir boas relações é o primeiro passo para fomentar um ambiente saudável e, consequentemente, times saudáveis. 

Trata-se, portanto, de **tirar a saúde da caixinha do RH e espalhá-la para toda a organização**. Esse não é um exercício simples. Até mesmo para as melhores empresas para trabalhar do país, reconhecidas pelo conjunto de práticas mais sofisticadas no cuidado às pessoas e por promoverem uma gestão mais humanizada, a pandemia mostrou o quão frágeis podemos nos tornar se esse tema não for levado a sério. O que assistimos nestes últimos meses foi uma corrida intensa de gestores atrás de práticas, ferramentas e serviços que dessem conta de lidar com questões de saúde física e mental da melhor forma possível. 

No banco de práticas do Great Place to Work, por exemplo, que coleta as políticas e iniciativas das empresas que participam dos nossos processos de certificação e rankings, no final de novembro havia 1050 práticas referentes apenas ao tema saúde mental. Pelos nossos registros, até março havia pouquíssimas referências a esse assunto. Essa evolução é muito bem-vinda. Importante, porém, é que ela são seja apenas uma “questão pontual” impulsionada pelo momento que vivemos, mas sim um marco para a mudança de mentalidade, comportamento e atitude nas empresas.

## Trabalhamos muito ou trabalhamos mal?

O novo modelo de trabalho exige flexibilidade, autonomia, confiança e adaptabilidade. De nada adianta, porém, termos times flexíveis, trabalhando de forma independente, mas exaustos ao final do dia e dando claros sinais de fadiga física e mental. Trabalhar muitas horas como muitos têm relatado nesse período não significa trabalhar bem. Na verdade, é o contrário. 

O problema é que fomos educados a trabalhar num modelo que está ficando para trás. Aquele modelo de bater o cartão para entrar e sair da empresa, ter uma hora de almoço, desligar o computador às sextas-feiras e só ligá-lo na segunda pela manhã e tirar férias de 30 dias. Lembram? Ele ditava a regra da separação clássica entre vida pessoal e profissional, e a gestão de pessoas foi toda pautada em estabelecer o melhor equilíbrio para essas duas versões. Acontece que agora juntamos tudo e o desafio é criar uma nova gestão de pessoas pautada nesse novo conceito – o que estamos aprendendo a fazer ainda. Enxergar a vida como uma coisa só (e, portanto, o profissional como uma pessoa só) é o primeiro passo para estabelecer uma nova “cartilha” do trabalho. Nessa nova cartilha a saúde é o pilar fundamental. 

É impossível criar um novo plano de trabalho, sem conhecer profundamente sua população e como cada um tende a reagir às mudanças. Não se trata apenas de pensar se a *“função permite trabalhar assim ou assado”* mas se a *“pessoa dará o seu melhor trabalhando assim ou assado”.* De março para cá discutimos inúmeras vezes como será o retorno aos escritórios. Voltaremos? Se sim, num modelo 100% presencial? Híbrido? Como será o futuro dos escritórios? Será que antes de desenharmos a estratégia adequada de retorno, ouvimos os principais interessados? Perguntamos para os funcionários o que eles pensam sobre isso, como eles se imaginam trabalhando daqui para a frente, o que seria mais adequado, confortável para eles? Afinal, o modelo ideal para o José pode não ser o ideal para a Maria. **Desconfio que nem todas as empresas estão ouvindo seu público, mas certamente todas estão fazendo contas.**

Profissionais estão adoecendo por não saberem quando parar, por não entenderem a hora de colocar os limites, por se sentirem conectados o tempo todo e ainda assim, muitas vezes, tendo a sensação de não dar conta. **Sem uma política adequada aos novos tempos de trabalho, a tão desejada e louvada flexibilidade corre o risco de se tonar vilã. **

Cabe, portanto, aos líderes desenharem novos modelos de trabalho que se adequem aos novos tempos, a sua cultura, ao seu orçamento, mas principalmente ao estado físico e emocional de seu time. A base da nova gestão de pessoas passa por colocar a saúde em primeiro lugar. O ano de 2020 provou – da forma mais dura – que sem saúde não vamos a lugar nenhum.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

Saúde psicossocial é inclusão

Quando 84% dos profissionais com deficiência relatam saúde mental afetada no trabalho, a nova NR-1 chega para transformar obrigação legal em oportunidade estratégica. Inclusão real nunca foi tão urgente

Inovação
O SXSW 2025 transformou Austin em um laboratório de mobilidade, unindo debates, testes e experiências práticas com veículos autônomos, eVTOLs e micromobilidade, mostrando que o futuro do transporte é imersivo, elétrico e cada vez mais integrado à tecnologia.

Renate Fuchs

4 min de leitura
ESG
Em um mundo de conhecimento volátil, os extreme learners surgem como protagonistas: autodidatas que transformam aprendizado contínuo em vantagem competitiva, combinando autonomia, mentalidade de crescimento e adaptação ágil às mudanças do mercado

Cris Sabbag

7 min de leitura
Gestão de Pessoas
Geração Beta, conflitos ou sistema defasado? O verdadeiro choque não está entre gerações, mas entre um modelo de trabalho do século XX e profissionais do século XXI que exigem propósito, diversidade e adaptação urgent

Rafael Bertoni

0 min de leitura
Empreendedorismo
88% dos profissionais confiam mais em líderes que interagem (Edelman), mas 53% abandonam perfis que não respondem. No LinkedIn, conteúdo sem engajamento é prato frio - mesmo com 1 bilhão de usuários à mesa

Bruna Lopes de Barros

0 min de leitura
ESG
Mais que cumprir cotas, o desafio em 2025 é combater o capacitismo e criar trajetórias reais de carreira para pessoas com deficiência – apenas 0,1% ocupam cargos de liderança, enquanto 63% nunca foram promovidos, revelando a urgência de ações estratégicas além da contratação

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O SXSW revelou o maior erro na discussão sobre IA: focar nos grãos de poeira (medos e detalhes técnicos) em vez do horizonte (humanização e estratégia integrada). O futuro exige telescópios, não lupas – empresas que enxergarem a IA como amplificadora (não substituta) da experiência humana liderarão a disrupção

Fernanda Nascimento

5 min de leitura
Liderança
Liderar é mais do que inspirar pelo exemplo: é sobre comunicação clara, decisões assertivas e desenvolvimento de talentos para construir equipes produtivas e alinhada

Rubens Pimentel

4 min de leitura
ESG
A saúde mental no ambiente corporativo é essencial para a produtividade e o bem-estar dos colaboradores, exigindo ações como conscientização, apoio psicológico e promoção de um ambiente de trabalho saudável e inclusivo.

Nayara Teixeira

7 min de leitura
Empreendedorismo
Selecionar startups vai além do pitch: maturidade, fit com o hub e impacto ESG são critérios-chave para construir ecossistemas de inovação que gerem valor real

Guilherme Lopes e Sofia Szenczi

9 min de leitura
Empreendedorismo
Processos Inteligentes impulsionam eficiência, inovação e crescimento sustentável; descubra como empresas podem liderar na era da hiperautomação.

Tiago Amor

6 min de leitura