A pandemia de Covid-19 deixou marcas profundas, e não apenas no corpo. Sequelas como a dificuldade de concentração e lapsos de memória são queixas comuns entre aqueles que suspeitam ter vivido uma Covid longa. Mas há um efeito colateral menos debatido – e talvez mais preocupante – que vem chamando a atenção de pesquisadores: a deterioração da saúde social.
A perda de habilidades básicas de interação, a impaciência crescente e a intolerância ao outro vêm afetando a forma como nos relacionamos, com impactos significativos na vida pessoal e profissional. No SXSW 2025, a pesquisadora de Harvard Kasley Killam, autora de The Art and The Science of Connection, alertou para essa tendência e fez uma previsão ousada: em menos de 10 anos, “a saúde social será a nova saúde mental”. Para evitar uma epidemia de solidão, ela compartilhou estratégias para fortalecer os laços interpessoais.
Killam destaca que, embora saibamos da importância de cuidar do corpo com exercícios, alimentação saudável e boas noites de sono – e da mente com meditação e terapia –, isso não basta se não tivermos conexões humanas sólidas. A visão dela é endossada por Esther Perel, outra grande estudiosa das relações humanas. Para Perel, que dissertou sobre o perigo da Atrofia Social, estamos desaprendendo a arte da convivência porque vivemos em um mundo onde as interações são mediadas por algoritmos que priorizam viés de confirmação e minimizam a troca, tornando desnecessárias as negociações interpessoais.
Mas a crise da saúde social não tem uma única causa. Nem todos enfrentam o problema da mesma forma, mas basta que alguns fatores estejam presentes para que seus efeitos sejam sentidos. Trabalhar exclusivamente em home office ou em horários alternativos, interagir majoritariamente por aplicativos, ter círculos sociais cada vez menores – tudo isso contribui para um cenário de isolamento crescente. No Brasil, os dados já refletem essa mudança: segundo uma pesquisa da Hibou, em 2024, 52% da população se declarava “desacompanhada” (solteiros, divorciados e viúvos), superando, pela primeira vez, os “acompanhados” (48%). E a tendência é de crescimento.
Nesta semana a Hibou rodou uma nova pesquisa com foco em insights vindos da SXSW e 48% dos brasileiros identificam que sua saúde social não está boa, com 36% tentando melhorar suas relações e 12% se considerando sem paciência com a maioria das pessoas. Ainda sobre os impactos da baixa saúde social, 39% dos entrevistados apontaram dificuldades nos relacionamentos amorosos, enquanto 38% citaram queda na produtividade no trabalho. Ou seja, a falta de conexão não apenas afeta a vida pessoal, mas também compromete o desempenho profissional.
Diante desse cenário, fica o questionamento: estamos preparados para resgatar nossa capacidade de conviver? Se a previsão de Killam estiver certa, em breve cuidar da saúde social, reaprendendo modos de vida que acompanhavam nossos avós de um jeito tão natural e hoje tão difícil, será tão essencial quanto cuidar da mente e do corpo.
Para combater isso, a pesquisadora de Harvard sugere algumas dicas:
– Criar uma lista de afetos, com as 10 pessoas com quem devemos nos conectar frequentemente;
– A Regra 5-3-1: falar pelo menos com 5 pessoas por semana, manter 3 conexões profundas e reservar 1 hora para interagir profundamente com alguém;
– Conexões que importam: antes de se perder no scrolling infinito de apps como TikTok e outros buracos da internet, lembrar de enviar uma mensagem para algum amigo;
– Gratidão: agradecer às pessoas por mensagem, pelo menos uma vez por semana, evitando o automatismo e o esquecimento;
– Praticar o hábito de estabelecer novos contatos regularmente.
Olhando a lista acima, que com certeza pode ajudar muito, penso que ela será melhor executada tendo também a saúde mental em dia e o social mais bem posicionado na rotina das pessoas.
Outros insights muito interessantes foram dados pela escritora e podcaster Brené Brown, que advoga bastante a respeito da aceitação da imperfeição e de suas vantagens. Atualmente, ela está trabalhando nos conceitos de Soberania Cognitiva e Soberania Emocional, que ela define como as capacidades de se desconectar daquilo que descreve como a “mente coletiva”, essa grande massa de pensamentos controlada pelas redes sociais e pela mídia. Soa como um grande convite para não pautar seus interesses pelos trending topics.
Brené Brown também falou sobre a curiosidade como uma ferramenta poderosa para compreender as emoções dos outros. Segundo ela, o que alimenta a curiosidade é a vulnerabilidade, ou seja, a disposição de conhecer algo que não se sabe e a abertura para, possivelmente, mudar de opinião.
Creio que essa última chave de Brown dialoga demais com Mike Bechtel, futurista-chefe da Deloitte, que aposta no fim da especialização. O argumento já foi visto em livros como Range: Porque os Generalistas Triunfam em um Mundo Especializado, de David Epstein, mas é interessante como Bechtel expressa como o fim das especializações pautará o nosso futuro. Para ele, os próximos hábitos virão da “polinização cruzada”, ou seja, a capacidade de ideias fecundarem campos de conhecimento muito diferentes de seus campos de origem.
Na pesquisa que a Hibou rodou em paralelo com o SXSW 2025, parece que os brasileiros concordam com Bechtel: 57% afirmam que suas experiências profissionais mais produtivas foram quando trabalharam em grupos de pessoas vindas de áreas distintas. E aí a gente volta para o campo da curiosidade e da vulnerabilidade, num espaço seguro, já que ninguém sente que o colega está ali para ameaçar, e sim para somar.