ESG
6 min de leitura

Saúde social: a questão de hoje para os próximos dez anos

Home office + algoritmos = epidemia de solidão? Pesquisa Hibou revela que 57% dos brasileiros produzem mais em times multidisciplinares - no SXSW, Harvard e Deloitte apontam o caminho: reconexão intencional (5-3-1) e curiosidade vulnerável como antídotos para a atrofia social pós-Covid
CSO/Partner Hibou Pesquisas e Insights

Compartilhar:

A pandemia de Covid-19 deixou marcas profundas, e não apenas no corpo. Sequelas como a dificuldade de concentração e lapsos de memória são queixas comuns entre aqueles que suspeitam ter vivido uma Covid longa. Mas há um efeito colateral menos debatido – e talvez mais preocupante – que vem chamando a atenção de pesquisadores: a deterioração da saúde social.

A perda de habilidades básicas de interação, a impaciência crescente e a intolerância ao outro vêm afetando a forma como nos relacionamos, com impactos significativos na vida pessoal e profissional. No SXSW 2025, a pesquisadora de Harvard Kasley Killam, autora de The Art and The Science of Connection, alertou para essa tendência e fez uma previsão ousada: em menos de 10 anos, “a saúde social será a nova saúde mental”. Para evitar uma epidemia de solidão, ela compartilhou estratégias para fortalecer os laços interpessoais.

Killam destaca que, embora saibamos da importância de cuidar do corpo com exercícios, alimentação saudável e boas noites de sono – e da mente com meditação e terapia –, isso não basta se não tivermos conexões humanas sólidas. A visão dela é endossada por Esther Perel, outra grande estudiosa das relações humanas. Para Perel, que dissertou sobre o perigo da Atrofia Social, estamos desaprendendo a arte da convivência porque vivemos em um mundo onde as interações são mediadas por algoritmos que priorizam viés de confirmação e minimizam a troca, tornando desnecessárias as negociações interpessoais.

Mas a crise da saúde social não tem uma única causa. Nem todos enfrentam o problema da mesma forma, mas basta que alguns fatores estejam presentes para que seus efeitos sejam sentidos. Trabalhar exclusivamente em home office ou em horários alternativos, interagir majoritariamente por aplicativos, ter círculos sociais cada vez menores – tudo isso contribui para um cenário de isolamento crescente. No Brasil, os dados já refletem essa mudança: segundo uma pesquisa da Hibou, em 2024, 52% da população se declarava “desacompanhada” (solteiros, divorciados e viúvos), superando, pela primeira vez, os “acompanhados” (48%). E a tendência é de crescimento.

Nesta semana a Hibou rodou uma nova pesquisa com foco em insights vindos da SXSW e 48% dos brasileiros identificam que sua saúde social não está boa, com 36% tentando melhorar suas relações e 12% se considerando sem paciência com a maioria das pessoas. Ainda sobre os impactos da baixa saúde social, 39% dos entrevistados apontaram dificuldades nos relacionamentos amorosos, enquanto 38% citaram queda na produtividade no trabalho. Ou seja, a falta de conexão não apenas afeta a vida pessoal, mas também compromete o desempenho profissional.

Diante desse cenário, fica o questionamento: estamos preparados para resgatar nossa capacidade de conviver? Se a previsão de Killam estiver certa, em breve cuidar da saúde social, reaprendendo modos de vida que acompanhavam nossos avós de um jeito tão natural e hoje tão difícil, será tão essencial quanto cuidar da mente e do corpo.

Para combater isso, a pesquisadora de Harvard sugere algumas dicas:

– Criar uma lista de afetos, com as 10 pessoas com quem devemos nos conectar frequentemente;

– A Regra ⁠5-3-1: falar pelo menos com 5 pessoas por semana, manter 3 conexões profundas e reservar 1 hora para interagir profundamente com alguém;

– ⁠Conexões que importam: antes de se perder no scrolling infinito de apps como TikTok e outros buracos da internet, lembrar de enviar uma mensagem para algum amigo;

– ⁠Gratidão: agradecer às pessoas por mensagem, pelo menos uma vez por semana, evitando o automatismo e o esquecimento;

– ⁠Praticar o hábito de estabelecer novos contatos regularmente.

Olhando a lista acima, que com certeza pode ajudar muito, penso que ela será melhor executada tendo também a saúde mental em dia e o social mais bem posicionado na rotina das pessoas.

Outros insights muito interessantes foram dados pela escritora e podcaster Brené Brown, que advoga bastante a respeito da aceitação da imperfeição e de suas vantagens. Atualmente, ela está trabalhando nos conceitos de Soberania Cognitiva e Soberania Emocional, que ela define como as capacidades de se desconectar daquilo que descreve como a “mente coletiva”, essa grande massa de pensamentos controlada pelas redes sociais e pela mídia. Soa como um grande convite para não pautar seus interesses pelos trending topics.

Brené Brown também falou sobre a curiosidade como uma ferramenta poderosa para compreender as emoções dos outros. Segundo ela, o que alimenta a curiosidade é a vulnerabilidade, ou seja, a disposição de conhecer algo que não se sabe e a abertura para, possivelmente, mudar de opinião.

Creio que essa última chave de Brown dialoga demais com Mike Bechtel, futurista-chefe da Deloitte, que aposta no fim da especialização. O argumento já foi visto em livros como Range: Porque os Generalistas Triunfam em um Mundo Especializado, de David Epstein, mas é interessante como Bechtel expressa como o fim das especializações pautará o nosso futuro. Para ele, os próximos hábitos virão da “polinização cruzada”, ou seja, a capacidade de ideias fecundarem campos de conhecimento muito diferentes de seus campos de origem.

Na pesquisa que a Hibou rodou em paralelo com o SXSW 2025, parece que os brasileiros concordam com Bechtel: 57% afirmam que suas experiências profissionais mais produtivas foram quando trabalharam em grupos de pessoas vindas de áreas distintas. E aí a gente volta para o campo da curiosidade e da vulnerabilidade, num espaço seguro, já que ninguém sente que o colega está ali para ameaçar, e sim para somar.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Superando os legados de negócio e de mindset

Lembra-se das Leis de Larman? As organizações tendem a se otimizar para não mudar; então, você precisa fazer esforços extras para escapar dessa armadilha. Os exemplos e as boas práticas deste artigo vão ajudar

O RH pode liderar o futuro do trabalho?

A área de gestão de pessoas é uma das mais capacitadas para isso, como mostram suas iniciativas de cuidado. Mas precisam levar em conta quatro tipos de necessidades e assumir ao menos três papéis

Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial deixou de ser uma promessa futurista para se tornar o cérebro operacional de organizações inteligentes. Mas, se os algoritmos assumem decisões, qual será o papel dos líderes no comando das empresas? Bem-vindos à era da gestão cognitiva.

Marcelo Murilo

12 min de leitura
ESG
Por que a capacidade de expressar o que sentimos e precisamos pode ser o diferencial mais subestimado das lideranças que realmente transformam.

Eduardo Freire

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A IA não é só para tech giants: um plano passo a passo para líderes transformarem colaboradores comuns em cientistas de dados — usando ChatGPT, SQL e 360 horas de aprendizado aplicado

Rodrigo Magnago

21 min de leitura
ESG
No lugar de fechar as portas para os jovens, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar do clássico americano para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de um grupo estereotipado, mas que são apenas jovens

Daniela Diniz

05 min de leitura
Empreendedorismo
O Brasil já tem 408 startups de impacto – 79% focadas em soluções ambientais. Mas o verdadeiro potencial está na combinação entre propósito e tecnologia: ferramentas digitais não só ampliam o alcance dessas iniciativas, como criam um ecossistema de inovação sustentável e escalável

Bruno Padredi

7 min de leitura
Finanças
Enquanto mulheres recebem migalhas do venture capital, fundos como Moon Capital e redes como Sororitê mostram o caminho: investir em empreendedoras não é ‘caridade’ — é fechar a torneira do vazamento de talentos e ideias que movem a economia

Ana Fontes

5 min de leitura
Empreendedorismo
Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Ivan Cruz

7 min de leitura
ESG
Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia

Lilian Cruz

5 min de leitura
Liderança
Como a promessa de autonomia virou um sistema de controle digital – e o que podemos fazer para resgatar a confiança no ambiente híbrido.

Átila Persici

0 min de leitura
Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura