Quando engravidei da minha primeira filha estava na fase final do processo seletivo para meu emprego dos sonhos: uma empresa de tecnologia no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Eles tinham pagado a minha passagem para fazer a última entrevista em São Francisco, mas a gravidez inesperada e de risco me fez desistir, dias antes da viagem. Até então, eu era só uma engenheira focada na carreira e bruscamente entendi que eu tinha passado a ser mãe antes de tudo. Essa foi a primeira perda profissional que enfrentei quando decidi pela maternidade.
Ainda grávida, recebi a proposta de uma empresa italiana para gerenciar uma nova operação nos Estados Unidos, baseada em Atlanta, onde moro. Eu tinha aplicado para uma vaga de marketing, e eles voltaram com essa oferta incrível. Não sabiam do bebê porque aqui é proibido abordar assuntos pessoais em entrevistas. Mas quando perguntei se eles me dariam flexibilidade para frequentar as aulas do meu MBA, responderam que não. Entendi que se não haveria flexibilidade para estudar, tampouco para cuidar da minha família. Declinei a oferta e enfrentei uma segunda perda profissional antes mesmo da minha primeira filha nascer.
Nesses dois exemplos, minha escolha foi por ser a melhor mãe e não a melhor profissional que eu poderia ser. As decisões que tomei ao longo dos últimos dez anos, no entanto, não priorizaram sempre as minhas filhas.
Houve uma fase em que meu marido e eu viajávamos muito por conta do trabalho. Chegamos a trocar as crianças no aeroporto e parecíamos mais um casal separado que tinha a guarda compartilhada dos filhos, já que raramente estávamos juntos, como família. Eu liderava o marketing da incubadora de uma empresa global high-tech. Amava o que eu fazia e, definitivamente, estava focada em ser uma super profissional. Mas a ficha de que algo estava errado caiu quando recebi uma notificação no meu celular: era uma empresa aérea me parabenizando por subir no status do programa de fidelidade. Com duas crianças pequenas, uma delas desenvolvendo ansiedade por conta das viagens, essa rotina não poderia estar certa. Confesso que eu nem sabia por onde começar a resolver esse problema, e minha culpa era tão grande que decidi pedir demissão. Naquele momento, eu precisava voltar a ser mais mãe e, felizmente, tive o privilégio de poder parar de trabalhar, já que tínhamos outra renda familiar.
## Super mãe x super profissional
No ano em que fiquei fora do mercado de trabalho, sinto que trouxe a vida de volta para os eixos. Troquei as meninas de escola, organizei nossas rotinas, encontrei ajuda para atividades domésticas. Mas na jornada de “super mãe X super profissional”, percebi que abandonar minha carreira para cuidar full time delas também não parecia certo. Minha profissão também era importante pra mim e tinha que haver uma alternativa. Então resolvi tentar outra vez, tendo bem claro que eu nunca mais queria ter a guarda compartilhada das meninas estando casada.
Quando fiz a entrevista para o meu emprego atual na Manhattan Associates, uma empresa de tecnologia para a cadeia de suprimentos e comércio unificado, fui questionada se eu tinha alguma red flag. Respondi que sou mãe solteira de segunda a sexta-feira, porque meu marido viaja a semana toda, e que, se eles não pudessem contratar alguém com esse perfil, eu realmente não era a pessoa indicada para a vaga. Um risco, mas também uma aposta para conseguir o trabalho que precisava: interessante, mas com limites claros e que me permitisse equilibrar a vida profissional com a maternidade. Eu não podia mais sentir que estava em constante dívida nem com nossa família nem com minha identidade profissional. Mais de três anos se passaram e, por enquanto, está dando certo!
Tenho consciência, no entanto, de que nem sempre as coisas saem como o esperado. A realidade do mercado de trabalho é dura com as mulheres. Com as mães, então, pior ainda. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que 50% das mães brasileiras são demitidas em até dois anos após a licença-maternidade. Isso porque o Brasil tem uma legislação trabalhista que de alguma forma protege essas mulheres. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, não dispomos nem desse período quando o bebê nasce. Além disso, nossos salários também tendem a diminuir. Um estudo realizado em seis países desenvolvidos, entre eles Estados Unidos e Inglaterra, publicado pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR), mostrou uma espécie de “child penalty” em relação aos salários das mulheres, que persiste por mais de 20 anos após o nascimento do primeiro filho. Elas experimentam uma queda grande, imediata e persistente no salário, enquanto os homens praticamente não são afetados.
## Gestão de projetos e maternidade
Nessa jornada da maternidade, alguns aprendizados foram importantes. Recentemente li um livro de educação familiar chamado *Good inside*, da psicóloga Becky Kennedy. Becky fala que todos nós, pais e filhos, somos “good inside” (bons por dentro, na tradução) – e diz que estamos sempre fazendo o melhor que podemos com os recursos que temos disponíveis no momento. Isso virou meu mantra e lamento não ter conhecido o conceito antes. Optar por engravidar, por mudar de emprego ou aceitar uma promoção nunca foi fácil pra mim, e sei que não sou a única a sofrer com esses dilemas.
O novo mantra que aprendi me trouxe a ideia de usar conceitos de gestão de projetos para ajudar. Afinal de contas, entender o equilíbrio dos recursos, tempo e escopo é a base de tudo. Se você trabalha em um ambiente machista antes de engravidar, é improvável que encontre recursos necessários para ter êxito no projeto maternidade. Se não tem ajuda com as crianças (seja da família, escola ou de uma profissional), aceitar uma vaga nova do outro lado da cidade pode não ser a melhor escolha. Se seu trabalho envolve muitas viagens, talvez você precise de mais recursos em casa para poder equilibrar o projeto família.
Às vezes me pergunto como teria sido se eu tivesse seguido no processo seletivo da vaga em São Francisco ou aceitado o desafio da empresa italiana. Tenho dificuldade para acreditar que as coisas acontecem porque têm que acontecer, mas, apesar da frustração que vou carregar comigo pra sempre, ali estava bem claro que faltavam recursos disponíveis para eu ter sucesso como mãe.
Minha lição aprendida é que não preciso escolher entre ser super mãe ou super profissional porque eu posso simplesmente ser o melhor que consigo com os recursos disponíveis no momento. Por mais que eu queira que minhas filhas sejam a prioridade, a verdade é que eu vou ser sempre apenas a melhor mãe que eu puder ser. Algumas noites vou ler três livros pra elas antes de dormir, e em outras vou torcer para que elas durmam logo para que eu possa terminar o relatório da reunião do dia seguinte. E está tudo bem. O importante é monitorar esses recursos e ajustar o escopo e o tempo de acordo com o que é prioridade para você em cada momento.