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Sim, a antropologia é “as a service”

Como o ferramental dessa ciência se bem aplicado e conectado em momentos decisivos de projetos transforma o resultado de jornadas do consumidor e clientes, passando por lançamento de produtos ou até de calibragem de público-alvo.

Carol Zatorre

Carol é antropóloga, regional coordinator EPIC - Latam e CO-CEO da Kyvo....

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“As a service”. Dominante nesta década até aqui, o conceito do “a serviço” já faz parte da rotina do mundo da tecnologia da informação e também do universo freelancer. Agora, imagine se a Antropologia, sempre sob a ótica de negócios, também passasse a adotar a modelagem “as a service”.

O conhecimento antropológico, quando usado de maneira prática em direção ao dia a dia corporativo, pode não apenas analisar e interpretar a realidade, mas também transformá-la. Porque ele nos desafia a questionar nossas certezas e a construir novos caminhos para entender o mundo, tornando-se uma ferramenta poderosa para criar narrativas que reflitam uma diversidade de perspectivas e experiências. A antropologia, portanto, não é apenas uma ciência do estudo das humanidades, mas também uma prática de inovação e mudança social, que nos convida a repensar o mundo de formas mais inclusivas e justas.

Diante da robustez dessa ciência, e por extensão da narrativa acima, naturalmente seu uso no universo de negócios é cada vez mais requisitado. E como não é algo trivial, por óbvio é custoso.

Ao longo da minha formação como antropóloga, aprendi que uma das lições mais valiosas é questionar constantemente minhas próprias certezas. Não me refiro ao exercício da matriz de hipóteses, tão presente no cotidiano dos antropólogos, mas aos padrões que moldam nosso dia a dia, desde as ações mais triviais até nossos valores mais profundos.

Duvido do que vejo, compreendendo que, muitas vezes, aquilo que parece ser real é, na verdade, uma construção social.

Com essa perspectiva crítica e questionadora, percebi que minha atuação como pesquisadora poderia transcender os limites tradicionais do espaço acadêmico. Hoje, me realizo ao encontrar colegas que aplicam o conhecimento antropológico em diversas áreas, sempre com um olhar crítico e inovador.

Nesse sentido, o uso no dia a dia dos negócios passa a ser uma peça importante no tabuleiro das macro decisões, porque a antropologia consegue usar as lentes dos pequenos desdobramentos. Nesse sentido, o ato de plugar em projeto reforça a tese do “as a service”.

Porque vejamos. A antropologia, como enfatizado por Eliane Cantarino O’Dwyer em “O papel social do antropólogo”, demonstra seu valor prático ao interagir com outras áreas, como o direito. O’Dwyer explora como o saber antropológico pode ser uma ferramenta poderosa nos debates públicos sobre os direitos de populações indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Por meio da produção de laudos antropológicos, os profissionais dessa área do conhecimento humano ajudam a legitimar publicamente os direitos dessas comunidades e grupos, desempenhando um papel fundamental no reconhecimento de seus direitos constitucionais.

Essa abordagem prática do conhecimento antropológico está alinhada com a visão da filósofa e historiadora Isabelle Stengers, que argumenta a favor de uma “cosmopolítica”, ou seja, a necessidade de incluir diferentes paradigmas e realidades na construção do saber. Stengers sugere que o conhecimento não deve se limitar aos parâmetros da racionalidade tradicional, mas também considerar outras formas de entender o mundo, valorizando o sutil e o intangível como evidências válidas. Essa perspectiva abre espaço para que a antropologia não seja apenas um campo teórico, mas uma prática transformadora que desafia as narrativas convencionais e cria novas possibilidades de entendimento.

Na prática, isso significa que o conhecimento antropológico pode ser aplicado para reimaginar e redefinir as normas e expectativas sociais. Por exemplo, O’Dwyer discute como o termo “quilombola” foi ressignificado, promovendo uma nova compreensão dos direitos territoriais dessas comunidades. Esse processo de ressignificação é um exemplo claro de como o saber antropológico pode influenciar e moldar políticas públicas, ampliando a maneira como o Estado reconhece e interage com as comunidades tradicionais.

Além disso, o conhecimento antropológico pode oferecer novas maneiras de entender os desafios contemporâneos. Ao estudar a situação dos grupos indígenas Awá-Guajá, no Estado do Maranhão, por exemplo, vemos como a antropologia pode revelar formas modernas de opressão. Esse tipo de análise não apenas ilumina as injustiças atuais, mas também oferece caminhos para a construção de políticas mais justas e inclusivas.

Em minha própria prática, procuro aplicar essas lições ao meu trabalho. Em uma recente pesquisa para um cliente, utilizei a abordagem da “cosmopolítica de Stengers” para entender melhor as motivações de seus interlocutores e ampliar a compreensão de um fenômeno de interesse estratégico. Ao incorporar diferentes perspectivas e valorizar o sutil, fui capaz de fornecer insights mais profundos e criar uma narrativa que ultrapassa as explicações convencionais para mediação de redes de produção e a negociação a partir dos valores dos produtores.

Um bom exemplo é o evento realizado na capital paraense, Belém, no início de agosto deste ano,  batizado como Bioeconomy Amazon Summit (BAS). Organizado pela gestora de fundos de venture corporate KPTL e o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) – Rede Brasil, o BAS procurou estabelecer uma ponte entre fundos de investimento e empreendedores da bioeconomia. Sem deixar de buscar uma conexão mais genuína com os povos originários, representados por lideranças indígenas da Amazônia em roda de saberes ancestrais e outras inserções ao longo do dia. Estive em uma dessas rodas de conversa e encaro como um movimento relevante.

Desta forma, enxergo que o conhecimento antropológico é capaz de prover transformações profundas no contexto onde é inserido. E isso é poderoso, porque destrói certezas e abre espaço para caminhos outros, que no conforto da prática diária naturalmente os repelem.

Em outras palavras, quando conectado em determinadas etapas do projeto, a antropologia reúne predicados científicos para dirimir dúvidas, ajustar certezas e promover o melhor resultado possível. Que o diga a jornada do cliente.

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