Desenvolvimento pessoal

Síndrome de Tom Brady

Dizer adeus não é fácil. Nem para os atletas nem para muitos profissionais que amam seu trabalho
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Primeiro foi Tom Brady. Depois, Serena Williams. E agora, Roger Federer. Entre glórias, prantos e homenagens, os três atletas tentaram se despedir de seus trabalhos, anunciando a aposentadoria do esporte.

Pouco mais de um mês depois de dizer adeus, no entanto, Brady decidiu voltar. Williams, ao perder seu jogo de despedida no US Open, não esperou nem duas semanas para dizer: “Nunca se sabe. Essa pode não ter sido a última partida, não”. Resta agora saber se Federer também vai anunciar seu bis.

Dizer adeus não é fácil. Nem para os atletas nem para quem ama o que faz e enxerga no trabalho algo muito além da remuneração, do sucesso, dos holofotes ou da estabilidade. Enxerga sentido.

Ao parar de exercer o ofício – seja ele nos gramados de futebol, nas quadras de tênis ou na fábrica, o trabalhador apaixonado aos poucos vai se esvaziando e, não raro, padece. A vontade é de voltar (ou de nunca ter parado). O problema é que no mundo do trabalho não temos apenas Tom Bradys e Serenas e o retorno aos palcos corporativos ainda é uma história rara para os que se aposentam.

Não deveria ser assim.

Se no mundo do esporte há uma limitação física para continuar uma carreira após uma certa idade (e já sabemos que a ciência e a medicina têm conseguido prolongar esse tempo), no mundo do trabalho a limitação é mais psicológica. Em algum lugar da história colocamos uma barreira etária para sermos produtivos e até hoje acreditamos que devemos segui-la.

A aposentadoria compulsória está aí para provar isso. O problema é que, durante muitos anos, ter um teto de idade para pendurar as chuteiras era o desejo de ambos os lados – empresa e empregado. De um lado, a organização oxigenava seus altos cargos, compostos, na maioria das vezes, por homens de cabelos brancos. Do outro, os homens de cabelos brancos não viam a hora de curtir a tão sonhada aposentadoria.

Acontece que o mundo mudou e as relações de trabalho também. De um mal necessário, o trabalho não é mais visto apenas como o vilão da nossa vida. Embora muitas pessoas ainda nutram uma relação meramente mercantilista com seu emprego (trabalha-se por necessidade e ponto) há uma parcela crescente da população que enxerga – assim como Brady, Williams, Federer, algo além no seu ofício.

Soma-se a essa questão o já conhecido aumento da nossa expectativa de vida. Em 2030, uma pessoa com 60 anos de idade pode esperar viver mais 22 anos; no mundo desenvolvido, esse número cresce para 25. Não à toa, tenho ouvido cada vez mais profissionais acima dos seus 60 anos dizendo que se sentem no auge da carreira, extremamente produtivos, muito mais equilibrados e desafiados a aprender o tempo todo. E aí essa regra limitante de 60, 65, 70 anos para parar passa a ser estúpida.

É preciso avançar nessa temática etária. E não falo apenas das práticas de contratação dos mais experientes, mas principalmente de criar novas relações de trabalho para profissionais que desejam se manter na ativa, mas não necessariamente naquele tipo de atividade “padronizada” da organização.

Se falta degrau para se subir na carreira pelo plano tradicional ou falta orçamento para enquadrar o profissional mais experiente, seja criativo e, sobretudo, flexível. Na Europa, já temos mais casos de empresas criando experiências diferenciadas para sua mão de obra mais sênior.

A Boeing, a Michelin e a UPS trouxeram de volta os aposentados durante os períodos de maior demanda por seus produtos e serviços. Eles não voltaram como empregados tradicionais, mas em situações flexíveis de trabalho. Bom para eles, para a empresa e para seus colegas de trabalho.

Peguemos a famosa frase de Coco Chanel: “Ninguém é jovem após os 40 anos, mas pode-se ser irresistível a qualquer idade”. Que as organizações derrubem as barreiras psicológicas que atrelam idade à produtividade e percebam a quantidade de profissionais irresistíveis no mercado que poderiam contribuir para os seus negócios, se houvesse espaço – e oportunidade.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Gestão de Pessoas
O aprendizado está mudando, e a forma de reconhecer habilidades também! Micro-credenciais, certificados e badges digitais ajudam a validar competências de forma flexível e alinhada às demandas do mercado. Mas qual a diferença entre eles e como podem impulsionar carreiras e instituições de ensino?

Carolina Ferrés

9 min de leitura
Inovação
O papel do design nem sempre recebe o mérito necessário. Há ainda quem pense que se trata de uma área do conhecimento que é complexa em termos estéticos, mas esse pensamento acaba perdendo a riqueza de detalhes que é compreender as capacidades cognoscíveis que nós possuímos.

Rafael Ferrari

8 min de leitura
Inovação
Depois de quatro dias de evento, Rafael Ferrari, colunista e correspondente nos trouxe suas reflexões sobre o evento. O que esperar dos próximos dias?

Rafael Ferrari

12 min de leitura
ESG
Este artigo convida os profissionais a reimaginarem a fofoca — não como um tabu, mas como uma estratégia de comunicação refinada que reflete a necessidade humana fundamental de se conectar, compreender e navegar em paisagens sociais complexas.

Rafael Ferrari

7 min de leitura
ESG
Prever o futuro vai além de dados: pesquisa revela que 42% dos brasileiros veem a diversidade de pensamento como chave para antecipar tendências, enquanto 57% comprovam que equipes plurais são mais produtivas. No SXSW 2025, Rohit Bhargava mostrou que o verdadeiro diferencial competitivo está em combinar tecnologia com o que é 'unicamente humano'.

Dilma Campos

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Para líderes e empreendedores, a mensagem é clara: invista em amplitude, não apenas em profundidade. Cultive a curiosidade, abrace a interdisciplinaridade e esteja sempre pronto para aprender. O futuro não pertence aos que sabem tudo, mas aos que estão dispostos a aprender tudo.

Rafael Ferrari e Marcel Nobre

5 min de leitura
ESG
A missão incessante de Brené Brown para tirar o melhor da vulnerabilidade e empatia humana continua a ecoar por aqueles que tentam entender seu caminho. Dessa vez, vergonha, culpa e narrativas são pontos cruciais para o entendimento de seu pensamento.

Rafael Ferrari

0 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A palestra de Amy Webb foi um chamado à ação. As tecnologias que moldarão o futuro – sistemas multiagentes, biologia generativa e inteligência viva – estão avançando rapidamente, e precisamos estar atentos para garantir que sejam usadas de forma ética e sustentável. Como Webb destacou, o futuro não é algo que simplesmente acontece; é algo que construímos coletivamente.

Glaucia Guarcello

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
O avanço do AI emocional está revolucionando a interação humano-computador, trazendo desafios éticos e de design para cada vez mais intensificar a relação híbrida que veem se criando cotidianamente.

Glaucia Guarcello

7 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, Meredith Whittaker alertou sobre o crescente controle de dados por grandes empresas e governos. A criptografia é a única proteção real, mas enfrenta desafios diante da vigilância em massa e da pressão por backdoors. Em um mundo onde IA e agentes digitais ampliam a exposição, entender o que está em jogo nunca foi tão urgente.

Marcel Nobre

5 min de leitura