Gestão de Pessoas

Somos os xx da questão

Simplifique a missão, remova os vilões habituais e um time disfuncional continuará caindo nos mesmos buracos
É sócio da RIA, empresa especializada em construir segurança psicológica em equipes. Criador do PlayGrounded, a Ginástica do Humor, é jornalista (Folha de S.Paulo, Veja, Superinteressante e Vida Simples), foi sócio da consultoria Origami e consultor em branding. Ator e improvisador, integra o grupo Jogo da Cena.

Compartilhar:

Nas oficinas que conduzo, sempre utilizo jogos para ajudar a criar experiências de aprendizagem. Por que jogos? Olha, vejo muito valor nessa metodologia. Mas a resposta mais verdadeira a essa pergunta é: porque gosto. Muito, aliás. Já que me disponho a incentivar as pessoas a serem mais autênticas, seria incoerente se eu não assumisse as minhas preferências.

Os jogos que gosto de introduzir nas oficinas vêm da improvisação teatral. Eles se caracterizam por serem colaborativos e não terem um resultado predeterminado, ou seja, são abertos à espontaneidade, à adaptação. Sua estrutura básica é muito simples.

Em primeiro lugar, todos têm um objetivo imediato e simples, ridículo até. Pode ser “construir uma frase em conjunto”. O segundo componente são obstáculos que interditam as maneiras mais óbvias de alcançar o objetivo. Regras que tiram os participantes de sua zona de costume. Tais obstáculos vêm em dois sabores. Há o sabor “tem que”, que indica algo que as pessoas são obrigadas a fazer na busca do objetivo. E há o sabor “não pode”, as proibições.

Por exemplo: se o objetivo for construir uma frase em conjunto, a regra pode exigir que os jogadores “não podem” falar mais que uma palavra na sua vez, ou que o grupo “tem que” incluir a palavra “torresmo” na frase, mas a sentença “não pode” ficar sem sentido.

Acredite: com um objetivo simplório e obstáculos aleatórios, podemos simular o mundo todo. Porque toda a comédia humana é erguida com apenas esses dois materiais: objetivos e obstáculos.

## A vida imita o jogo

Quando um grupo tem problemas de funcionamento recorrentes, é comum buscar soluções discutindo os conteúdos envolvidos a cada vez que o caldo entorna. Em outras palavras, analisando os objetivos e os obstáculos. Como se isso fosse evitar os mesmos buracos de sempre. “Se mudarmos o fluxo de pedidos, vamos acabar com as brigas entre vendas e operações.”

Outra reação frequente é culpar o contexto (sistemas, mercado, chefia, clientes). Mas experimente colocar esse time para jogar um jogo besta qualquer, cujo resultado não tem a menor importância e os obstáculos são totalmente arbitrários. Os mesmos padrões disfuncionais emergem, mesmo que o objetivo seja aleatório e que os vilões de sempre estejam ausentes.

Ao trocar a complexidade do contexto pelo universo binário e simples do jogo, as variáveis relevantes se destacam. Somos nós, os membros do time, com nossos padrões inconscientes e nossos vieses cognitivos, que sustentamos os problemas ao longo do tempo.

Percebemos, por exemplo, que Roberto não fica ansioso pelo volume de pedidos, pois no jogo ele mostrou a mesma ansiedade. Notamos que Patrícia não sinalizou antes de passar a palavra para Ruth, como pedia a regra. E é exatamente assim que ela faz com os e-mails que envia a torto e a direito, sem saber se foram lidos.

## Experiência compartilhada

Um detalhe nada trivial é que, no jogo, alcançamos juntos o entendimento. Não são histórias que alguém nos conta, nas quais precisamos acreditar para extrair conhecimento. Estávamos presentes, testemunhamos os fatos. As interpretações já não podem distorcer as observações.

Percebo meus gatilhos, percebo o que faço diante de uma dada situação. Posso atualizar minhas crenças a partir da observação. Podemos então jogar novamente, a partir de uma compreensão maior sobre mim e sobre o grupo e ver o que acontece quando penso, sinto e ajo de forma mais consciente.

Então a mágica acontece: somos o mesmo time de antes, mas nos relacionamos de um jeito distinto, mais adequado às nossas necessidades como time.

Podemos voltar a jogar e a refletir quantas vezes quisermos, enquanto houver valor a ser extraído da experiência. No caminho, nos conhecemos melhor, nos revelamos uns aos outros, aprofundamos nossos vínculos.

Ao final, estamos mais unidos e inteiros. Somos amigos de infância. Para mim, esse é o melhor resumo do que se trata a segurança psicológica.

*Gostou do artigo de Rodrigo Vergara? Confira conteúdos semelhantes assinando [nossas newsletters](https://www.revistahsm.com.br/newsletter) e escutando [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts) em sua plataforma de streaming favorita.*

Compartilhar:

Artigos relacionados

Calendário

Não, o ano ainda não acabou!

Em meio à letargia de fim de ano, um chamado à consciência: os últimos dias de 2024 são uma oportunidade valiosa de ressignificar trajetórias e construir propósito.

Gestão de Pessoas, Liderança, Times e Cultura
Como o ferramental dessa ciência se bem aplicado e conectado em momentos decisivos de projetos transforma o resultado de jornadas do consumidor e clientes, passando por lançamento de produtos ou até de calibragem de público-alvo.

Carol Zatorre

0 min de leitura
Gestão de Pessoas, Estratégia e Execução, Liderança, Times e Cultura, Saúde Mental

Carine Roos

5 min de leitura
Liderança, Times e Cultura
Comunicação com empatia, gestão emocional e de conflitos e liderança regenerativa estão entre as 10 principais habilidades para o profissional do futuro.

Flávia Lippi

4 min de leitura
Gestão de Pessoas, Liderança, Times e Cultura
É preciso eliminar a distância entre o que os colaboradores querem e o que vivenciam na empresa.

Ana Flavia Martins

4 min de leitura
Estratégia e Execução, Carreira
Solicitar crédito sempre parece uma jornada difícil e, por isso, muitos ficam longe e acabam perdendo oportunidades de financiar seus negócios. Porém, há outros tipos de programas que podemos alçar a fim de conseguir essa ajuda e incentivo capital para o nosso negócio.
3 min de leitura
Liderança, Times e Cultura
Conheça os 6 princípios da Liderança Ágil que você precisa manter a atenção para garantir que as estratégias continuem condizentes com o propósito de sua organização.
3 min de leitura