Melhores para o Brasil 2022

Sua empresa é antirracista?

O tempo de medidas superficiais de combate ao racismo nas empresas acabou. Para avançar, o caminho é a inclusão
Consultor, mediador organizacional e palestrante em ética, diversidade e inclusão, e fundador da Condurú Consultoria.

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Nove minutos e 29 segundos mudaram para sempre o debate sobre preconceito racial no mundo. Em 25 de maio de 2020, na cidade de Mineápolis, nos Estados Unidos, o policial branco Derek Chauvin manteve por menos de dez minutos seu joelho sobre o pescoço de George Floyd, homem negro que não oferecera resistência ao ser abordado: uma eternidade. Foram suficientes para matá-lo.

Não foi nem de perto o primeiro caso de homicídio de um agente do Estado contra um homem negro no país. Mas há ocorrências na história que acabam por se tornar um ponto de virada. Nesse caso, a ação filmada, o sufocamento, Floyd gritando “eu não consigo respirar”, as pessoas ao redor apenas olhando – um cenário absurdamente cruel que acendeu o rastilho de pólvora e levou massas de americanos às ruas em plena pandemia.

O assassinato de Floyd repercutiu em todo o mundo e em diversas áreas da sociedade americana. E acabou fazendo as empresas – finalmente – saírem de cima do muro. Agora, quem não diz nada compactua, endossa. Se você ou sua organização são contra o que aconteceu, devem se manifestar. Não basta não ser racista. É preciso ser antirracista.

Muito tem se falado sobre diversidade e inclusão, nas empresas e fora delas. Mas como saber se é só uma narrativa marqueteira ou se aquela organização realmente promove ações de inclusão e diversidade? Costumo ter uma resposta para isso quando sou chamado para uma reunião corporativa e membros da diretoria me mostram dados satisfatórios da porcentagem de negros empregados naquele lugar. Pergunto: “por que então nenhum deles está aqui, participando desta reunião?”.

Em 2020, apenas quatro das 500 maiores empresas americanas tinham um diretor-executivo negro. Esse dado fala mais do que mil anúncios de medidas e doações ou campanhas de comunicação interna e RH. No Brasil, menos de 6% dos fundadores de startups são negros. Conta-se em uma mão ou no máximo duas quantas mulheres negras têm assento no conselho de uma grande organização. Esses números são reflexo de séculos de racismo estrutural.

## Resposta sistêmica
A exceção precisa parar de confirmar a regra. Quando os Estados Unidos elegeram um presidente negro, em 2008, o símbolo dessa mudança foi enorme, mas a continuidade disso precisa ser maior ainda. Esse é um fenômeno replicado no mundo empresarial. Um CEO negro não pode ser um escudo para mudanças mais profundas. A liderança negra deve ser “cascateada” e horizontalizada.
A sociedade não aguenta mais essa violência sistêmica, alimentada pelos racismos estrutural, institucional e individual, “amenizados” por doações e ações pontuais. O problema é sistêmico e a resposta também precisa ser. Para isso, as empresas precisarão sair de sua zona de conforto e promover mudanças. Aqui vão algumas ações práticas que costumo implantar nas empresas em que atuo:

### Inclusão e mentoria
Mais do que contratar negros e negras, é necessário preparar a empresa para recebê-los e acolhê-los. Trata-se de oferecer uma estrutura para que essas pessoas não sejam expelidas da organização em pouco tempo por não se sentirem inseridas naquele lugar, como se não pertencessem ou não merecessem estar ali. Um programa consistente de onboarding, mentorias, colegas designados para apresentá-los e acompanhá-los, tempo de aclimatação são algumas das medidas. Não basta mostrar as instalações físicas e a equipe de trabalho, é preciso ajudar os novos contratados a conhecer a cultura da empresa – é o conhecimento tácito que garante o pertencimento.

### Negros em todos os lugares
Devemos retirar as pessoas negras da caixinha da “diversidade”. Precisamos de um diretor tributário negro, de uma mulher negra que define o investimento de capital da empresa, de um negro liderando a área de negócios.
Ou seja, negros não apenas em funções subalternas ou como diretores de inclusão e diversidade. É importante respeitar o lugar de fala do negro, mas ele tem que ocupar muito mais lugares do que apenas a pauta identitária.

### Fornecedores
Esse é um conceito já mais avançado na área ambiental, mas que deve ser absorvido no conceito de empresa antirracista. Comprar insumos apenas de fornecedores que tenham diversidade e inclusão. A empresa deve ser proativa em buscar saber qual a presença de negros no seu fornecedor, quais ações sociais a companhia toma, se possui selos e certificações.

### Punição real
Em casos de racismo, a empresa deve fazer uma investigação completa e, caso a atitude racista seja identificada, punir de forma severa. Isto é: demissão por justa causa e apoio caso a vítima queira ir à Justiça. Advertência ou suspensão não são punições. Racismo é crime e deve ser tratado como tal.

### Critério de promoção
Como já disse antes, muitas empresas mostram um balanço que apresenta diversidade de negros e brancos. Mas na reunião da diretoria, essa diversidade simplesmente não é vista. Nesses casos, ser negro deve ser um fator a ser considerado na hora de fazer uma promoção. A diretoria deve ter negros. Se não há ninguém preparado para a função, pegue essa pessoa e a treine, pague cursos. Ou vá buscar no mercado. A atitude deve ser de investimento e não de esperar que surja o profissional que a empresa precisa e que seja negro. Vá formar esse profissional!

A resposta das empresas

A mobilização nos EUA foi real e serve
de exemplo para o Brasil

O assassinato de George Floyd gerou uma onda de anúncios de grandes companhias de ações contra o racismo nos Estados Unidos. A Justiça também foi célere e, menos de um ano depois, já tinha condenado o policial agressor. A família de Floyd recebeu do Estado uma indenização equivalente a R$ 150 milhões. Dar o exemplo e ser assertivo no posicionamento são algumas medidas eficazes. A seguir, estão outras medidas já implementadas por empresas engajadas nessa luta:

-A Ben & Jerry’s emitiu uma declaração forte denunciando a “cultura da supremacia branca” na América após o caso e disponibilizou dados que mostram a cultura da inclusão na empresa. Por exemplo, a fabricante de sorvetes apoia que seja aprovada uma legislação que analise os efeitos da escravidão de 1619 até hoje e aponte como remediar isso.

-A Apple destinou US$ 100 milhões para a criação da Racial Equity and Justice Initiative, que vai apoiar projetos de promoção da equidade racial. Entre eles, estão oportunidades para empreendedores negros de Detroit e um centro de empreendedorismo para pessoas negras que tenham ideias inovadoras.

-O YouTube investiu US$ 100 milhões para amplificar as vozes de criadores de conteúdo negros que trabalham em sua plataforma.

-A Disney anunciou uma doação de US$ 5 milhões para a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), uma das mais antigas organizações em favor dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.

-Dezenas de companhias, como Nike, McDonald’s, Netflix, L’Oreal Paris e Louis Vuitton posicionaram-se em apoio ao movimento Black Lives Matter.

-A marca de arroz Uncle Ben’s removeu de sua embalagem a imagem de um homem negro usando uma gravata-borboleta, que era a forma como se vestiam os criados antigamente. (D.R.F.)

O racismo estrutural na vida real

Um personagem negro na capa de um livro infantil revela os caminhos sutis do racismo e a mentalidade que todos carregamos, no País que mais escravizou africanos

“Que tal a gente fazer o Cadu negro?”, perguntou o designer e ilustrador Pedro Menezes a mim e ao Lúcio Goldfarb, autor do livro Cadu e o mundo que não era, lá em 2018, quando estávamos pensando em como ilustrar a história desse menino que vive no mundo da lua porque está criando narrativas mirabolantes em sua cabeça supercriativa. “Por que não?”, respondemos.

Meses depois, com o livro pronto, fizemos o lançamento na Livraria da Travessa, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Um rapaz negro se aproximou e, falando em espanhol com uma mulher ao seu lado, demonstrou interesse no livro. Achei que fosse estrangeiro, mas ele me respondeu que era estudante de Letras e estava ali com uma amiga de Barcelona, passeando. Convidei-o a ler o livro ali mesmo, de pé na livraria. Ele terminou a leitura com lágrimas nos olhos. “Vou comprar pra mim. Nunca tive na vida um livro com um protagonista negro. E mesmo hoje, que estudo Letras, nunca me senti autorizado a ser escritor”, disse.

Contei essa história para a Luciana Bento, professora, contadora de histórias e pesquisadora de literatura infantil, para quem também mandei o livro. Por ter duas filhas, ela tinha feito um levantamento de 100 livros infantis com protagonistas negras. “Você sabia que este é um dos pouquíssimos livros infantis que tem um protagonista negro que tem pai, mãe e avô?”, ela me disse. “Como assim?”, perguntei. Ela então me contou que em sua pesquisa sobre mulheres negras nos livros infantis tinha descoberto que, enfim, elas não estavam tão mal representadas – havia uma variedade grande de histórias e papéis para as meninas e mulheres negras.

Os meninos, em compensação, em sua esmagadora maioria começam suas histórias em posição marginalizada. Em geral são órfãos, vivem na rua, ou são paupérrimos e moram em favelas. Ao contrário do Cadu, não têm uma família funcional. Se o final da história é feliz, é porque o menino foi salvo por uma “fada madrinha” ou um patrocinador, que descobriu seu talento oculto ou resolveu ajudar por benemerência. Ou porque o menino se esforçou, catou latinhas, trabalhou em troca de moedas e assim construiu meritocraticamente seu futuro. Luciana concluiu sua análise dizendo: “Porque uma menina de 5 anos pedindo dinheiro na rua é vista como uma menina de rua. Mas um menino de 5 anos pedindo dinheiro na rua é visto como um futuro bandido”.

Isso é racismo estrutural. E entender essa lógica perversa que nos faz ceifar futuros por causa do tom de pele é cada vez mais urgente, para que possamos criar gerações de crianças que não estejam condenadas ao nascer e que não sejam vítimas dessa mentalidade ao longo de suas vidas. Para que não haja mais assassinatos como o de George Floyd e o de João Alberto Silveira Freitas, homem negro, que morreu após ter sido espancado até a morte por dois seguranças numa loja do Carrefour, às vésperas do feriado da Consciência Negra de 2020.

Lizandra Magon de Almeida, subeditora desta revista, também é proprietária da Editora Jandaíra, que publica livros infantis e adultos, entre eles a Coleção Feminismos Plurais, coordenada pela filósofa e ativista Djamila Ribeiro.

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