Dossiê 1: Disrupção

Sua organização é design-driven?

Fala-se muito em ser data-driven e, de fato, ter dados é crucial nos dias atuais. Mas está longe de bastar: a diferenciação no ambiente competitivo atual depende da inovação, a partir do design thinking. Mas isso não significa só um processo. Trata-se de ter uma organização inteira de pessoas com 11 competências-chave

Priscila Alcântara

Priscila Alcântara é gerente-sênior de design do CESAR, centro de inovação do Recife (PE). Colaboraram...

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*Selecione uma ou duas alternativas que mais representam sua organização hoje:
( ) Sabemos que não somos os usuários finais do nosso produto/serviço e que, nem sempre, nossos desejos e necessidades equivalem aos do nosso público. Por isso, buscamos adequar nossas entregas aos usuários finais e não a nós mesmos.
( ) Enxergamos a tecnologia como um meio de resolução de problemas e não como objetivo final do desenvolvimento do produto ou serviço.
( ) Temos o cuidado de não sobrecarregar as pessoas envolvidas no processo de desenvolvimento de soluções de ponta a ponta.
( ) Temos experiência em nosso segmento e sabemos o que precisa ser feito. Nossa equipe entende que sacrifícios são necessários para entregar o que foi definido pela gestão.*

Acredita-se cada vez mais que um fator crítico para o sucesso das organizações é a capacidade de conjugar eficiência e continuidade com o questionamento do status quo – primeiro passo para provocar saltos disruptivos.

Mas, de acreditar a implantar essa capacidade pode haver um abismo. Isso por pelo menos duas razões: (1) é bastante desafiadora a conjugação disso com continuidade e eficiência, e (2) ir além das boas ideias, o que é essencial, é bem mais difícil do que se pensa. (Ir além significa promover um ciclo de produção e validação, quando o produto/serviço é aceito no mercado e há retorno de investimento.)

Nós, do centro de inovação CESAR, acreditamos no uso permanente de métodos do design para uma organização alcançar esse elemento do questionamento e atingir o sucesso. É inerente ao design descobrir e redefinir problemas e, então, conceber soluções. Pelo design, estuda-se um conceito, para que, quando ele passe à fase de desenvolvimento, a proposta já esteja mais próxima da ideal, uma vez que já foi testada e validada.

Trata-se de um processo – assim como é processo, por exemplo, a linha de produção taylorista e outros tantos processos da gestão. Mas há uma grande, gritante, diferença: no centro d0s métodos de design têm de obrigatoriamente estar as pessoas – suas vivências, experiências, necessidades. Em outras palavras, é um processo, sim, mas colaborativo, com um olhar para o usuário e, mais que isso, com um olhar para questões do cuidado. Cuida-se das pessoas e também dos resultados econômicos, socioambientais e outros.

Nos últimos dois anos mapeamos as características que fazem uma organização ser design-driven. O mapeamento resultou em um teste, que você pode fazer em nosso site {[clique no link](https://livro-de-design.apps.cesar.org.br/)} e em um livro a muitas mãos.

Design thinking também não tem a ver só com jornada do consumidor; é o desenho de projetos, da corporação e de como suas ações trazem impactos à sociedade. O pensamento e os métodos do design são essenciais em um centro de inovação como o CESAR – que os empresta a clientes e parceiros – e em todas as empresas que querem inovar com mais naturalidade, que chamamos de “organizações design-driven”.

Estudos diversos confirmam que empresas consideradas inovadoras usam abordagens de design no dia a dia. Trata-se de uma forma de pensar e conduzir projetos que incentiva a atitude, promove a experimentação e impulsiona times e pessoas a expandir seus horizontes.

Chegamos, então, ao ponto crucial deste artigo: acreditamos que, mais do que o processo em si, uma organização só se torna design-driven se as pessoas e equipes tiverem um padrão de comportamento tal que se sintam impelidas de maneira natural a buscar novas oportunidades para a solução de problemas complexos.

## Processos versus pessoas
O ponto de partida para ser uma organização design-driven não é um processo linear de design ou uma receita que funcione para todos os tipos de desafios. O que diferencia as organizações design-driven é que nelas existem pessoas regidas por 11 habilidades-chave e uma liderança com características transformadoras, aberta à experimentação e disposta a estimular a contribuição dos times. Colocar em prática ferramentas, abordagens e métodos vem como consequência disso, tendendo a aumentar as chances de bons resultados.

É preciso colocar as coisas em perspectiva. Às vezes tendemos a comparar todos os processos de entrega com a linha de produção de uma fábrica, incluindo os processos de inovação. Há essa expectativa em muitas empresas para abordar inovação, quase sem querer, esquecendo que isso funciona para o que precisa escalar.

Embora se entenda que, em pesquisa e desenvolvimento, o foco é na inovação em si e a fase de escala vem só depois de avançar em experimentos, testes e entendimento, a liderança de uma empresa convencional muitas vezes já pensa na fase de escala. O líder da organização design-driven, não; ele lembra que, antes de escalar algo, aquilo precisa passar por uma fase de projeto, estudo e entendimento {veja quadro abaixo com as perguntas que ajudam nisso}.

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Milhões de doses de uma medicação revolucionária não são logo fabricadas em escala, certo? Passam antes por várias fases de experimentação. Nem um carro novo. Por que se gastaria tanto dinheiro em um produto cujo resultado ainda é incerto? E se tudo der errado? Faz mais sentido aprender com o erro perdendo pouco tempo e dinheiro do investimendo pesado.

Então, repassando, apesar de ser focada na entrega de soluções, uma organização design-driven não pode ser regida por processos. Nela, precisam contar as pessoas mais do que os processos. (Até por ser focada também no desenho e redesenho da própria corporação como uma contínua adaptação a mudanças de mercado.)

Uma analogia para esse tipo de organizacão não pode ser uma esteira de fábrica, portanto, e sim um espetáculo de música em sua apresentação de estreia. Existem músicos rigorosamente selecionados para que ele aconteça. E a composição e a curadoria geralmente passam por uma pessoa responsável pela condução da orquestra – um maestro ou maestrina vai direcionar, incentivar e colaborar para que toda a equipe de instrumentistas e de produção (cenário, figurino etc.) esteja empenhada em entregar um espetáculo excepcional ao público.

Semelhante a um espetáculo de música, de depende de músicos e entendidos em música, não há como entregar inovação pelo design sem ter designers e gente com cabeça de design na organização design-driven. E se na orquestra há o maestro, na organização design-driven há que ter uma liderança letrada em design, que abraça e admite a incerteza e a ambiguidade, que é ambidestra entre presente e futuro, e entre as doutrinas de custo e riscos da inovação. Na prática, as pessoas ali devem cultivar 11 características.

## Os 11 pilares
Agora vamos ajudar você a identificar do que é feita uma organização design-driven – de pessoas e de um contexto que tenha estes pilares:
__1. Empatia e alteridade ―__ Frases como “colocar-se no lugar do outro” têm sido ouvidas frequentemente nas organizações, mas pouco fala de alteridade. Esse termo da antropologia e visa reconhecer o outro com as suas diferenças no âmbito cultural e social. Empatia e alteridade entram no processo de trabalhar com diferentes pessoas, “aprender a escutar as outras e extrair o melhor das diferenças para de fato inovar”.
__2. Colaboração e diversidade ―__ É um dos mais importantes pontos de sucesso para qualquer iniciativa. A colaboração pode ser otimizada de várias modos e deve ser enriquecida com a diversidade, amplificando a capacidade inovadora com perspectivas diferentes.
__3. Abertura para o novo ―__ Observar, questionar e experimentar são os princípios-chave aqui. Tudo isso para pensar na jornada, que requer um ambiente de segurança e autonomia para as pessoas. É algo cultural.
__4. Conhecimento dos processos de design ―__ Uma organização design-driven assimila o processo de design como parte de sua cultura corporativa, trazendo valores direcionados ao humano em um contexto no qual designers e não designers tornam-se multiplicadores desses processos. Quais as vantagens da adoção transversal dos processos de design por organizações? A possibilidade de entender contextos e atuar sobre problemas.
__5. Cultura de experimentação ―__ Quando experimentar faz parte da cultura da empresa, novas soluções para problemas (os novos e os antigos) emergem das práticas difundidas e aplicadas no dia a dia. Experimentar faz as pessoas inventivas e engajadas.
__6. Orientação para autonomia ―__ Os benefícios para as pessoas correrem riscos devem ser sempre repetidos, bem como as demonstrações de confiança e apoio que recebem.
__7. Criatividade consciente ―__ A criatividade está intimamente ligada à arte, à experimentação e ao lúdico. Como acontece no contexto corporativo do mercado de trabalho? Em geral, restrições servem como ignição.
__8. Abertura para o risco ―__ “Sem risco não se faz inovação, e sem inovação corre-se o risco de ser extinto.” Esse mantra da tolerância ao risco é fundamental em uma organização design-driven e deve ser treinado; precede ferramentas e processos.
__9. Engajamento ―__ Responsabilidade da liderança, fruto de um ambiente de trabalho seguro e colaborativo, e cultura organizacional. Sempre o líder deve dedicar tempo a engajar os times das organizações em seus mais variados tamanhos e conformações.
__10. Disposição e determinação ―__ O design pode ser uma poderosa ferramenta para construir visões de futuro compartilhadas e promover produtividade. E isso leva à criação de um ambiente de grande disposição e determinação para novos desafios.
__11. Atitude questionadora ―__ Essa é uma parte importante da personalidade das pessoas que são ou atuam como designers. Não pode haver um limite para questionamentos (educados) dentro do desenvolvimento de um projeto, produto ou serviço.

__Leia também: [Não se ganha o jogo sem o modelo de negócio certo](https://www.revistahsm.com.br/post/nao-se-ganha-o-jogo-sem-o-modelo-de-negocio-certo)__

Artigo publicado na HSM Management nº 160.

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