Liderança, Cultura organizacional

Succession expõe lado sombrio do líder narcisista

Série proporciona reflexões perturbadoras sobre a transição de uma organização familiar conduzida por um gestor que não consegue desapegar do poder
É sócio-proprietário da Cedar Tree Family Business Advisors e da Consilium Family Office Advisros. Graduado em gestão de recursos humanos e mestrado em consulting and coaching for change pela INSEAD Business School, na França, trabalhou por mais de 20 anos como executivo no conglomerado de empresas de sua família. Especialista em governança Familiar e no desenvolvimento da família empresária, cursou diversos programas como parceria para o desenvolvimento do acionista-PDA e desenvolvimento de conselheiros-PDC, pela Fundação Dom Cabral-FDC. É certificado internacionalmente em Family Business advisor pelo Family Firm Institute-FFI, de Boston (USA). É fundador do Fórum Brasileiro da Família Empresária-FBFE.

Compartilhar:

A história de uma família empresária, dona de um império de mídia, cujo fundador beira a tirania. Esse é o enredo de *Succession*, [série de sucesso da HBO](https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/228193-succession-serie-hbo-max-por-que-tao-boa-critica.htm) que estreou em 2018 e está agora em sua terceira temporada. Aos 80 anos, Logan Roy insiste em se manter no poder. Mesmo diante da idade avançada e da necessidade de planejar sua sucessão, ele resiste em passar o bastão para os filhos – três homens e uma mulher –, mantendo a família e a empresa imersas num constante embate, numa atmosfera de disputas e ressentimentos.

O fundador consegue manipular sua prole, plantando a discórdia entre os irmãos, semeando a disputa nada ética pelo poder e manipulando os filhos com muito dinheiro e cargos que eles nunca assumiram. Há quem diga que a série foi inspirada na família Murdoch, dos EUA, outros veem pontos de contato com a peça *Rei Lear*, de Shakespeare.

Vencedora de nove prêmios Emmy, *Succession* coloca em evidência, e de forma perturbadora, a figura do líder narcisista, nos levando a muitas reflexões sobre o processo de sucessão familiar nas empresas familiares e como líderes narcisistas podem ter impacto tóxico no mundo corporativo, assunto já amplamente abordado pelo professor do Insead Manfred F.R. Kets de Vries, uma autoridade em comportamento organizacional.

A dinâmica entre o fundador e seus sucessores espelha um desafio comum a muitas empresas familiares: o desejo das novas gerações por mudanças e inovações versus o conservadorismo e o apego ao status quo da geração mais velha. Por isso é tão importante começar, desde cedo, a investir na capacitação dos herdeiros, eles assumindo ou não a gestão dos negócios. A preparação de um sucessor é uma tarefa árdua para qualquer empresa, mas nas organizações familiares essa iniciativa pode definir o futuro dos negócios.

## Mal do século

No artigo *O lado sombrio da sucessão do CEO*, de 1987, Kets de Vries afirma que a “percepção de que é preciso abrir mão do poder ameaça o desejo profundo de acreditar na própria imortalidade”. É exatamente o que se passa com o personagem Logan Roy. Mesmo enfrentando um problema grave de saúde, ele não consegue desapegar do cargo e entregar o comando do conglomerado que construiu aos herdeiros.

Para esses líderes, ter de passar o bastão é como ter de aceitar o próprio envelhecimento e lidar com a morte. Isso é difícil para todos, mas especialmente para narcisistas destrutivos. Como reação, eles se agarram ainda mais ao poder ao invés de planejar o processo sucessório, o que acaba sendo muito prejudicial para a empresa.

Outro motivo apontado para o CEO se recusar a entregar o poder é o medo de que o sucessor não dê continuidade ao legado, destruindo o que foi construído ao longo dos anos.

Sigmund Freud, em seus estudos, admitiu a existência de lado sombrio do narcisismo, que é a adoração exacerbada do eu. Pessoas narcisistas, segundo o pai da psicanálise, são muito desconfiadas e não conseguem criar vínculos emocionais saudáveis com outras pessoas.

## Líderes implacáveis

São líderes inflexíveis e que almejam sempre, acima de tudo e de todos, a vitória. Perder é um verbo que não faz parte do dicionário do líder narcisista e a série *Succession* retrata com nitidez essa característica em Roy Logan. Em uma cena, ao participar de um jogo com o neto, um menino de cerca de 8 anos, e perceber que vai perder, ele se sente ameaçado e parte literalmente para o ataque: agride fisicamente a criança.

Na condução dos negócios, gestores narcisistas destrutivos afastam os melhores colaboradores, pois não toleram o sucesso dos subordinados, sejam eles profissionais, sejam seus próprios filhos. Impedem o desenvolvimento de sua equipe e insistem em agir do seu próprio modo. De maneira geral, os líderes narcisistas têm dificuldades em lidar com as próprias emoções e são avessos às críticas.

Não é exagero dizer que o mal das organizações do século 21 são os líderes narcisistas, mas eles só são identificados quando estão no poder.

## Ambiente tóxico

Para Kets de Vries, um número significativo de executivos seniores têm algum tipo de transtorno de personalidade. A tese de mestrado de Fernanda Pomin, *Sobrevivendo à liderança narcisista*, apresentada ao Insead em 2019, traz alguns dados interessantes sobre isso. Segundo a autora, aproximadamente 1% da população se enquadra na categoria de psicopata e cerca de 3,9% dos profissionais que trabalham no mundo corporativo podem ser descritos como psicopatas.

Quando não é controlado, o narcisismo pode destruir a organização, além de abalar a moral de quem trabalha sob o comando desse tipo de liderança. Num ambiente tóxico, é natural que os subordinados de lideranças narcisistas se sintam desmoralizados e infelizes.

Sabemos que a longevidade de empresas familiares está diretamente ligada às relações familiares saudáveis, fundamentais para proporcionar mudanças verdadeiramente eficazes e positivas no empreendimento, ao longo do tempo.
Se por um lado, muitas empresas familiares não conseguem planejar uma transição suave por meio de uma gestão narcisista, por outro, são inúmeros os casos de grupos familiares que fizeram ou estão fazendo processos sucessórios bem-sucedidos, seja envolvendo os herdeiros ou uma gestão profissional.

*Gostou do artigo de Nelson Cury Filho? Confira conteúdos semelhantes [assinando nossas newsletters](https://www.revistahsm.com.br/newsletter) e escutando [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts) em sua plataforma de streaming favorita.*

Compartilhar:

Artigos relacionados

A ilusão que alimenta a disrupção

Em um ambiente onde o amanhã já parece ultrapassado, o evento celebra a disrupção e a inovação, conectando ideias transformadoras a um público global. Abraçar a mudança e aprender com ela se torna mais do que uma estratégia: é a única forma de prosperar no ritmo acelerado do mercado atual.

De olho

Liderança, ética e o poder do exemplo: o caso Hunter Biden

Este caso reflete a complexidade de equilibrar interesses pessoais e responsabilidades públicas, tema crucial tanto para líderes políticos quanto corporativos. Ações como essa podem influenciar percepções de confiança e coerência, destacando a importância da consistência entre valores e decisões. Líderes eficazes devem criar um legado baseado na transparência e em práticas que inspirem equipes e reforcem a credibilidade institucional.

Passa conhecimento

Incluir intencionalmente ou excluir consequentemente?

A estreia da coluna “Papo Diverso”, este espaço que a Talento Incluir terá a partir de hoje na HSM Management, começa com um texto de sua CEO, Carolina Ignarra, neste dia 3/12, em que se trata do “Dia da Pessoa com Deficiência”, um marco necessário para continuarmos o enfrentamento das barreiras do capacitismo, que ainda existe cotidianamente em nossa sociedade.

Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura
Empreendedorismo
A importância de uma cultura organizacional forte para atingir uma transformação de visão e valores reais dentro de uma empresa

Renata Baccarat

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Em meio aos mitos sobre IA no RH, empresas que proíbem seu uso enfrentam um paradoxo: funcionários já utilizam ferramentas como ChatGPT por conta própria. Casos práticos mostram que, quando bem implementada, a tecnologia revoluciona desde o onboarding até a gestão de performance.

Harold Schultz

3 min de leitura
Gestão de Pessoas
Diferente da avaliação anual tradicional, o modelo de feedback contínuo permite um fluxo constante de comunicação entre líderes e colaboradores, fortalecendo o aprendizado, o alinhamento de metas e a resposta rápida a mudanças.

Maria Augusta Orofino

3 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A Inteligência Artificial, impulsionada pelo uso massivo e acessível, avança exponencialmente, destacando-se como uma ferramenta inclusiva e transformadora para o futuro da gestão de pessoas e dos negócios

Marcelo Nóbrega

4 min de leitura
Liderança
Ao promover autonomia e resultados, líderes se fortalecem, reduzindo estresse e superando o paternalismo para desenvolver equipes mais alinhadas, realizadas e eficazes.

Rubens Pimentel

3 min de leitura