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Supply chain prêt-à-porter

A revolução digital traz muitas oportunidades relacionadas com a customização em massa. Para aproveitá-las, é preciso um novo modelo de cadeia de fornecimento, que empresas como Adidas, Nike, Mattel e Daimler já começam a adotar
ManMohan S. Sodhi é professor de gestão de operações e cadeia de fornecimento na Cass Business School, da City, University of London, Reino Unido. Christopher S. Tang é professor na Anderson School of Management, da University of California em Los Angeles, Estados Unidos.

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A mais recente onda da revolução digital está impactando o desenvolvimento do tradicional setor da manufatura. Graças ao surgimento de tecnologias como a impressão 3D, os fabricantes podem agora oferecer aos clientes produtos customizados a uma velocidade sem precedentes. 

Você ficou curioso em relação a um novo produto que viu em um vídeo no YouTube? Em breve, poderá personalizar seu artigo, encomendá-lo no site da marca e recebê-lo em sua casa em questão de dias. A tão prometida era da customização em massa chegou e, com ela, outro tipo de cadeia de fornecimento. 

Essa nova supply chain é rápida e sob medida. Em diversas categorias de produtos, as empresas convidam os consumidores a personalizar artigos e encomendá-los diretamente no site da marca. Os pedidos são processados velozmente em fábricas que usam a impressão 3D e robôs, localizadas perto dos clientes, e entregues pelos meios mais ágeis disponíveis. 

Embora o surgimento desse modelo inédito remeta à manufatura de produtos personalizados, presta-se a outros usos, como o da fabricação de artigos de baixa demanda. Os gestores ganham uma opção potencialmente mais eficiente, do ponto de vista de custos, para lidar com itens de volume de comercialização ultrabaixo, como peças para modelos descontinuados de qualquer produto. 

Essas cadeias também oferecem a promessa de uma inteligência de mercado inédita, por permitirem detectar, diretamente com os consumidores online, sinais de demanda por características específicas. 

Vale dizer que o desenvolvimento de uma supply chain rápida e sob medida também possibilita que a área de marketing trabalhe com maior variedade de produtos para atender a demandas de nichos e, assim, ampliar a chamada “cauda longa” da demanda, de modo a colher lucros adicionais desses mesmos nichos. 

Embora os custos unitários de fabricação nesse novo tipo de cadeia de fornecimento sejam maiores do que nos modelos tradicionais, o custo total por unidade pode ser reduzido com baixos níveis de demanda esporádica, porque os custos relacionados com estoque e transporte caem significativamente. 

Além disso, no caso de produtos customizados, os clientes têm se mostrado dispostos a pagar mais, algumas vezes bem mais, por artigos que eles mesmos configuraram. 

No entanto, esse cenário também coloca os fabricantes diante de novos desafios – em especial, o de integrar estrategicamente um modelo diferente de cadeia de fornecimento nas operações produtivas usuais. 

**O QUE MUDA**

Contar com o tipo certo de cadeia de fornecimento de base, que seja enxuta e eficiente em custos ou ágil e eficiente em prazos, é um objetivo bem compreendido pelos fabricantes. Trata-se de uma escolha que depende de os produtos serem commodities nas quais o custo é o que mais importa ou itens em que a agilidade de comercialização é essencial. 

Muitas empresas líderes de mercado dividem sua cadeia de fornecimento entre os dois tipos de produtos. Por exemplo, a Zara, varejista de roupas espanhola, produz na Europa seus artigos de moda para que sejam transportados rapidamente, por caminhão, e fabrica na China ou na Índia seus produtos comoditizados, fazendo o transporte de navio. Nos dois casos – o da logística ágil e o da logística enxuta –, as operações são em geral voltadas para otimizar a fabricação de produtos em estoque, feita com base em previsões. 

Cadeias de fornecimento rápidas e sob medida acrescentam uma terceira opção a esse cenário. Não há estoque feito com base em previsões, porque há demanda real, já encomendada. Como deve ser a logística? Ágil ou enxuta? 

**CASOS REAIS**

Algumas empresas de manufatura de atuação mundial já começaram a fazer experiências com esse novo tipo de cadeia de fornecimento, rápida e sob medida. 

**Adidas.** A marca de artigos esportivos oferece a possibilidade de os clientes personalizarem seus calçados na plataforma online Mi Adidas e construiu, para fazer isso, uma “speedfactory” (fábrica rápida) na Alemanha. A empresa já planeja abrir outras plantas do mesmo tipo em países do Ocidente. 

Desse modo, embora continue a produzir a grande maioria dos calçados por meio de terceirizados na Ásia, a Adidas quer que suas speedfactories sejam capazes de fabricar cerca de 1 milhão de pares customizados por ano, para atender a uma demanda de elevado padrão econômico nos países ocidentais. Com essas fábricas rápidas, a empresa planeja cortar significativamente o tempo entre o pedido do cliente e a entrega, para algo em torno de quatro dias úteis. Ou seja, se você personalizar e encomendar seus tênis dos sonhos na segunda-feira, vai recebê-los na sexta. Além disso, a Adidas pode monitorar a criação dos clientes pela internet e, se algumas características aparecerem com frequência, incorporá-las à cadeia de fornecimento tradicional. 

**Nike.** A Nike também oferece a possibilidade de customização, por meio de seu programa NikeiD, disponível em seu site. De acordo com o diretor de operações da empresa, Eric Sprunk, o plano é um dia permitir aos clientes entrar em uma loja da marca e sair de lá com tênis produzidos com a tecnologia de impressão 3D em horas. 

**Mattel.** No setor de brinquedos, a Mattel está levando a fabricação de artigos sob demanda diretamente para dentro da casa dos consumidores, com impressoras 3D do tamanho de um forno micro-ondas e um aplicativo de computador chamado ThingMaker – essencialmente disponibilizando às pessoas a própria cadeia de fornecimento rápida, sob medida e, além do mais, doméstica. 

Previsto para ser lançado até o fim deste ano, o pacote do aplicativo deve permitir que uma criança personalize brinquedos como dinossauros, robôs e bonecas para, em seguida, enviar um arquivo à impressora 3D. As diversas partes do brinquedo serão impressas, assim como tudo o que for preciso para que a criança monte o produto. 

Embora o objetivo da Mattel seja possibilitar que os próprios consumidores criem seus brinquedos, nada a impede de oferecer modelos que tenham saído de linha ou inovações em fase de testes para que eles os “fabriquem” em casa. 

A análise dos pedidos dos clientes também pode ajudar a Mattel, por exemplo, a identificar novas tendências de mercado e fazer apostas com maior margem de confiança ao decidir o que produzir para vendas em lojas. 

**Daimler.** A montadora alemã Daimler AG está experimentando fazer impressão 3D de peças em plástico para os caminhões Mercedes-Benz, independentemente da idade do modelo. Ao migrar essas peças de reposição para um modelo de produção sob demanda, a empresa não apenas reduziu seus estoques, como também passou a ter a possibilidade de aposentar um grande número de moldes e os respectivos equipamentos. 

Sem a limitação da estrutura já instalada, uma encomenda pode ser atendida na planta que estiver mais próxima do cliente, com o uso da tecnologia de impressão 3D. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/790f437f-2b30-476c-80a3-b2b6441d7b5e.jpeg)

**DESAFIO DA INTEGRAÇÃO**

Certamente, há barreiras a serem superadas para a implementação de uma supply chain rápida e sob medida como complemento às cadeias de fornecimento já existentes. 

Em primeiro lugar, as empresas devem estar certas de compreender se e como esperam se beneficiar de um projeto desse tipo. Por exemplo: para possibilitar a fabricação customizada e fazer itens de demanda ultrabaixa? Ou simplesmente para avaliar mudanças nos padrões de demanda dos consumidores bem mais antecipadamente do que hoje? 

A questão seguinte diz respeito aos investimentos adicionais. O custo direto de instalar uma estrutura de impressão 3D é mais baixo que os custos de capital associados à construção de uma fábrica tradicional. No entanto, pode emergir um significativo custo de aprendizado, relacionado com a adoção tanto de novas tecnologias como da nova supply chain. 

Outra barreira é operacional: as impressoras 3D, complementadas por equipamentos altamente flexíveis e automatizados, como os robôs, devem ser capazes de efetivamente produzir os artigos da empresa ou pelo menos alguns componentes que permitam uma montagem fácil e rápida. 

A Daimler no momento está disponibilizando peças de reposição de plástico, feitas em impressora 3D, mas não uma caixa de engrenagem, por exemplo. Vale lembrar, contudo, que esse é um obstáculo que tende a ter menor importância à medida que a tecnologia 3D for aprimorada. 

Por fim, a questão da distribuição é barreira também. Muitos fabricantes estão habituados a entregar seus produtos com baixo custo em longas distâncias, em um sistema em que a velocidade é uma preocupação menor. No caso desse novo tipo de supply chain, isso muda: as distâncias são curtas, o volume é baixo e a entrega deve ser rápida. 

A solução, para a maioria das organizações, é não ter uma logística de distribuição própria. Em vez disso, é possível “pegar carona” em alguma estrutura de e-commerce já existente e bem-sucedida, como a Amazon, ou terceirizar a tarefa para alguma companhia local de serviços de entrega. 

As barreiras não são desprezíveis, mas as empresas devem levar em conta as vantagens da revolução digital. Alinhar sua cadeia de fornecimento com essa onda pode trazer melhorias para o negócio atual, oportunidades de novos negócios e até novos modelos de negócio.

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