No lado de fora do centro de convenções Jacob Javits, em Nova York, onde o YouTube fará sua apresentação anual, a Brandcast, uma multidão de fãs se espreme, apesar do frio. Eles querem ver as estrelas do YouTube que transitam pelo tapete vermelho. No lado de dentro, 2,8 mil pessoas, entre criadores de vídeo e jornalistas, serão entretidas pelo mestre de cerimônias James Corden, apresentador do _The Late Late Show_, da rede CBS. A cantora Katy Perry fará um show, e Kevin Hart, estrela de um programa cômico do YouTube, aparece de surpresa.
No entanto, o ponto alto da festa é a fala de Susan Wojcicki, CEO do YouTube, que sobe sozinha ao palco, em um vestido roxo, para pedir desculpas. O fato é que, nos dois meses anteriores, a empresa havia se envolvido em uma controvérsia por ter exibido vídeos terroristas e racistas com anúncios – e remunerou os criadores desses vídeos odiosos. A AT&T, a Johnson & Johnson, a L’Oréal e 250 outros anunciantes suspenderam suas campanhas por isso.
A situação acalmou com a instalação de nova tecnologia de aprendizado de máquina para identificar melhor o conteúdo questionável, que gerou, segundo o YouTube, 500% de aperfeiçoamento em semanas. Além disso, aos profissionais de marketing foi oferecido controle mais refinado sobre onde suas mensagens seriam veiculadas. Outra providência foi permitir que terceiros auditassem onde os anúncios apareceriam.
Os anunciantes esperavam humildade do YouTube, e é isso que a CEO vem oferecendo. Contudo, ela também destaca como o canal difere da TV convencional, com vantagens. Enquanto esta é microgerenciada, altamente focada, o YouTube é autêntico e variado, um pouco anárquico. “Nós levamos muito a sério o papel que temos na defesa da liberdade de expressão”, diz Wojcicki. “Queremos que todas as vozes sejam ouvidas.”
A TV tradicional ainda conta com 1,25 bilhão de horas por dia de audiência nos Estados Unidos, mas a executiva afirma que as pessoas de 18 a 49 anos, que compõem o grupo mais suscetível aos anúncios, assistem mais ao YouTube em dispositivos móveis no horário nobre do que a qualquer emissora de TV. O serviço recentemente ultrapassou 1 bilhão de horas por dia de audiência no mundo.
O YouTube digital está no centro nervoso da evolução global do setor de entretenimento e publicidade, no momento exato em que a explosão do consumo de vídeos em plataformas móveis afeta a maneira como US$ 500 bilhões por ano são distribuídos entre TV, mídias digitais e outras mídias.
Para o Google, proprietário do YouTube, e para a Alphabet, empresa-mãe do Google, as metas são altas: o YouTube deve ser tão dominante em sua área como é o Google em display advertising e marketing de busca. O instituto eMarketer estima que o YouTube tenha faturado US$ 5,6 bilhões em anúncios em 2016, ou apenas 9% do Google, mas cerca de 30% mais do que no ano anterior.
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Wojcicki é conhecida por ser, ao mesmo tempo, determinada e decente, agressiva e calma. Desde que passou a atuar no Google, em 1999, ajudou a criar o AdWords, sistema que tornou o Google uma das mais eficientes máquinas de lucro. A executiva ainda teve visão e persistência para persuadir a empresa a comprar o YouTube em 2006 pela controversa soma de US$ 1,65 bilhão. Ela também foi providencial em 2007, quando o Google assumiu o controle da DoubleClick por US$ 3,1 bilhões, a jogada que levou a companhia para o negócio de display advertising. Ainda hoje Wojcicki fala do YouTube como se ele estivesse começando: “Nossa meta é continuar a fazer crescer essa tecnologia impressionante e torná-la disponível para todos ao redor do mundo, por todas as plataformas e para todos os criadores. Não é pouca coisa”.
**MANTER A IDENTIDADE**
Wojcicki instituiu a YouTube Friday em 2014. Trata-se de uma grande reunião com todos da empresa, que se tornou um ritual para encorajar a companhia a se tornar ainda mais fiel a si mesma. O YouTube é uma das raras startups que não foram destruídas pela corporação gigante que a adquiriu, mas, ainda assim, a executiva considera um desafio desenvolver uma marca ali dentro. O que Wojcicki procura é tirar o melhor do Google sem que seu pessoal perca a identidade YouTube. Ambas as empresas têm cultura formada por engenheiros de códigos e para eles, mas não são iguais; o YouTube também serve uma comunidade de criadores e empresas de mídia.
Para compreender suas necessidades, a CEO acredita que é preciso aprender a pensar como um artista ou como uma agência de publicidade. É por isso que são exibidos vídeos nas reuniões de sexta do YouTube e que elas terminam com um show de música. Talvez seja por essa razão que Wojcicki, mãe de cinco filhos, tenha arranjado tempo para ir ao Oscar e decidido contratar Susanne Daniels para capitanear o conteúdo original.
Daniels esteve à frente do desenvolvimento de programas para jovens, como a série _Dawson’s Creek_ e _Broke A$$_, um jogo da MTV. No YouTube, tem se dedicado a não deixar o talento da casa ir embora. Desenvolveu, por exemplo, espaços para youtubers como a comediante e rapper Lilly “IISuperwomanII” Singh e o grupo coreano pop Big Bang. O conteúdo premium é exibido pelo Red Service, a US$ 9,99 por mês. Em 2017, 30 novas série e filmes estreiam no Red.
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**VIRAR TV TAMBÉM**
Para a nova geração, YouTube, Amazon e Netflix são as novas ABC, CBS e NBC. A guerra pela audiência da noite agora acontece no YouTube. “As redes de TV perceberam que seu conteúdo está sendo assistido pelo YouTube, tenham elas programado isso ou não”, comenta Rich Raddon, CEO da Zefr, empresa de tecnologia de vídeo. Essa nova realidade inspirou a YouTube TV, um serviço de streaming em smartphones, tablets, computadores e TVs com mais de 40 canais, disponível a US$ 35 por mês.
Wojcicki lançou a YouTube TV em fevereiro em um evento nos estúdios de Los Angeles instalados para criadores de conteúdo. Na ocasião, ela declarou: “Não há dúvida de que a geração Y ama conteúdo televisivo de boa qualidade. Mas vimos que ela não quer assistir aos programas sentada na sala com a família, e sim da maneira como está acostumada a consumir o conteúdo da TV online”. Em outras palavras: como assiste pelo YouTube.
Os anúncios na YouTube TV ainda espelham o que se vê em uma emissora a cabo e não tiram vantagem do controle do usuário e dos diversos formatos de anúncio do YouTube. Para Wojcicki, o desenvolvimento da YouTube TV é apenas questão de tempo. Quando o assunto é monetizar o negócio, a executiva parece uma fundadora de startup: “Nosso foco é trazer os usuários para o YouTube, porque acreditamos que os anunciantes continuarão a vir, pois eles estão onde os usuários estão”.
Nenhuma iniciativa de publicidade do YouTube é mais importante do que o Google Preferred, que permite às empresas colocar anúncios nos 5% melhores vídeos do YouTube em categorias como beleza e moda, música e comédia, com base em um algoritmo que inclui audiência total e nível de paixão entre usuários. Graças a esse recurso, o YouTube pôde “negociar no mesmo patamar de redes de TV na última temporada de venda de espaço publicitário, em vez de ser chamado para conversar só depois de as negociações com TVs terem sido concluídas”, comenta Tara Walpert Levy, VP de soluções de mídia do Google.
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**MANTER OS CRIADORES**
O Google Preferred, contudo, não foi capaz de detectar aquele conteúdo racista e terrorista, risco que não existiria na TV convencional. “Isso desafia o modelo de negócio subjacente ao YouTube. Sua escala depende de comoditização e agregação, porém o que as marcas querem é qualidade e curadoria”, alerta Jason Kint, CEO da Digital Content Next, uma associação de editores online.
Essa controvérsia tornou mais obscura uma questão que Wojcicki ainda precisa resolver: manter sua comunidade de criadores feliz. Eles já se sentiram ofendidos em uma série de situações com o YouTube, mas agora temem desaparecer no esforço de fazer frente ao talento de Hollywood na concorrência pela atenção do público.
A empresa quer vídeos mais longos, em maior quantidade e mais frequentes. Seu algoritmo está recompensando esse tipo de conteúdo, especialmente quando os usuários respondem bem a ele. Como resultado, alguns youtubers sentem que o serviço está se voltando contra eles.
“Também não está sendo fácil para os criadores”, reconhece Wojcicki, que expandiu o apoio a eles por meio de recursos como o Community, que lhes permite compartilhar com seus seguidores conteúdo que não seja em formato de vídeo, e a ampliação das instalações de produção YouTube Spaces, que hoje são nove, uma delas em Mumbai, Índia.
“Temos de gerenciar esse delicado ecossistema de usuários, criadores e anunciantes”, avalia Wojcicki, garantindo que quer mesmo saber o que passa pela mente de seus criadores, até quando eles estão aborrecidos. Algumas vezes, os criadores “falam” com ela pelo Twitter; outras, um de seus filhos depara com alguma queixa deles e lhe conta. Além disso, há os fóruns de criadores. Um dia antes da Brandcast, houve um em Nova York.
Na sede do Google em Mountain View, Califórnia, onde Wojcicki trabalha uma vez por semana com vista para a montanha, há uma pequena escultura feita por sua filha de 9 anos com slogans como “A justiça é para todos”, “Não vá para trás, mas para frente” e “Vejo o futuro em seus olhos”. As altas expectativas perseguem Wojcicki em toda parte.