Dossiê HSM

Sustentabilidade e o efeito bola de neve

As responsabilidades ambientais, sociais e de governança devem entrar no dashboard das empresas tanto quanto na avaliação dos investidores. Saiba como essa mudança pode ser feita

Adriana Salles Gomes e Sandra Regina da Silva

A reportagem é de Adriana Salles Gomes e Sandra Regina da Silva, respectivamente editora-chefe e...

Compartilhar:

“Você sabe o que é ESG?”.
O assunto está “bombando”, na cena global e na local também. Toda semana se lança um site sobre isso, um podcast, um livro. Toda semana novos “produtos ESG” surgem na praça. Mas, recentemente, João Paulo Pacifico, CEO do Grupo Gaia, fez uma enquete no LinkedIn, a rede social que reúne o pessoal de empresas, com a pergunta acima. Qual não foi a surpresa ao ver que, dos 2.105 respondentes, 72% disseram não saber. Esse resultado não tem validade estatística, é claro. Mas nos faz pensar sobre a assimetria de informações e em seus efeitos.

ESG é um assunto muito sério. Envolve o destino da humanidade e um volume de dinheiro gigantesco, na casa do trilhão de dólares. Só para o leitor ter uma ideia, aqui vão três números: US$ 1 trilhão (o patrimônio de fundos com viés ESG no mundo, segundo dados da Morningstar no segundo trimestre de 2020), US$ 4,3 trilhões (o patrimônio de 2030 em projeção da PwC, que prevê crescimento do bolo de 26,8% ao ano) e US$ 30 trilhões (a quantidade de ativos relacionados direta ou indiretamente com alguma estratégia sustentável, conforme a XP Investimentos). No Brasil, apesar de estarmos ainda na casa do bilhão de reais – os 20 fundos existentes somam R$ 1 bilhão, de acordo com a Anbima –, esse é um montante que dobrou em um ano e meio.

ESG é uma filosofia que busca infiltrar critérios ambientais (E, em inglês), sociais (S) e de governança corporativa (G) em avaliações e decisões de negócios. Essas questões são discutidas há mais de 20 anos entre especialistas, mas, nos últimos cinco anos, ganharam outros contornos [veja cronologia na página 41].
Sonia Consiglio Favaretto, uma das especialistas com grande experiência em sustentabilidade, localiza a efervescência do assunto no Brasil principalmente em 2019 e 2020. Ela lembra que em 2019 aumentou bastante o interesse dos investidores brasileiros sobre o que as empresas estavam fazendo em sustentabilidade, em função do estouro da barragem da Vale, e as principais gestoras de fundos criaram áreas específicas para analisar investimentos com a lupa de ESG.

Em 2020, foi a vez de a pandemia acelerar o interesse geral em ESG, na visão de Gabriela Reis, professora-convidada da Fundação Dom Cabral em impacto para negócios. Segundo ela, estamos testemunhando a evolução de um arquétipo de empresa que prioriza a geração de valor para o acionista para outro que busca gerar valor para todos os envolvidos. Ou uma evolução do capitalismo de shareholder para o capitalismo de stakeholder. “Como gerar valor para mais gente aumenta a condição da empresa de superar crises, como a da pandemia, isso deu força aos argumentos pró-ESG em todo o mundo”, explica Reis.

“A pandemia mostrou ainda que não dá mais para dividir o mundo em caixinhas”, complementa Favaretto, que, entre outras funções, foi chair do conselho do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 por dez anos. A interdependência é uma das lógicas que regem o ESG, segundo a qual tudo o que acontece com seu vizinho pode afetar você também.

“A grande mudança é que os impactos passaram a ser vistos, a ponto de serem concretamente percebidos como um risco para os negócios”, afirma Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura. “Isso fez com que também o investidor não ativista começasse a puxar questões ambientais e sociais para dentro do parâmetro do risco e do advisory.”

Um dos mais influentes economistas do Brasil, Armínio Fraga, acredita que o movimento global de ESG veio para ficar e tem grande potencial para mudar, de fato, a face do capitalismo. “Com o tempo, está ficando claro que as pessoas buscam mais do que um salário nas empresas; há sinais de que empresas que cuidam melhor dos colaboradores e de seu entorno geram mais retornos”, analisa o ex-presidente do Banco Central do Brasil e sócio-fundador da Gávea Investimentos.
Entretanto, na visão de Armínio Fraga, o que estamos vendo acontecer é apenas o início de um longo caminho a percorrer, e mesmo as economias mais avançadas, mais adiantadas, ainda caminharão muito. Ele não arrisca um prazo para a mudança, porque requer transformações culturais, e essas são sempre desafiadoras. “Mas vejo a pressão para mudar vindo de dentro das empresas e também dos clientes”, acrescenta.

Favaretto considera que o boom de verdade ainda está por vir. “O que há hoje é uma surpresa para quem ainda não estava envolvido nessa agenda”, diz a especialista. Para ela, o boom acontecerá para valer quando as empresas em massa abraçarem a sustentabilidade em todas as vertentes ESG, entendendo realmente que não têm outra saída para a sobrevivência de seus negócios a não ser essa. Da Natura, como uma das empresas que já entendeu e abraçou a sustentabilidade, vem o exemplo da mentalidade que sustenta essa mudança. “No futuro, empresas que não gerirem seus impactos onde atuam não farão parte da sociedade local, nem serão escolhidas pelos investidores”, diz Hills.

## Compreendendo ESG
Respondendo mais profundamente à pergunta do LinkedIn, o que é ESG? O que tem de diferente em relação a outros conceitos que existiam antes, como o resultado triplo (ou triple bottom line, que previa resultados em três Ps, para o planeta, as pessoas e “profit”, lucro em inglês)? Como se distingue da responsabilidade social empresarial (RSE)? O que traz de novo em relação ao valor compartilhado? Os princípios dessas abordagens são parecidos; todas dizem respeito à sustentabilidade, a um capitalismo com consciência, a levar em conta os interesses dos diversos stakeholders. E o princípio de as ações socioambientais estarem no cerne dos negócios, em vez de serem iniciativas filantrópicas, já tinha sido contemplado ao menos pelo conceito de valor compartilhado.

A entrada maciça dos investidores – e de seu dinheiro – na partida está trazendo os jogadores para uma arena bem diferente, com novos parâmetros. Vamos tentar explicar isso por meio de quatro palavras-chave.

A primeira palavra-chave é “risco”, e é citada pelo investidor em cleantechs Carlos de Mathias Martins, que assina o segundo artigo deste Dossiê. “ESG é uma ferramenta para analisar o risco de destruição de valor de uma empresa”, comenta. Assim, investidores não começam a pensar em ESG para obter ganhos, mas para evitar perdas.

A segunda palavra-chave é “governança”, e quem chama a atenção para ela é Claudinei Elias, fundador e CEO da Bravo GRC, especialista que lida com o assunto diariamente há décadas. “No meu entendimento, é o G que está fazendo a diferença no ESG. Percebeu-se finalmente que as ações relativas a questões socioambientais não têm efetividade se não houver governança, por melhores que sejam as intenções dos respectivos gestores. É coletando dados dentro e fora da empresa, com os stakeholders, analisando-os e decidindo a partir deles que se consegue efetividade”, observa ele.

A terceira palavra-chave é destacada tanto por Martins como por Elias é “tecnologia”. “As tecnologias da revolução 4.0 são fundamentais para analisarmos risco. Computadores mais potentes conseguem simular risco ambiental mais rapidamente. As mídias sociais são um banco de dados gigante para políticas sociais”, afirma Martins. “Antes de termos tecnologias como data analytics e inteligência artificial, a governança era difícil, sujeita a falhas; hoje ficou possível fazer os controles e apoiar as decisões como se deve”, diz Elias.

A quarta palavra-chave é “objetivos”. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, conhecidos como ODS (ou SDG, em inglês), deram às empresas não só uma linguagem de impacto comum, como uma que lhes é familiar (a das metas). “Isso faz com que acabem direcionando suas ações de ESG pelos ODS”, afirma Reis. Como VP do Pacto Global no Brasil, Denise Hills afirma que os ODS funcionam como uma “to-do list” da humanidade. “Eu quase digo que os ODS serão os novos ESG.” Por causa das metas, há quem batize os anos 2020 como “a década da entrega”.

Vale ainda frisar que a natureza de ESG ainda é mal compreendida no mercado: ESG é uma cultura. Jamais um produto. Usamos a expressão “produtos ESG” no início deste artigo, você notou? Foi quase jocosa, mas o mercado a tem usado seriamente. “ESG não é produto, ESG é filosofia. Eu pensaria duas vezes antes de investir com uma gestora de fundos que separasse, no portfólio, produtos com e sem selo ESG”, afirma Fabio Alperowitch, da Fama Investimentos.

## O diagnóstico brasileiro
Qual o desempenho atual do Brasil corporativo nas letras ESG? Armínio Fraga faz uma avaliação positiva. Ele vê “uma evolução em ‘G’”, com marcos como a criação do Novo Mercado na bolsa de valores e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), e o fortalecimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Lei das SA (sociedades anônimas). “É mais que uma evolução, é uma revolução”, chega a dizer.

No que se refere ao “E”, Fraga destaca a Amazônia, que conta sistematicamente com o apoio de empresas, inclusive as do agronegócio – em contraste com o setor oficial. “E mais companhias vêm se preocupando com sua pegada de carbono.”
Já o “S” infelizmente tem uma presença mais difusa nas preocupações do meio corporativo, na avaliação de Fraga. Mas pelo menos há nas empresas discussões sobre desigualdades. “Na Gávea, temos procurado dar o exemplo, para as empresas da nossa carteira de private equity, e apontar caminhos relativos às três letras.”

Favaretto compartilha a visão de Fraga. Para ela, o setor privado, em geral, está bem avançado nos fatores ESG. “Hoje não tem nenhum movimento internacional dessas áreas em que o Brasil não esteja envolvido, e alguns deles nós até lideramos”, diz ela. Na opinião de Reis, o fato de o mundo estar olhando mais para o Brasil por conta de nossos escândalos de corrupção e tragédias ambientais ajudou – e muito – a fazer com que o ESG se fortalecesse nas empresas.

Alessandra Cardoso, executiva-chefe de investimentos e riscos de um grande fundo de pensão britânico, acredita, no entanto, que nossas empresas deveriam acompanhar mais de perto a mudança de leis que vem acontecendo na Europa, liderada pelo Reino Unido. Desde 2017, fundos de pensão e seguradoras sofrem uma cobrança crescente dos reguladores em relação aos relatórios de riscos ESG. “E o cerco vai se fechar muito mais em 2022, quando teremos de reportar também de acordo com o TCFD, que é muito rigoroso”, diz Cardoso. TCFD é a sigla em inglês para “força-tarefa pela transparência das finanças relativas ao clima”. Como a Europa tem a maior fatia do dinheiro de longo prazo do planeta, e investe nos quatro cantos, isso afetará empresas de todos os países. “É uma mudança que não poderia ser subestimada, mas talvez esteja sendo”, afirma.

O pior é que esse descompasso com a Europa não é o único problema das companhias brasileiras. A percepção do público em relação a elas também é bem diferente da de Fraga, Favaretto e Reis. Vale citar mais uma enquete de LinkedIn feita por Pacifico, do Gaia. A pergunta era: “Você acredita nas propagandas dos bancos e das corretoras quando dizem que se preocupam com você?”. Houve 3.865 respostas e 96% delas disseram “não”. De novo, não há validade estatística nesse levantamento, mas há um alerta. Ou algo está levando as pessoas a questionarem a veracidade da mensagem, ou as empresas não estão conseguindo transmitir o esforço feito. Por quê?

## Organização, cultura e práticas ESG
Muitos movimentos empresariais, quaisquer que sejam seus objetivos, são percebidos pelo público como feitos de fora para dentro. Tem-se a impressão de que a empresa lança primeiro a estratégia no mercado, para sentir a receptividade, e só depois se compromete a implementá-la dentro de casa, em profundidade. Com protótipos de produtos, isso faz total sentido. Mas, com iniciativas ESG, o “teste” costuma ricochetear. Sem ver ações concretas, as pessoas já decretam: “é marketing”.

Para inverter a direção, agindo de dentro para fora, é necessário ter uma organização de ESG específica e bem ativa, e alguma cultura ESG. Isso aumenta as chances de sucesso de uma estratégia e sua credibilidade externa. Tudo começa, portanto, com uma área de sustentabilidade na empresa. Se já existir uma, você não precisa mudar o nome para ESG. Talvez seja uma equipe atrelada a uma diretoria de relações institucionais (RI) ou compliance. Ou até a uma vice-presidência. Mas aqui há um ponto de atenção: se a palavra “sustentabilidade” não aparecer no nome da tal diretoria, ou vice-presidência, isso será interpretado pelos stakeholders como sinal de que a empresa não considera o tema relevante.

Boa parte dos departamentos de sustentabilidade existentes opera em torno de uma ferramenta de análise que identifica as questões socioambientais nas quais investir: é a matriz de materialidade da Global Reporting Initiative (GRI). Essa matriz ranqueia tópicos relevantes para cada grupo de stakeholders da companhia e os cruza com tópicos relevantes para os negócios. O que será priorizado? O que estiver no quadrante que reúne os maiores impactos para o stakeholder e os maiores impactos para o negócio.

Porém, com a entrada da governança corporativa em campo, dificilmente o fator-chave de sucesso da área se resumirá a uma matriz de materialidade bem-feita. Com os especialistas, listamos ao menos quatro: estrutura, pessoas, cultura e comunicação.

ESTRUTURA. Não há um tamanho ideal para o departamento de sustentabilidade; depende do porte da empresa e do setor em que atua. Na Natura global, por exemplo, Hills tem 16 reportes e 150 pessoas no total. “Mas é ideal que a área seja institucional e que se reporte a um executivo com real poder de decisão, como o CEO ou o vice-presidente de RI e sustentabilidade. Eu, por exemplo, me reportava ao presidente na B3”, diz Sonia Favaretto. A razão para essa linha de reporte é que o ESG tem de criar coisas que ainda não existem. Outro ponto crucial no desenho da estrutura é permitir que seus membros influenciem a empresa inteira, sem muros nem silos.

Esse departamento requer, obrigatoriamente, um líder 100% dedicado ao assunto, uma equipe diversa, métricas e orientação a dados, e orçamento, porque há muitos investimentos a fazer quando se conduz um esforço de gestão de mudança de médio e longo prazo.

O ideal é que o departamento de sustentabilidade tenha metas de desempenho claras, coletivas e individuais. E que os indicadores de monitoramento dessas metas sempre subam para o conselho de administração ou conselho consultivo, nas empresas que têm essa instância. Na Natura, acontece assim. “Integramos os indicadores, e os conselhos de administração e consultivo gerenciam as metas de acordo com nossa Visão 2030. Fazemos isso regularmente, como fazemos com as metas de Ebitda, investimentos etc.”, diz Denise Hills.

CULTURA. “ESG é uma agenda transversal, que perpassa todos os departamentos”, especifica Favaretto. Então, para a agenda ser efetiva, o ESG tem de se tornar uma cultura da empresa inteira. Para estar condicionando as decisões sem ninguém precisar pedir – ou supervisionar.

Uma organização em que ESG faz parte da cultura há tempos é a Natura, uma das companhias mais sustentáveis do mundo pelo ranking Global 100 da Corporate Knights e a maior certificada do sistema B. “Aqui não se cria nada primeiro para ver depois o impacto que terá; é o contrário”, diz Hills. “Todas as práticas e a lógica de sustentabilidade estão dentro do processo de decisão.”

E isso vale também para as metas da empresa. A meta da redução do nível de carbono que a Natura emite, por exemplo, é gerenciada por toda a companhia (pelas quatro marcas, na verdade – Natura, Avon, The Body Shop e Aesop). Quem vai decidir sobre distribuir um produto por avião, sobre usar uma embalagem reciclável ou sobre comercializar um produto num certo país sempre pondera antes sobre a emissão de carbono associada.

PESSOAS. Toda contratação para uma posição relacionada a ESG em empresas de maior porte ganha holofotes, como ocorreu quando a XP Investimentos contratou sua primeira head de “sustainable wealth”. A escolhida, Marina Cançado, fez carreira atuando com investimentos de impacto e com famílias empresárias – aliás, uma das apostas do setor é que herdeiros de empresas sejam grandes vetores de investimentos ESG em 2030.

Mas qual é o melhor perfil do líder de uma área de sustentabilidade na era ESG? Espera-se, em geral, um líder que consiga fazer suas análises “com orientação a dados”, mas que também “seja sensível às questões humanitárias”, como define Gabriela Reis.

De um lado, ficam mais relevantes as habilidades comportamentais. “A pessoa deve ter principalmente empatia, já que vive fazendo trocas com diferentes públicos, devendo gerar resultados para todos”, observa Reis. “E precisa ainda gostar de proximidade nas relações e ser capaz de gerenciar conflitos e negociar”, completa ela.

De outro lado, o líder deve ter uma visão ampliada do que são dados. Ele consome pesquisas e análises do tipo big data, mas não se restringe a isso. “Se há um projeto numa comunidade, ele tem que ir conversar com as pessoas dali para entender o que consideram valor”, afirma Reis. Conversas geram dados – “small data”.

Outras habilidades relevantes listadas pelos entrevistados são visão sistêmica, viés de inovação, disposição para (re)educar em ESG o maior número de pessoas possível e resiliência.

“É preciso educar as pessoas, dentro e fora da empresa, para mudar modelos de negócio, de pensamento, de produção e de consumo. Sempre falo que ninguém vai dormir com conceitos tradicionais de gestão e acorda sustentável”, diz Favaretto.
E como não se faz uma mudança da magnitude da cultura ESG do dia para a noite, conforme Favaretto enfatiza, o líder precisa saber lidar bem com frustrações. Dificilmente haverá um modelo que opere 100% sustentável, inclusive.

E a equipe de modo geral? Millennials e jovens da geração Z serão os primeiros a fazer fila, mas devem ter expertise técnica. A área, que costumava ser tachada de reduto de ambientalistas, agora é mais diversificada. Em formação, no entanto, o perfil sempre foi diverso e continua a sê-lo. Os entrevistados veem nela gente de relações internacionais, comunicação, biologia, economia, engenharia, administração…

Preocupar-se com o futuro faz diferença, mas ter um propósito de vida, nem tanto. Uma especialização ou pós em sustentabilidade tende a contar mais pontos para o departamento de sustentabilidade, bem como a sintonia com os grandes movimentos socioambientais mundiais e o conhecimento sobre riscos. [Os quadros acima detalham perfis profissionais ligados a ESG.]

COMUNICAÇÃO. Já dissemos que há um código comum nessa nova área de sustentabilidade, baseado nos ODS. Mas, na comunicação da área, interna como externa, há pontos que distinguem as melhores empresas em ESG das demais. Por exemplo, as melhores são aquelas que superam a linguagem dos trade-offs. Falar em abrir mão de algo, especialmente se esse algo for lucro, é ruim, porque afasta os executivos mais pragmáticos da área. “Sustentabilidade é sobre colocar tudo junto: o econômico, ambiental e social”, reforça Favaretto.

As melhores empresas também sabem conjugar o verbo “mudar” na comunicação. Alessandra Cardoso enfatiza isso: “Umas empresas só terão que excluir práticas ruins, outras vão ter que repensar todo o negócio para não morrer, mas o que todas terão de fazer são mudanças”, diz ela.

Um terceiro diferencial de comunicação é saber lidar com ESG em tempos de redes sociais. Nada simples. Quando estávamos quase terminando este texto, por exemplo, uma briga no Instagram entre um influenciador e Tallis Gomes, fundador da startup Singu, respingou na Natura. A empresa, que preza tanto por sua governança, foi acusada de conflito de interesses na compra da Singu, devido ao envolvimento do enteado de um acionista no negócio. Muito embora a startup, “um salão de beleza delivery”, se encaixe na estratégia da Natura, por causa de suas consultoras.

## Aplicação de “última milha”
Se o ESG está longe de uma capital como Porto Alegre, onde seguranças terceirizados de um supermercado multinacional batem num cliente negro até a morte, está mais longe ainda da realidade do interior do Brasil. Certo? Errado. Já há pelo menos um caso de implantação de “última milha” da filosofia ESG em nosso País. E é na Amazônia.

A protagonista é a Sicoob Credisul, cooperativa de crédito com R$ 2,6 bilhões de ativos, sediada em Vilhena (RO), que resolveu começar a educar em ESG seus cooperados, espalhados por Rondônia, Mato Grosso, Acre e Amazonas.

É claro que, sendo uma cooperativa, seu coração já estava no lugar certo do ESG, pois cooperativas devolvem os lucros aos cooperados ou os reinvestem – por exemplo, em hospitais. Mas, ainda assim, seu esforço de última milha foi grande, porque as pessoas envolvidas não tinham praticamente nenhum conhecimento de gestão. “Não é culpa delas. Atuamos em locais isolados, onde tivemos que instalar até energia elétrica”, diz Renato Doretto, dirigente da Sicoob Credisul.
O desenvolvimento de uma cultura ESG entre os cooperados amazônicos começou por identificar as boas práticas que eles já tinham, muitas vezes sem saber – para depois melhorá-las. Cinquenta empresas cooperadas (do total de 45 mil), de setores diversos, passaram por avaliação e quatro ganharam o selo “Sicoob Credisul Mais Consciente” como um reconhecimento de seu alinhamento com práticas sustentáveis. Na parte 2 da jornada, os cooperados ganham triplamente: há uma devolutiva detalhada da avaliação, uma mentoria nos pilares do capitalismo consciente e benefícios como desconto em operações de créditos e outros serviços da Credisul. A avaliação passa a ser feita todo ano, para que o esforço para manter o selo faça das práticas conscientes um hábito.

A avaliação é a mesma que qualquer empresa pode fazer, gratuitamente, no site do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB). Mede a qualidade das relações das empresas com seus diferentes stakeholders. “Com isso, entendemos o nível de maturidade das empresas em relação a suas responsabilidades e quais as necessidades de melhoria”, resume Pedro Paro, CEO da Humanizadas, consultoria que a desenvolveu.

O melhor de tudo, no caso da Sicoob Credisul, talvez seja o potencial efeito bola de neve em ESG. Os 44.996 cooperados ainda sem selo vão querer melhorar para ter as vantagens. E Doretto conta que deve incluir os produtores rurais da região na avaliação ESG de 2021, sobretudo os de porte médio. Problemas como queimadas e agrotóxicos, sabe-se, são mais associados ao médio produtor. O pequeno tem maior cuidado com o meio ambiente e o grande é fiscalizado pelos órgãos públicos.

## Como acelerar a transição
A filosofia ESG tem tudo para ser uma aliada poderosa na transição para um capitalismo mais consciente. Mas essa jornada pode ser mais difícil para uns do que para outros. Os praticantes do cooperativismo, por exemplo, levam vantagem. Como diz Enio Meinen, diretor de coordenação sistêmica e RI do Sicoob e conselheiro deliberativo do ICCB, “os pilares da filosofia empresarial do cooperativismo, como a universalidade de interesses, a sustentabilidade e a visão de longo prazo, se conectam com o capitalismo consciente”.

Bancos também ouviram o chamado. “Vivemos uma transição para uma economia verde, e acredito que seja um caminho sem volta”, afirma Amaury Oliva, diretor de sustentabilidade da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). A entidade vem se mobilizando para apoiar seus associados sobre o ESG.

Espera-se que esses movimentos coletivos acelerem o ESG. O Brasil está atrasado para 2030.

O SIGNIFICADO DE CADA LETRA

Environmental (ecoambiental)

Referente ao impacto ambiental da empresa, considerando eficiência energética, uso de recursos naturais, descarte do lixo, emissão de gases de efeito estufa que contribuem para a crise climática, ações em prol da biodiversidade etc.

Social

Tudo o que diz respeito a funcionários, fornecedores, clientes, comunidade e sociedade, incluindo segurança e diversidade no trabalho, relacionamento com as comunidades que vivem nas áreas em que a empresa tem operações, trato e apoio a fornecedores etc.

Governance
(Governança)

São as políticas
e práticas que regulam o
modo como uma
companhia é dirigida. Incluem questões diversas do conselho e direção executiva, como diversidade e remuneração, e também ética e combate à corrupção, metodologia de contabilidade, controles, alocação de capital etc.

UMA AVALANCHE DE FATOS

2016

Donald Trump é eleito presidente dos Estados Unidos após campanha marcada por agenda anti-ESG – desfazer políticas ambientais do presidente anterior, retirar os EUA do Acordo de Paris e criar muro para conter imigração mexicana.

2017

Investidores globais reagem às propostas do novo presidente norte-americano e cobram empresas por melhores práticas socioambientais e de governança.
No Brasil, é eleito Jair Bolsonaro, após campanha também marcada por agenda anti-ESG. Diferentemente do que ocorre nos EUA, a maior reação a seu posicionamento anti-ESG não vem inicialmente dos investidores, mas do mainstream da mídia, que passa a pautar questões socioambientais recorrentemente, não só em eventos extremos.

2019

Em janeiro, ocorre no Brasil o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o segundo a envolver a empresa em três anos, criando um trauma em seus investidores em bolsa. Em junho, dados sobre aumento do desmatamento na Amazônia alarmam o mundo. Em agosto, 181 CEOs, reunidos na Business Roundtable, divulgam manifesto afirmando que as empresas precisam ter responsabilidades além do próprio lucro. Em setembro, no litoral do Nordeste brasileiro, um misterioso vazamento de óleo atinge 1.004 localidades em 11 estados, segundo o Ibama, o que explicita a vulnerabilidade.

2020

Em janeiro, o Fórum Econômico Mundial prioriza as questões ambientais. Carta anual de Larry Fink convoca todos os investidores a rever os critérios para avaliar investimentos, incluindo ESG. Em março, a OMS declara que a Covid-19 é uma pandemia. Em meio a reações negacionistas, em julho, a ONU afirma que novas doenças zoonóticas podem vir, advindas da destruição ambiental. Enquanto a maioria dos governos lida com o impacto social do isolamento, notícias das queimadas no Brasil assustam.

CARREIRA EM ESG E…

Denise Hills é a diretora da área de sustentabilidade global da Natura, que abarca de México a França, de Colômbia aos Estados Unidos. Formada em administração, ela iniciou a carreira como trader do Citibank no final dos anos 1980 e, por duas décadas, trabalhou sobretudo com produtos financeiros, educação financeira e inovação. Sua jornada de ESG teve início em 2010, quando se tornou superintendente de sustentabilidade do Itaú-Unibanco. Sempre buscando formação complementar – em gestão integrada de sustentabilidade, estratégia, governança, liderança sustentável, riscos, chegou ao posto atual.
Hills está atenta à relevância, para o ESG, de atuar em rede. Presidiu a Rede Brasil do Pacto Global (2017-19), onde segue como VP; está entre os 12 membros do conselho da SDG Impact (comissão do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para abordar impactos); integra o conselho consultivo do World Resources Institute. No Brasil, é conselheira do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) e integra o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

… INFLUENCIADA POR ESG

Alessandra Cardoso é chief investment and risk officer de um grande fundo de pensão empresarial do Reino Unido, reportando-se ao board de trustees. Como a responsabilidade da brasileira é garantir que haja dinheiro para pagar as aposentadorias contratadas quando e enquanto isso for necessário, mitigar riscos é mais importante para ela do que o usual. Assim, o eixo do seu trabalho é a matemática, mas, em seu dia a dia, ela tem dedicado cada vez mais tempo e energia a questões ESG. Interage bastante com profissionais ESG dos gestores de recursos e empresas investidas, e participa de vários seminários e workshops a esse respeito.
Graduada em física, Cardoso iniciou a vida profissional dando aulas de física no ensino médio. Migrou para consultoria de riscos e, depois, em 2007, focou o mercado de fundos de pensão – como consultora (liderou a consultoria de investimentos na Towers Perrin) e internamente, construindo portfólio. Ao longo dos anos, ela fez especialização em modelagem matemática, para fortalecer suas habilidades de gestão de ativos e passivos de longo prazo, e MBA em gestão estratégica e de negócios.

Compartilhar:

Artigos relacionados

O novo sucesso que os RHs não estão percebendo

As novas gerações estão redefinindo o conceito de sucesso no trabalho, priorizando propósito, bem-estar e flexibilidade, enquanto muitas empresas ainda lutam para se adaptar a essa mudança cultural profunda.

Quem pode mais: o que as eleições têm a nos dizer? 

Exercer a democracia cada vez mais se trata também de se impor na limitação de ideias que não façam sentido para um estado democrático por direito. Precisamos ser mais críticos e tomar cuidado com aquilo que buscamos para nos representar.