Conteúdo exclusivo Singularity University

Tendências e modismos: o que isso tem a ver com seu cérebro?

A análise de tendências é uma capacidade única do ser humano de relacionar causas e consequências entre fatos ocorridos com grandes intervalos de tempo. No entanto, essa habilidade, que é uma vantagem evolutiva, também pode gerar vulnerabilidade
Neurocientista, doutora em Ciências pela USP. É professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. É palestrante e consultora, e integra o corpo docente da Singularity University no Brasil.

Compartilhar:

Uma habilidade essencial e que diferencia o ser humano de todas as outras formas de vida conhecidas no planeta é a sua impressionante capacidade de relacionar causas e consequências mesmo quando há um considerável intervalo de tempo entre as ocorrências. É isso que nos permite dizer, por exemplo, que a Semana de Arte Moderna de 1922, que celebra seu centenário este ano, foi uma importante influência da Tropicália, mesmo que os dois momentos estejam 50 longos anos distantes entre si.

Os animais não racionais, por sua vez, só podem se beneficiar dessas relações de causa e consequência caso as ocorrências sejam suficientemente próximas no tempo para que a relação seja facilmente percebida. É o que permite que um animal consiga prever a oportunidade de encontrar alimento a partir de padrões de movimentos ou cheiros, que não podem ser percebidos nem aprendidos se distarem muito tempo entre si.

Exatamente pela habilidade de enxergar padrões em acontecimentos dispersos no tempo e no espaço é que os humanos desenvolveram um recurso extremamente importante: a tendência. A análise de tendências nos permite planejar o futuro usando como balizadoras as ocorrências que possuem maior probabilidade de se concretizarem.

Mas o que parece ser uma vantagem evolutiva indiscutível para a humanidade também representa uma vulnerabilidade que precisa ser levada em conta. Para que as tendências sejam consideradas, é imprescindível que o padrão percebido já tenha alguma referência no passado. É fácil analisar tendências depois que elas se realizam. Atribuímos a um elemento específico e validamos. Podemos inclusive usar experimentos para testar hipóteses, mas nada disso elimina a fragilidade dessa avaliação, já que ela considera apenas padrões previamente conhecidos.
Uma sociedade que planeja e toma decisões baseadas apenas em tendências revela uma fragilidade que já foi largamente estudada por Nassin Taleb em seu livro Antifrágil.

## O cérebro não diferencia
Para a dinâmica funcional do cérebro, a análise de tendências é um recurso que o ser humano desenvolveu para lidar com as constantes incertezas. E os modismos são um efeito colateral disso. Diferentemente de algo que se torna realidade estável e pode servir de balizamento para tomadas de decisão, os modismos são filhos de tendências forçadas, estabelecidos com base em elementos enviesados. São comportamentos adotados por early adopters sem nenhuma garantia de sustentação e que, se não forem percebidos dessa forma, podem levar empresas bem estruturadas a investirem suas fichas em algo que não tem futuro.

A dinâmica funcional do cérebro não consegue diferenciar tendência de modismo. Mesmo quando uma tendência percebida não tem chance de virar uma moda real, os elementos que poderiam ser usados para essa análise não estão assim tão disponíveis.

Assim, as hoje tão faladas tendências do mundo pós-pandêmico e do universo tecnológico (assim como a exploração do metaverso) só existem no campo das probabilidades. Todas elas podem estar fadadas ao empobrecido mundo dos modismos, que se configura em ondas que só beneficiam aqueles que já estão surfando nelas. São modismos que vêm e vão justamente por serem baseadas em tendências pouco estruturadas e ricas em julgamentos enviesados.

Em geral, para dar peso a um dos pratos da balança e provocar o sucesso de uma tendência é necessário dispor de informações privilegiadas ou recursos. Justamente por isso é que muitas pessoas não se importam em lançar modismos, mesmo sabendo que poucos se aproveitarão disso e que recursos preciosos podem ser desperdiçados justamente por serem explorados de maneira irresponsável.

Isso acontece a todo momento. Vejamos o mercado de cursos gravados em vídeos e disponibilizados pelas famosas fórmulas de lançamento. Educação online é tendência. Modismo é dar status de autoridade em determinados assuntos a pessoas por meio de uma fórmula de comunicação que usa de persuasão e que rapidamente pode ser reconhecida (e rechaçada) como tal. Os que fazem da tendência um modismo ganham dinheiro – e vendem a fórmula para outro quando percebem que os resultados começarão a minguar. Resultado: uma tendência importante sofre descrédito.

Infelizmente, os modismos dificilmente sairão de moda. Como já explicamos, o processamento cerebral e os mecanismos de tomada de decisão são extremamente favoráveis a eles. Tão logo uma tendência percebida ganha corpo, o interesse em explorá-la procura vulnerabilidades existentes – dores a serem tratadas –, e aplica estratégias comerciais para acelerar sua adoção.

Um modismo só tem chance de vingar, porém, quando a tendência é tratada com superficialidade. Por isso, em breve, nos serão muito úteis mecanismos de análise de dados que não estejam limitados por nossa capacidade de processamento cerebral. (Talvez esse seja um dos principais recursos que a inteligência artificial nos oferece: nos proteger da nossa própria fragilidade de análise.) E, até lá, precisamos aprender a fazer perguntas mais profundas sobre tendências; só assim naufragaremos menos em modismos.

Compartilhar:

Artigos relacionados

O futuro dos eventos: conexões que transformam

Eventos não morreram, mas 78% dos participantes já rejeitam formatos ultrapassados. O OASIS Connection chega como antídoto: um laboratório vivo onde IA, wellness e conexões reais recriam o futuro dos negócios

ESG
Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia

Lilian Cruz

5 min de leitura
Liderança
Como a promessa de autonomia virou um sistema de controle digital – e o que podemos fazer para resgatar a confiança no ambiente híbrido.

Átila Persici

0 min de leitura
Liderança
Rússia vs. Ucrânia, empresas globais fracassando, conflitos pessoais: o que têm em comum? Narrativas não questionadas. A chave para paz e negócios está em ressignificar as histórias que guiam nações, organizações e pessoas

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Empreendedorismo
Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais

Manoel Pimentel

0 min de leitura
Gestão de Pessoas
Aprender algo novo, como tocar bateria, revela insights poderosos sobre feedback, confiança e a importância de se manter na zona de aprendizagem

Isabela Corrêa

0 min de leitura
Inovação
O SXSW 2025 transformou Austin em um laboratório de mobilidade, unindo debates, testes e experiências práticas com veículos autônomos, eVTOLs e micromobilidade, mostrando que o futuro do transporte é imersivo, elétrico e cada vez mais integrado à tecnologia.

Renate Fuchs

4 min de leitura
ESG
Em um mundo de conhecimento volátil, os extreme learners surgem como protagonistas: autodidatas que transformam aprendizado contínuo em vantagem competitiva, combinando autonomia, mentalidade de crescimento e adaptação ágil às mudanças do mercado

Cris Sabbag

7 min de leitura
Gestão de Pessoas
Geração Beta, conflitos ou sistema defasado? O verdadeiro choque não está entre gerações, mas entre um modelo de trabalho do século XX e profissionais do século XXI que exigem propósito, diversidade e adaptação urgent

Rafael Bertoni

0 min de leitura
Empreendedorismo
88% dos profissionais confiam mais em líderes que interagem (Edelman), mas 53% abandonam perfis que não respondem. No LinkedIn, conteúdo sem engajamento é prato frio - mesmo com 1 bilhão de usuários à mesa

Bruna Lopes de Barros

0 min de leitura
ESG
Mais que cumprir cotas, o desafio em 2025 é combater o capacitismo e criar trajetórias reais de carreira para pessoas com deficiência – apenas 0,1% ocupam cargos de liderança, enquanto 63% nunca foram promovidos, revelando a urgência de ações estratégicas além da contratação

Carolina Ignarra

4 min de leitura