Tecnologia e inovação

Transformação ou disrupção digital?

Os termos não são sinônimos e, assim como o ovo ou a galinha, quem nasceu primeiro não importa tanto. O importante é entender suas diferenças e aplicações práticas
Diretor de marketing digital e mídia da General Motors da América do Sul. Formado em publicidade e propaganda pela UFRJ e com um MBA em marketing pelo IAG-PUC-RJ, iniciou sua carreira na Infoglobo, foi trainee na C&A e teve sólidas passagens por empresas como Nike e ABInBev. Bruno é mestre em administração de empresas pela EAESP-FGV (MPA) e tem um canal no Youtube, o @MarketingFC, para falar de marketing, mídia e um pouco de futebol.

Compartilhar:

A recente crise desencadeada pela pandemia de Covid-19 em todo mundo fez com que empresas e líderes acordassem subitamente para a urgência do digital e do ecommerce. Isso fez a procura por termos como transformação e disrupção digital aumentar significativamente e dar ainda mais espaço para gurus coorporativos e palestrantes profissionais que, de maneira indiscriminada, usam os conceitos para vender palestras, workshops e consultorias.

Além de muitas vezes serem usados como sinônimos, o que é um equívoco, a transformação e a dirupção digital são alvos de dilemas como o do ovo ou da galinha. Na prática, quem nasceu primeiro não importa tanto. O importante é que se entenda suas diferenças e aplicações práticas, a fim de minimizar os riscos para o seu negócio.

## Um pouco de história

No livro “Unlocking the customer value chain” de 2019, Thales Teixeira e Pixeiota publicaram estudos sobre disrupção digital em cima do conceito de decoupling (desintermediação ou desacoplamento) da cadeia de valor em mercados de empresas tradicionais. Os autores exploram movimentos evolutivos que o digital trouxe, influenciando a maneira como consumidores e empresas interagiam entre si.

A evolução dos conceitos estabelecidos por Teixeira e Peixota no livro, ocorre desde o início da internet. Entre 1995 e 2005, iniciaram-se os estudos, e o resultado foi observado em três movimento:

1º – Denominado de desagregação, onde o consumidor, por exemplo, passou a poder comprar uma música apenas, em vez de um CD inteiro de uma banda.

2º – Emergiu no final de 1999 com o surgimento do ecommerce e foi chamado de desintermediação, que trata da quebra da regra de que apenas varejistas poderiam servir consumidores e indústrias, oferecendo aos consumidores a possibilidade de comprar diretamente de quem produz.

3º- E bem mais recente, veio o “decoupling” (desacoplamento), onde produtos e serviços passaram a ser separados de uma maneira a valorizar aquilo que cria mais valor para o consumidor. Um exemplo é o da Netflix que eliminou comerciais e a espera por um horário marcado (fricção) para ver seus programas e filmes favoritos, mantendo apenas o que gera valor ao consumidor, com foco na experiência.

Com esta definição fica mais fácil chegar a uma resposta à pergunta do título. A transformação digital é um fenômeno que empresas tradicionais precisam passar, para reagir ou até mesmo evitar, a disrupção digital.

## O conceito na prática

Eliminando a necessidade de alocar enormes quantidades de capital para usufruir dos benefícios do produto, um exemplo do conceito do decoupling é o da Zipcar, também citado no livro de Teixeira e Pixeiota – “A Zipcar, como discutido anteriormente, e outras empresas de locação de veículos sob demanda, como CarShare e Gig da Enterprise, oferecem aos motoristas acesso a um carro sem a necessidade de contratos e reservas. Os preços da Zipcar são razoáveis por curtos períodos, digamos, algumas horas.”.

As empresas tradicionais, que entenderam os movimentos, passaram a buscar maneiras de reagir. Outras, que optaram por combater o novo entrante com as mesmas armas de sempre, viram seus negócios minguarem até serem vendidas ou encerradas. Fato é que as grandes corporações foram pressionadas a investir tempo e dinheiro também em novos negócios e a combater a disrupção em vários segmentos de negócio. O professor de Harvard e pesquisar Sunil Gupta explora o tema em seu livro “Driving digital strategy” onde demostra como as grandes empresas tradicionais têm investido na tentativa de combater a disrupção.

A gigante de bebidas AmBev, por exemplo, fundou em 2015 a ZX Ventures para explorar o mercado de ecommerce, modelos digitais e cervejas artesanais. Dessa iniciativa surgiu o aplicativo Zé Delivery, em que tive o prazer de participar do time que fez seu lançamento. Com o app, o consumidor pode receber cerveja gelada em sua casa em 30 minutos, entregue pelo bar mais próximo.

Já a Unilever comprou a Dólar Shave Club, um serviço de entrega recorrente de produtos de barbear, e manteve sua operação 100% apartada a fim de ter uma startup dentro de sua operação. Outro exemplo foi o que fez a General Motors ao investir na Maven, aplicativo de car sharing nos EUA, que ganhou uma área dedicada dentro da companhia em Detroit.

## Tecnologia X Disrupção

“Promover mudanças em uma organização grande e estabelecida nunca é fácil, mas é ainda mais difícil diante da tecnologia em rápida evolução e dos emergentes modelos de negócios que criam enormes incertezas para o futuro. Diferentemente das startups, as empresas têm tecnologias herdadas e possuem ativos que não podem ignorar e acionistas que exigem lucros”, é o que afirma Gupta sobre a relação entre tecnologia e disrupção.

Um estudo do MIT divide as empresas tradicionais em quatro categorias: fraca, média, semi-inovadora e inovadora de acordo com a intensidade com que elas reagem e ao nível de investimento que estas têm em tecnologia em relação a estes novos competidores. Neste modelo, apenas 16% das empresas são classificadas como inovadoras e aptas a reagir a um processo de disrupção.

Porém, o estudo também reforça que nem sempre a transformação digital vai gerar um novo concorrente, mas que esta pode mudar a maneira como o consumidor se relaciona com sua marca, seu produto e principalmente a sua jornada de compra.

Exemplos do setor de mídia impressa, por exemplo, podem ser explorados, demostrando como um serviço (classificados) ainda era desejado e buscado pelo consumidor, porém era necessário mudar o canal onde este era oferecido.

A inabilidade de jornais impressos de reagir a esse novo comportamento fez com que eles permitissem que novos entrantes dominassem o mercado de classificados online (Zap Móveis, OLX, Craiglist dentre outros) e, assim, iniciassem o processo de falência ou de diminuição de boa parte da indústria de jornais e revistas tradicionais e impressos.

## Concluindo

Ou seja, o ovo, a galinha, o galinheiro, até mesmo seu ovo mexido do café da manhã, pouco importa. A ordem dos fatores, neste caso, faz a soma ser realmente afetada, principalmente pela velocidade e pela cultura de inovação da sua empresa.

A Covid-19 chegou e, se tudo der certo, vai passar. Porém, os efeitos que ela vai deixar no consumidor, estes não passarão. Adaptar seu modelo de negócio é essencial para o futuro, que será mais digital, centrado no mobile e com muita demanda por serviços mais transacionais no meio digital.

Ou seja, se sua empresa está adiantada no processo, uma oportunidade se abre para “disruptar” seus concorrentes por meio do digital. Caso contrário, transforme-se urgentemente e comece já a inovar.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Competitividade da Indústria Brasileira diante do Protecionismo Global

A recente vitória de Donald Trump nos EUA reaviva o debate sobre o protecionismo, colocando em risco o acesso do Brasil ao segundo maior destino de suas exportações. Porém, o país ainda não está preparado para enfrentar esse cenário. Sua grande vulnerabilidade está na dependência de um número restrito de mercados e produtos primários, com pouca diversificação e investimentos em inovação.

Mercado de RevOps desponta e se destaca com crescimento acima da média 

O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Uso de PDI tem sido negligenciado nas companhias

Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Regulamentação da IA: Como empresas podem conciliar responsabilidades éticas e inovação? 

A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Governança estratégica: a gestão de riscos psicossociais integrada à performance corporativa

A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Inteligência Artificial
Marcelo Murilo
Com a saturação de dados na internet e o risco de treinar IAs com informações recicladas, o verdadeiro potencial da inteligência artificial está nos dados internos das empresas. Ao explorar seus próprios registros, as organizações podem gerar insights exclusivos, otimizar operações e criar uma vantagem competitiva sólida.
13 min de leitura
Estratégia e Execução, Gestão de Pessoas
As pesquisas mostram que o capital humano deve ser priorizado para fomentar a criatividade e a inovação – mas por que ainda não incentivamos isso no dia a dia das empresas?
3 min de leitura
Transformação Digital
A complexidade nas organizações está aumentando cada vez mais e integrar diferentes sistemas se torna uma das principais dores para as grandes empresas.

Paulo Veloso

0 min de leitura
ESG, Liderança
Tati Carrelli
3 min de leitura
Gestão de Pessoas, Liderança, Times e Cultura
Como o ferramental dessa ciência se bem aplicado e conectado em momentos decisivos de projetos transforma o resultado de jornadas do consumidor e clientes, passando por lançamento de produtos ou até de calibragem de público-alvo.

Carol Zatorre

0 min de leitura
Gestão de Pessoas, Estratégia e Execução, Liderança, Times e Cultura, Saúde Mental

Carine Roos

5 min de leitura