Dossiê HSM

Troque o corte de custos pelo turnaround

A mentalidade de reestruturação pode ser a melhor saída para as finanças corporativas atualmente
Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management.

Compartilhar:

O episódio se repete: sempre que se deflagra uma crise, as empresas começam a programar corte de custos de imediato, sem a devida análise do que de fato será impactado. Em outras palavras, não há um planejamento bem estruturado.

Essa constatação é feita por Pedro Guizzo, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, consultor e autor do livro Turnarounders. Como ele diz, em um momento de crise, não dá para ignorar que a empresa precisa sobreviver no curtíssimo prazo. “Infelizmente, não dá para ser idealista e não abrir mão de alguns sonhos, tomando medidas para garantir a sustentabilidade e o futuro. Mas também não pode não ter sonho algum, perder a perspectiva de construir algo para o futuro, senão não consegue trazer o melhor das pessoas.”

Na atual crise, muitos gestores perderam o sono e os sonhos, mas o comportamento empresarial foi melhor do que o usual, conforme Guizzo. Estabeleceram-se prioridades sobre onde economizar – primeiramente negociando dívidas, depois atacando os gastos recorrentes. “Algumas empresas demoraram mais do que deveriam para lidar com esses gastos recorrentes, é verdade, mas isso não se deu necessariamente por má gestão. Todos demoramos a perceber a extensão da crise – ninguém imaginava uma segunda e uma terceira onda da pandemia, ou isolamento este ano”, diz.

Ainda assim, adotar uma mentalidade de reestruturação – ou turnaround, como o processo é conhecido –, e não de corte de custos, pode ajudar o gestor a planejar com precisão e a manter sonhos.

### Não é para cortar; é para rebalancear

“O mercado ainda enxerga o turnaround como o corte de tudo, do cafezinho aos benefícios, e de sair dando calote em fornecedor e credor. Não é por aí. É um trabalho de reequilibrar a saúde daquele ser vivo que é uma empresa”, explica Guizzo. Prova disso é que os melhores programas de turnaround demitem pessoas de um lado, mas contratam de outro.

Uma reestruturação costuma começar com um trabalho de diagnóstico de caixa em toda a empresa, durante duas semanas. “Identificamos onde estão os principais vazamentos de caixa, os desperdícios”, diz o especialista.

As questões relativas a pessoas só vêm depois – erram as empresas que começam por elas. Em geral, são descobertas áreas, e não pessoas, que não agregam valor de modo imediato e estas devem ser fechadas – “é aquele departamento de prevenção de vendas, que faz tudo para não vender”. Já as áreas que trazem valor rapidamente são reforçadas. Pode haver demissões na primeira e contratação nas segundas, e/ou transferência de talentos de umas para as outras. “O importante é garantir que as pessoas certas estejam nos lugares certos, e ajustar os incentivos.”

![11. [Imagem] 11. Troque o corte de custos pelo turnaround](//images.contentful.com/ucp6tw9r5u7d/5lZ1sxK4V8Gi5AUlJ92IOi/d9208b05c98b82eac80ca6f83406a433/11._-Imagem-_11._Troque_o_corte_de_custos_pelo_turnaround.png)

Um dos capítulos seguintes diz respeito aos fornecedores. Um dos maiores erros é crer que é preciso economizar ao máximo com todos os fornecedores. “Não dá para sair apelando com esses stakeholders, especialmente os muito sensíveis para o negócio; isso pode significar um risco grande demais”, diz o professor da FGV. Ele cita como exemplo de risco o episódio que culminou com a morte de João Alberto Silveira Freitas por seguranças terceirizados no Carrefour em Porto Alegre, em novembro do ano passado. Outro caso que serve de alerta é o de baratear serviços de manutenção preventiva, o que pode levar a tragédias como os dos estouros de barragem da Vale em Brumadinho e Mariana (MG).

Quando a escassez de caixa é muita, no entanto, a empresa pode ter de escolher entre pagar salários ou fazer manutenção, segundo Guizzo. É fundamental fazer a análise de riscos para dar suporte a essa decisão. Mas, independentemente disso, “os líderes da empresa têm de ser capazes de responder por suas escolhas e de lidar com as consequências”. A liderança, inclusive, é chave para um turnaround ser bem-sucedido, na visão de Guizzo. “Faz-se a liderança de exemplo. Ela pode gerar um comportamento social e uma cultura inadequados. Ou inspirar o comportamento e a cultura certos”, diz ele. Se os líderes não estiveram dispostos a se transformar no processo, a vulnerabilidade é imensa.

### Mais maturidade

É preciso festejar a maturidade das empresas, confirmada pelas estatísticas de inadimplência. O índice, que atingiu o ápice em março de 2020, com quase 6,3 milhões de empresas inadimplentes, caiu no decorrer do ano passado, e fechou com 5,8 milhões com contas atrasadas, segundo a Serasa Experian. Ainda que tenha voltado a subir em 2021, com 5,9 milhões de empresas nessa situação em março, não foi o cenário ruim que se projetava. “Não vimos o aumento exorbitante de pedidos de recuperação judicial previsto”, afirma Guizzo. Para ele, isso é resultado da maturidade dos agentes devedores e, principalmente, dos credores. “As partes se sentaram e negociaram, o que não acontecia uma década atrás. Isso é um aspecto positivo.”

Em 2020, as empresas ganharam fôlego com iniciativas do governo como o auxílio emergencial e o Benefício Emergencial (BEm), que permitiu acordos de redução de salários (com o governo bancando a diferença para o trabalhador), e o controle dos juros. Mas, mesmo com menos ajuda, a situação atual é melhor que a de 2020. De janeiro a maio, houve 388 pedidos de recuperação judical, ante 471 no mesmo período de 2020 [veja gráfico acima]. É o amadurecimento financeiro.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)