O episódio se repete: sempre que se deflagra uma crise, as empresas começam a programar corte de custos de imediato, sem a devida análise do que de fato será impactado. Em outras palavras, não há um planejamento bem estruturado.
Essa constatação é feita por Pedro Guizzo, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, consultor e autor do livro Turnarounders. Como ele diz, em um momento de crise, não dá para ignorar que a empresa precisa sobreviver no curtíssimo prazo. “Infelizmente, não dá para ser idealista e não abrir mão de alguns sonhos, tomando medidas para garantir a sustentabilidade e o futuro. Mas também não pode não ter sonho algum, perder a perspectiva de construir algo para o futuro, senão não consegue trazer o melhor das pessoas.”
Na atual crise, muitos gestores perderam o sono e os sonhos, mas o comportamento empresarial foi melhor do que o usual, conforme Guizzo. Estabeleceram-se prioridades sobre onde economizar – primeiramente negociando dívidas, depois atacando os gastos recorrentes. “Algumas empresas demoraram mais do que deveriam para lidar com esses gastos recorrentes, é verdade, mas isso não se deu necessariamente por má gestão. Todos demoramos a perceber a extensão da crise – ninguém imaginava uma segunda e uma terceira onda da pandemia, ou isolamento este ano”, diz.
Ainda assim, adotar uma mentalidade de reestruturação – ou turnaround, como o processo é conhecido –, e não de corte de custos, pode ajudar o gestor a planejar com precisão e a manter sonhos.
### Não é para cortar; é para rebalancear
“O mercado ainda enxerga o turnaround como o corte de tudo, do cafezinho aos benefícios, e de sair dando calote em fornecedor e credor. Não é por aí. É um trabalho de reequilibrar a saúde daquele ser vivo que é uma empresa”, explica Guizzo. Prova disso é que os melhores programas de turnaround demitem pessoas de um lado, mas contratam de outro.
Uma reestruturação costuma começar com um trabalho de diagnóstico de caixa em toda a empresa, durante duas semanas. “Identificamos onde estão os principais vazamentos de caixa, os desperdícios”, diz o especialista.
As questões relativas a pessoas só vêm depois – erram as empresas que começam por elas. Em geral, são descobertas áreas, e não pessoas, que não agregam valor de modo imediato e estas devem ser fechadas – “é aquele departamento de prevenção de vendas, que faz tudo para não vender”. Já as áreas que trazem valor rapidamente são reforçadas. Pode haver demissões na primeira e contratação nas segundas, e/ou transferência de talentos de umas para as outras. “O importante é garantir que as pessoas certas estejam nos lugares certos, e ajustar os incentivos.”
![11. [Imagem] 11. Troque o corte de custos pelo turnaround](//images.contentful.com/ucp6tw9r5u7d/5lZ1sxK4V8Gi5AUlJ92IOi/d9208b05c98b82eac80ca6f83406a433/11._-Imagem-_11._Troque_o_corte_de_custos_pelo_turnaround.png)
Um dos capítulos seguintes diz respeito aos fornecedores. Um dos maiores erros é crer que é preciso economizar ao máximo com todos os fornecedores. “Não dá para sair apelando com esses stakeholders, especialmente os muito sensíveis para o negócio; isso pode significar um risco grande demais”, diz o professor da FGV. Ele cita como exemplo de risco o episódio que culminou com a morte de João Alberto Silveira Freitas por seguranças terceirizados no Carrefour em Porto Alegre, em novembro do ano passado. Outro caso que serve de alerta é o de baratear serviços de manutenção preventiva, o que pode levar a tragédias como os dos estouros de barragem da Vale em Brumadinho e Mariana (MG).
Quando a escassez de caixa é muita, no entanto, a empresa pode ter de escolher entre pagar salários ou fazer manutenção, segundo Guizzo. É fundamental fazer a análise de riscos para dar suporte a essa decisão. Mas, independentemente disso, “os líderes da empresa têm de ser capazes de responder por suas escolhas e de lidar com as consequências”. A liderança, inclusive, é chave para um turnaround ser bem-sucedido, na visão de Guizzo. “Faz-se a liderança de exemplo. Ela pode gerar um comportamento social e uma cultura inadequados. Ou inspirar o comportamento e a cultura certos”, diz ele. Se os líderes não estiveram dispostos a se transformar no processo, a vulnerabilidade é imensa.
### Mais maturidade
É preciso festejar a maturidade das empresas, confirmada pelas estatísticas de inadimplência. O índice, que atingiu o ápice em março de 2020, com quase 6,3 milhões de empresas inadimplentes, caiu no decorrer do ano passado, e fechou com 5,8 milhões com contas atrasadas, segundo a Serasa Experian. Ainda que tenha voltado a subir em 2021, com 5,9 milhões de empresas nessa situação em março, não foi o cenário ruim que se projetava. “Não vimos o aumento exorbitante de pedidos de recuperação judicial previsto”, afirma Guizzo. Para ele, isso é resultado da maturidade dos agentes devedores e, principalmente, dos credores. “As partes se sentaram e negociaram, o que não acontecia uma década atrás. Isso é um aspecto positivo.”
Em 2020, as empresas ganharam fôlego com iniciativas do governo como o auxílio emergencial e o Benefício Emergencial (BEm), que permitiu acordos de redução de salários (com o governo bancando a diferença para o trabalhador), e o controle dos juros. Mas, mesmo com menos ajuda, a situação atual é melhor que a de 2020. De janeiro a maio, houve 388 pedidos de recuperação judical, ante 471 no mesmo período de 2020 [veja gráfico acima]. É o amadurecimento financeiro.