O aumento do preço dos alimentos nos últimos meses entrou mais uma vez na pauta cotidiana dos brasileiros. De modo habitual, o acréscimo na precificação trouxe a já conhecida polarização do setor, que justifica o aumento da maneira que melhor lhe convém.
Alguns dizem que a elevação de preço se deve ao aumento do poder de compra de uma população mais carente e que recebeu o auxílio emergencial. Sim, infelizmente esse argumento tem um fundo de verdade e revela como temos pessoas que ainda não possuem o mínimo para se alimentar.
Outros afirmam que as restrições impostas por prefeitos e governadores explicam o aumento, e que quem defende o isolamento agora não tem direito de reclamar sobre a alta do preço.
Sim, isso pode ter tido algum reflexo, mas acredito que muito pequeno, até porque o produtor de alimentos foi considerado atividade essencial, e com isso pôde se locomover, produzir, comprar e comercializar naturalmente, seguindo alguns cuidados básicos. A indústria de alimentos também não parou, apenas em casos de contaminação de Covid-19 dentro de estabelecimentos.
Por outro lado, um impacto significativo que podemos acompanhar é a forte demanda de países por produtos alimentícios, principalmente a China que está demandando produtos variados e ficou preocupada com o risco de desabastecimento. Vale acrescentar que a nação mais populosa da Ásia Oriental tem investido suas reservas em um grande estoque de alimentos.
Como a alta do dólar tornou o mercado internacional muito favorável aos produtores brasileiros, acredito que esta justificativa seja a mais plausível e, na prática, é a resposta que mais impacta no preço dos alimentos.
## Além do preço, o futuro desafiador
Com essa resposta em mente, chego ao ponto principal deste artigo. Mais do que me preocupar com o aumento do preço dos alimentos na atualidade, que tende a ser passageira, minha preocupação se [estende para um futuro](https://www.revistahsm.com.br/post/o-futuro-do-agronegocio), sobre o desafio de ser a nação maior produtora de alimentos e que precisará ter um acréscimo de 40% na produção nos próximos 30 anos.
No momento que estamos vivendo, precisamos pensar e responder às seguintes questões: teremos condições de atender essa demanda e, ao mesmo tempo, garantir alimento para nossa população? Como fazer isso? Quais as oportunidades e desafios desse setor? Como empresas, governos e consumidores podem se preparar para esse futuro?
As perguntas são complexas e deveríamos fazê-las nos fóruns e encontros virtuais, discutindo o [reflexo da pandemia](https://www.revistahsm.com.br/post/os-impactos-da-covid-19-no-agronegocio) e o que ela nos mostra sobre um futuro para o setor.
## Questões pertinentes e caminhos possíveis
As questões apontadas acima trazem algumas observações interessantes, sendo que a principal é: queremos ser a nação que irá alimentar o mundo e continuar não alimentando uma parcela significativa da nossa população?
Além disso, sendo uma nação que tudo produz, compensa continuar privando grande parte da população de [consumir alimentos de qualidade](https://www.revistahsm.com.br/post/de-onde-vem-o-alimento)? Essas são reflexões para todos os setores econômicos, incluindo empresas, governos e a sociedade civil organizada.
Outro ponto é que cada vez mais a produção de commodities exportáveis será um atrativo para nossos produtores, então cabe às políticas públicas incentivar a produção de alimentos para o consumo interno. Aqui não se trata de discutir se devemos produzir um ou outro, e sim como podemos produzir os dois de forma sustentada.
Neste sentido, a agricultura urbana e o apoio de organizações da agricultura familiar serão, cada vez mais, [oportunidades ricas de investimento](https://www.revistahsm.com.br/post/agroecologia-high-tech-e-possivel-parte-i).
Na outra ponta, o aumento da produtividade e o uso racional de nossos recursos são fundamentais para que possamos ter o ganho de produção necessário, sem impactar no meio ambiente.
Esse ganho só é possível com a melhoria da gestão e o uso de tecnologias no campo. Ainda temos uma imensidão de solo agrícola sendo mal utilizado, trazendo nossos índices de produtividade para baixo.
## Estratégia: política nacional de alimentação
Outro aspecto importante para ser discutido é a falta de uma política nacional para o setor rural, uma política que seja maior que propostas de governo e que venha a ser conduzida independente das mudanças governamentais. Essa política é fundamental para qualquer país, tendo em vista que este é um tema estratégico para a nação, ou seja, a alimentação de seu povo.
O que a China faz neste momento é investir no abastecimento de sua população. O susto que tomaram com a Covid-19 e o risco da falta de alimentos obrigou alguns países a abandonar a estratégia *just in time* e fazer estoques mais seguros de alimentos.
Podemos ser um país que alimenta o mundo, mas precisaremos trabalhar muito para ser também aquele que garante à sua população o acesso a alimentos de qualidade, e uma população bem alimentada é um alicerce para uma sociedade desenvolvida.