Dossiê HSM

Um conselho de administração com consciência

Diante de problemas recentes observados em diversas empresas que têm conselhos de administração, fica a pergunta: estarão os boards evoluindo no Brasil? Este artigo oferece uma resposta por meio da perspectiva da teoria da motivação humana de Maslow
Sergio Simões é sócio e líder da prática de boards da EXEC, doutorando pela Poli-USP e atua como conselheiro de administração e consultivo em empresas do setor de saúde, educação, mídia e serviços. É investidor-anjo e senior advisor em startups e scaleups. Em 2020, foi eleito o Executivo do Ano em Transformação Digital e Cultural pela IT Midia/Korn Ferry.

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Os conselhos de administração das empresas de hoje pouco se parecem com a imagem clássica do grupo de homens mais velhos em uma sala de reuniões analisando números e gráficos. Mudanças consideráveis têm sido testemunhadas, seja em sua composição, que começa a contar com maior diversidade, seja na própria dinâmica das reuniões, agora mais focadas em discutir desafios e soluções para questões relevantes da empresa.

Muitas organizações, inclusive, estão preferindo conselhos mais consultivos, com mais conselheiros independentes que tragam perspectivas diversas e desvinculadas dos interesses corporativos.

Essa transformação dos conselhos, embora não seja generalizada ainda, é uma transformação de seu ciclo de vida na verdade. E uma contribuição da psicologia bem conhecida do universo da gestão nos ajuda a entendê-la: a teoria da motivação humana de Maslow, que ficou conhecida como uma hierarquia das necessidades.

Os boards, assim como as empresas, têm um ponto em comum com essa teoria: eles surgem para atender a necessidades específicas que mudam com o tempo – seja o tempo da sociedade e mercado, seja o tempo de existência da companhia. Quando acompanhamos a evolução dos conselhos ao longo do tempo, fica nítido que eles seguem a mesma lógica proposta por Maslow: inicialmente, as organizações precisam de conselhos básicos; depois, de conselhos com segurança, seguidos de conselhos competentes; por último, são necessários conselhos voltados à solução de problemas e sem os preconceitos que atrapalham seu funcionamento.

O êxito de um conselho pressupõe o entender a etapa do ciclo de vida em que ele se insere, como se vê a seguir:

__1ª fase.__ Os conselhos empresariais começaram a se popularizar nos anos 1970 no Brasil, em resposta à necessidade de conciliação dos interesses dos acionistas e da gestão. Naquele momento, a gestão empresarial passava por um processo de profissionalização.No início, havia uma necessidade quase fisiológica de demonstrar seriedade, profissionalismo e transparência. Visando a conciliar os interesses dos acionistas e de uma gestão recém-profissionalizada, nessa primeira fase os conselhos tinham como objetivo mostrar que estavam trabalhando.

__2ª fase.__ Uma vez que os conselhos se solidificaram como entidades transparentes, com boa governança, evoluíram para a próxima etapa de necessidades: a busca por segurança em relação àquilo que seus membros oferecem à organização, na forma de conhecimentos e competências. Trazer diversificação de competências para o conselho reforça a sensação de que ele está atendendo aos interesses da empresa e do mercado.

Essa abordagem na composição do conselho contribui para que cada membro seja valioso de modo singular, fazendo com que se sinta necessário para o bom funcionamento do board. É nessa fase que começam a surgir os conselhos formados por especialistas em áreas específicas, o que levou a uma configuração comum hoje no Brasil: um conselheiro especialista em finanças, um de recursos humanos, um de tecnologia etc. Esse modelo de board é tão comum que delineia um padrão de funcionamento dos conselhos.

Esse conselho, majoritário até hoje, é fortemente calcado na segurança financeira. Uma pesquisa de 2022 do EY Center for Board Matters, com 251 CEOs de empresas globais de capital aberto sobre como eles veem, mensuram e podem melhorar seu valor estratégico, confirma isso. Uma das principais descobertas é que os conselhos passam a maior parte do tempo supervisionando assuntos financeiros e tópicos tradicionais – e que gastam menos tempo com pontos estratégicos, como inovação, tecnologia e fatores sociais. A mesma pesquisa mostra que os conselhos desejam considerar o valor que levam para a empresa com uma perspectiva “tipo ROI”, mensurando-se pelo ROI que ajudam a companhia a ter.
O que se vem percebendo é que um foco quase exclusivo no aspecto financeiro não abarca a relevância dos conselhos nos tempos em que vivemos: novas demandas dos stakeholders e expectativas mais elevadas sobre o papel das empresas na sociedade estão mudando as responsabilidades de supervisão do conselho, aponta o estudo do EY Center. Então, já se vê uma transformação do que é um conselho considerado de alto valor: é aquele que aproveita sua diversidade de conhecimentos e experiências para oferecer novas perspectivas e estratégias para os desafios do mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo – o mundo VUCA.

__3ª fase.__ Com as mudanças na sociedade, nos mercados e nas demandas dos vários stakeholders, os conselhos estão buscando cada vez mais uma terceira fase, a de estima. (Para fins de entendimento, reunimos aqui duas etapas, relacionamento e estima.) Nesse estágio de evolução, os conselheiros buscam o respeito dos outros e pelos outros, querendo mostrar que estão ali para resolver problemas.

É a grande tendência que vemos nos conselhos brasileiros hoje. O que vemos nesse estágio de desenvolvimento são boards mais preocupados com questões de ESG e de diversidade – uma preocupação relativamente nova, mas urgente para que se mantenham relevantes.

Numa pesquisa de 2022 da KMPG feita com mais de 700 conselheiros e membros de comitês do mundo, vimos nosso retrato: 63% dos conselheiros do Brasil afirmam não fazer parte de nenhuma minoria (étnico-racial, gênero ou orientação sexual). Ao mesmo tempo, 72% consideram que a falta de pontos de vista diversos dificulta a identificação de pontos cegos de estratégia.

Numa situação hipotética em que sua empresa precisasse recrutar novos conselheiros para melhor atender às suas necessidades, 64% dos respondentes brasileiros disseram que alguma adaptação em relação à composição atual seria necessária, incluindo diversidade de habilidades e experiências.

Agora, se a diversidade ainda é pouca, as questões de ESG estão sendo mais incorporadas aos conselhos, inclusive no Brasil. Um levantamento de 2022 da PwC mostrou que 62% dos CEOs afirmam que o ESG faz parte das discussões de gestão de risco e 25% indicam que seus conselhos entendem muito bem os riscos relacionados com elas. A mesma pesquisa afirma que os conselhos estão mudando a forma como pensam e abordam as questões de ESG e vinculando-as à estratégia da companhia. É certo que os conselhos têm papel fundamental no avanço dos temas ESG, com a capacidade de avaliar a governança, índices e métricas relacionadas a tais temas. Um board diligente é decisivo para evitar, por exemplo, episódios de greenwashing (a prática de maquiar ou omitir informações sobre os reais impactos das atividades de uma empresa), que podem trazer riscos reputacionais e financeiros para a organização.

__4ª fase.__ No Brasil, pouquíssimos boards estão no quarto estágio: extremamente alinhados ao planejamento estratégico e completamente livres de preconceitos, com uma perspectiva mais ampla e que realmente colocam todo o seu potencial em prática. Menos organizações ainda têm hoje, no Brasil, a representação do cliente nos conselhos, fator necessário para se chegar à autorrealização. Não basta um board querer que as necessidades dos clientes sejam satisfeitas; é preciso que trabalhe para isso, o que não ocorre na vasta maioria dos casos.

## O conselheiro do futuro
O perfil dos conselheiros que guiarão as companhias no presente e no futuro se transforma conforme a sociedade e o mercado mudam, o que já está sendo verificado após a pior fase da pandemia de covid-19. A pesquisa *Board Transformation 2021*, desenvolvida pela revista *Board Agenda* e pela consultoria Mazars em parceria com a Henley Business School, ouviu 270 líderes empresariais e destacou cinco preocupações essenciais do novo perfil: resiliência organizacional; estratégia para os negócios e para as habilidades; transformação digital, financeira e de capital; ESG; e cultura organizacional. Outro traço fundamental do conselheiro ou conselheira do futuro é a flexibilidade.

E, claro, o conselho evoluído terá uma postura proativa perante todos os stakeholders para superar os desequilíbrios que se apresentam.

As necessidades de Maslow
Conceito se mantém atual após 80 anos

Fisiologia: necessidades físicas básicas, como água e alimentação. Envolvem os esforços para atender à necessidade de homeostase do corpo; isto é, manter níveis consistentes em diferentes sistemas corporais.

Segurança: Se a necessidade de segurança não for sanada, é comum reagir com medo ou ansiedade. Isso pode explicar por que tendemos a preferir aquilo que nos é familiar ou evitar inovar, uma vez que toda inovação vem acompanhada de riscos.

Amor e pertencimento: A próxima necessidade na hierarquia envolve sentir-se amado e aceito. É a necessidade de pertencer a um grupo.

Estima: As necessidades de estima envolvem o desejo de se sentir bem consigo mesmo. Elas incluem dois componentes: sentindo-se bem consigo mesmo; e sentir-se valorizado pelos outros. Quando as necessidades de estima são atendidas, confiamos que nossas contribuições são valiosas e importantes.

Realização pessoal: Refere-se a sentir-se realizado ou sentir que estamos vivendo de acordo com todo o nosso potencial. A realização pessoal é diferente para cada pessoa; de qualquer forma, significa

__Leia também: [Experiências: é preciso centrar nas pessoas](https://www.revistahsm.com.br/post/experiencias-e-preciso-centrar-nas-pessoas)__

Artigo publicado na HSM Management nº 156.

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