Inovação

Um framework de transformação

Todas as empresas e lideranças dos dias atuais têm de fazer mudanças – várias, às vezes em sequências sem intervalos ou até ao mesmo tempo. A sensação sempre é algo como colocar um avião no ar sem ter sido ensinado a pilotar; para inspirar pessoas e movimentos, aprende-se a mexer nos botões em pleno voo. Ter um framework para mudar é um booster.
__Daniel Martin Ely__ é vice-presidente executivo da Randoncorp, COO da Rands e conselheiro do CNEX - Centro de Excelência Humana e Organizacional e do Instituto Hélice de Inovação, além de chairman do Instituto UniTEA do Autismo.Mestre em estratégias organizacionais e especialista no desenvolvimento de lideranças, foi reconhecido nos últimos cinco anos entre os RHs mais admirados do Brasil.

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sem ser piloto e sem ter qualquer conhecimento de navegação aérea, é dentro de uma cabine de avião que eu, como líder, me sinto ao conduzir o processo de transformação cultural e digital. Há uma porção de botões para acionar e inúmeras variáveis a serem consideradas – um sistema complexo. Ninguém me treinou para ser um piloto de avião ou um líder transformacional capaz de inspirar e influenciar pessoas e movimentos, e isso é o esperado. Trata-se de um aprendizado que acontece em pleno voo, com seus riscos e vantagens.

Minha experiência dos últimos anos, na empresa e nas entidades onde atuo me levou a um framework que prioriza três botões na decolagem rumo à mudança, aumentando as chances de sucesso. É o que eu batizei de “modelo dos 3Rs”, pois compreende uma ressignificação (da inovação), uma redefinição (da arquitetura organizacional) e um resgate (da liderança essencial).

## Botão 1: Ressignificar a Inovação

Quando eu chego a uma organização, sempre pergunto quem é o responsável pela inovação. Se recebo como resposta o nome de uma pessoa ou de um departamento, logo entendo o problema. Esse é um indício de que ali ainda tem um importante tema de casa a ser feito.

Inovação não pode ter nome, sobrenome ou departamento em nossas organizações. Isso porque a inovação fecunda, isto sim, na lógica da abundância.

Explico. Por muito tempo as empresas dispuseram de uma área dedicada ao desenvolvimento de novos produtos e soluções. O foco da inovação geralmente estava concentrado no seu core business, na geração de produtos, serviços e tecnologias que já eram o diferencial para o negócio. Esse raciocínio se encaixa na lógica da escassez, do ambiente de competição.

A inovação, como começamos a aprender, fecunda na lógica da abundância. O novo entendimento é que a inovação não deve estar apenas no core business, mas em todas as etapas da cadeia, seja no abastecimento, no processo produtivo, no marketing, na venda ou na distribuição do produto. Quando eu mexo em um sistema ou processo, que impacta fortemente a cultura da empresa, isso também é inovação. Daí a importância de todos se sentirem motivados a dar a sua contribuição, e passem a ser protagonistas do processo de inovação. A cultura da inovação precisa estar em todos, nas atitudes diárias.

## Botão 2 – Redefinir a Arquitetura

Esse botão é bastante polêmico. Ele mexe com a estrutura hierárquica das organizações, com o poder. Ele diz que é preciso começar a abandonar o modelo piramidal de comando-e-controle para que o trabalho colaborativo, em redes, prevaleça — um desenho no extremo oposto do comando-e-controle.

As estruturas pesadas e tradicionais de comando-e-controle em que quase todos nós aprendemos a operar têm uma razão de ser: elas oferecem uma alta capacidade de execução. Na medida em que eu segmento as pessoas, com cada uma respondendo por uma parte do trabalho, tento diminuir a variação do processo ao máximo possível. Isso está errado? Não, existem momentos em que ainda é preciso acionar essa estrutura para rapidamente corrigir erros e fazer acontecer.

Mas, no contexto complexo em que nos encontramos, que exige um nível de inovação mais radicalmente do que incrementalmente transformadora, o modelo em redes sem dúvida funciona melhor. É ele, ao somar várias cabeças, que apresenta uma capacidade de entrega maior em contextos mais caóticos.

Então, a questão de poder, ego e vaidade tem de ficar de lado. A hierarquia deixa de ser o mais importante; precisa prevalecer a competência de cada um para a entrega no âmbito do desafio comum a todos. É necessária uma grande dose de desapego, sabemos, principalmente de nós, executivos mais seniores, que já acumulamos mimos e regalias por termos alcançado altas posições no modelo antigo.

Mas como deve ser essa redefinição arquitetônica? Uma vez que as estruturas hierárquicas verticais, as de comando-e-controle, têm maior capacidade de execução, e as horizontais, mais próximas das operações em rede, são mais propensas à inovação, o melhor é fazer as duas conviverem. De acordo com a conveniência, priorizamos uma e abrimos mão da outra. Aqui entra a habilidade de ambidestria da liderança, uma ambidestria de transitar por essas duas arquiteturas. Cabe a mim, como líder, usar o poder que adquiri na estrutura hierárquica para abrir portas e remover barreiras, facilitando o trabalho de inovação em redes.

E você deve estar se perguntando como fica a migração entre as duas arquiteturas. Bem, quanto mais veloz for, melhor. E a velocidade do processo migratório vai depender muito da maturidade digital do segmento de negócios onde a empresa se encontra. Se ele estiver em um nível de disrupção acelerado, como o de telecomunicações ou o de serviços financeiros, a operação em redes distribuídas já virou uma questão de sobrevivência, e os líderes conseguem fazer a alternância mais facilmente. Já em outros segmentos, como a indústria pesada, há um tempo um pouco maior, porque ainda prevalece o desenho vertical; é melhor agir para evitar a dor. Aliás, as novas gerações de colaboradores já estão deixando claro que buscam mais horizontalidade nas relações de trabalho, além de empoderamento, e terão dificuldades para montar equipes as empresas que não conseguirem horizontalizar-se com frequência. Por isso, falamos tanto em transformar gestores em líderes que desenvolvam as competências para lidar com essa dualidade.

## Botão 3: Resgatar a Essência da Liderança

Nunca tivemos tanta necessidade de fazer aflorar os verdadeiros líderes da casa. Tenho insistido que é hora de abandonar o modelo de bons gestores. O momento exige líderes que acumulem competências imprescindíveis neste cenário de transformação — conseguindo inspirar, influenciar e desenvolver as pessoas em suas potencialidades máximas. Se as novas tecnologias estão cada vez mais disponíveis, o diferencial está no uso que fizermos delas e isso se dá, fundamentalmente, pelas pessoas — que estão no centro dessa transformação e precisam ser estimuladas.

A maior parte das funções dos gestores, nos moldes que aprendemos no século 20, será apoiada pelas novas tecnologias, que funcionarão de maneira cada vez mais assertiva e com menor custo. Sobrará, assim, mais tempo e espaço para os verdadeiros líderes aflorarem. Quando vejo um gestor ocupando quase todo o seu tempo para apagar incêndios, desperdiçando preciosas chances para inspirar e influenciar pessoas e movimentos, isso me machuca demais. Ele está perdendo uma grande oportunidade de fazer a diferença.

Já contamos com a maior parte das pessoas necessárias para transformar uma empresa, dentro dos nossos muros. Muitas vezes, desempenham funções de baixo impacto e estão prestes a deixar a empresa por falta de oportunidade para se revelarem. Por isso, é importante, antes de sair contratando pessoas de fora para fazer a mudança, identificar e abrir espaço para os empreendedores adormecidos de casa.
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__RESSIGNIFICAR A INOVAÇÃO__, redefinir a arquitetura organizacional e resgatar a essência da liderança constitui, a meu ver, a tríade de toda transformação. À medida que instigarmos cada membro da organização a ser um vetor de mudança como esses botões, mudaremos mais facilmente o curso de nossas organizações, sobrevivendo às turbulências dessas jornadas.

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