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Um modelo de gestão holográfico

Se as empresas estão adoecendo, é porque suas pessoas estão adoecendo. Está na hora de colocarmos as pessoas verdadeiramente no centro, ou nenhum progresso será sustentável

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O Fórum Econômico Mundial aponta que os gastos mundiais relacionados com transtornos emocionais e psicológicos podem chegar a US$ 6 trilhões até 2030 – mais do que a soma dos custos com diabetes, doenças respiratórias e câncer. Antes disso, até 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que a depressão será a doença mais incapacitante do mundo, e que uma em cada quatro pessoas sofrerá com um transtorno sério da mente ao longo da vida. 

Os dados do Brasil vão na mesma direção. Hoje, de acordo com o International Stress Management Association (Isma), nove em dez brasileiros ativos no mercado de trabalho apresentam sintomas de ansiedade em algum grau – e, mais assustador, metade sofre de algum nível de depressão. Esta já está entre as doenças que mais afastam os brasileiros do trabalho. 

O que está acontecendo?

Rotinas estressantes, mudanças frequentes e a falta de tempo para se adaptar a elas fazem crescer a tensão e a insegurança dos profissionais, fatores que atingem em cheio sua saúde emocional e mental, gerando transtornos como estresse e depressão, e também síndrome do pânico, fobia social e outras psicopatologias. 

Mas não é só isso. Se olharmos para os últimos 15 anos, com o surgimento das principais redes sociais online (Facebook em 2004, YouTube em 2005, 

Twitter em 2006, WhatsApp em 2009 e Instagram em 2010), notaremos o que se pode descrever como uma “transformação completa da sociedade”, impulsionada por mudanças drásticas na comunicação, na família, nas relações, na educação e nos negócios. 

Classificamos essas mudanças como boas, e são, mas deixamos de notar seus efeitos secundários tóxicos, que incluem a aceleração compulsória do ritmo de vida, a superexposição a estímulos digitais e o surgimento de doenças causadas pela dependência tecnológica.

O ambiente corporativo é peça central nesse quadro; ele puxa o ritmo convulsivo do mercado, embalado pela enxurrada de novas ferramentas e metodologias que invade as empresas todos os anos. 

São recursos que nos ajudam: a errar menos, a fazer mais rápido e melhor, a construir equipes, a evitar armadilhas, a ganhar foco, a direcionar a mente para transformar ideias isoladas em projetos vencedores, a gerenciar mudanças com mais eficiência. Mas nenhuma delas nos ajuda a ter equilíbrio e felicidade. 

Se misturarmos num caldeirão as mudanças frequentes, os novos recursos, os tempos de aprendizado reduzidos, as metas ambiciosas, os prazos apertados para cumpri-las e os cenários futuros complexos, teremos uma sopa indigesta – que engrossa as estatísticas de transtornos psíquicos em profissionais de todos os níveis. 

Estamos embarcados em um trem de alta velocidade tomando a tal sopa, e a cada estação que passa adoecemos mais. Executivos brilhantes e superexigidos se veem gradualmente incapacitados por remédios, álcool e drogas, na tentativa desesperada de manter seu nível de “entregas” satisfatório. 

O pior é a desconexão: a maioria de nós nem sabe para onde vai esse trem, porque nos falta um sentido de objetivos e valores fundamentais; vivemos uma profunda crise de significado. Ferramentas que classificam as pessoas como A, B ou C aumentam a crise, afastando-as ainda mais de quem realmente são. Vejo gestores engajadíssimos em processos inovadores que não conseguem conectar os valiosos ensinamentos com suas próprias vidas, tornando-se ainda mais fragmentados. Resultado? Adoecem.

**PROGRAMAS “IMPRODUTIVOS”**

Como as organizações estão lidando com esse desafio? Não estão. Raras são as empresas que mantêm algum programa para cuidar da saúde psicológica e emocional do time e, quando o fazem, não tocam as causas reais do adoecimento. 

Elas falam muito sobre quanto prezam a sustentabilidade, mas parecem esquecer-se de que, hoje, sua produtividade, seu desempenho e seu lucro estão sendo obtidos por meios que não se sustentam no longo prazo. 

É claro que não há solução simples, porque não se pode perder de vista os resultados da empresa. Investir em programas de autoconhecimento, integração corpo-mente e espiritualidade para os funcionários pode soar improdutivo, quando o tempo é curto até para os programas ligados ao core business. Mas investir nesses programas é o único caminho sustentável e promissor no longo prazo. Ou as empresas dão mais tempo para as pessoas simplesmente serem, expressarem e agirem coerentemente com quem elas são, ou a doença organizacional vai se agravar. 

Sabe aquela frase em inglês “walk the talk”, que significa “fazer o que se fala” e é tão repetida no mundo dos negócios? A verdade é que ela é potencialmente impossível hoje. Quando as pessoas estão desconectadas de si mesmas, não há como elas realmente alinharem fala e ação.

Compreendida a importância dos programas “improdutivos”, as empresas devem ter como primeiros passos o estímulo organizado ao autoconhecimento de seus colaboradores e a criação de condições para que possam se expressar a partir de suas próprias essências – ou seja, para que possam ser autênticos e vulneráveis no ambiente de trabalho. De imediato, isso soluciona o problema da falta de confiança, recorrente nas empresas. Vulnerabilidade gera empatia e autenticidade gera confiança.

**UM MODELO QUE INCLUA O SINGULAR E O CÍCLICO**

É um desafio levar as pessoas ao autoconhecimento e a se relacionarem de forma autêntica, quando operamos com modelos de tarefas, prazos, metas e avaliações que ignoram o que é singular em cada indivíduo. 

Exigem-se prazos e resultados sem que se considerem os ciclos de contração e expansão pelos quais todas as pessoas passam. Todos nós vivemos períodos introspectivos, reflexivos e, portanto, improdutivos, que precedem os momentos mais expansivos, criativos e geniais. Como lidar com isso nas organizações quando a cultura típica pressupõe indivíduos que estão sempre em expansão (o que é impossível)? 

As variáveis dessa equação parecem complexas demais, mas a boa notícia é que não é necessário pensar em todas elas para obter resultados. Existe um modelo de gestão para lidar com isso: ele se chama holográfico e se define por colocar as pessoas no centro das decisões. Consiste essencialmente em cuidar das pessoas e, quando isso é feito, o todo se transforma e tem reflexos em cada um. Uma organização com indivíduos mais conscientes, autênticos, motivados e felizes opera em outro nível de consciência, o que a capacita a reinventar-se dinamicamente para superar qualquer obstáculo que apareça. 

O ponto central é ensinar as organizações a cuidar verdadeiramente das pessoas. Como? Temos ferramentas de estratégia e gestão eficientes, mas precisamos de mais ferramentas e metodologias para efetivamente cuidar de pessoas. 

Vale dizer que já temos trabalhos importantes que abordam esses aspectos sutis na linguagem das organizações. Richard Barrett, especialista em ética corporativa, ampliou a pirâmide de Maslow, que hierarquiza as necessidades do ser humano, para acomodar também as necessidades da alma, como descobrir significado e propósito, fazer a diferença e servir. Danah Zohar, física e filósofa ligada ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), criou o quociente espiritual (QS, em inglês), que avalia a capacidade da pessoa de usar valores éticos para nortear suas ações e solucionar problemas essenciais à vida. 

Eu quero propor uma abordagem para trazer as pessoas para uma posição central em organizações brasileiras: o investimento estruturado na tríade autoconhecimento, integração corpo-mente e espiritualidade:

**Autoconhecimento.** Estimular a busca do autoconhecimento é a base para o processo de autodesenvolvimento e edificação de todas as outras qualidades adormecidas no indivíduo. 

Pessoas pouco familiarizadas com seus próprios sentimentos e emoções avaliam a si mesmas com base na forma como os outros a enxergam e, portanto, dependem de referências externas para tomarem decisões a respeito de si mesmas.

Para compreender os diferentes aspectos de si é preciso investir tempo, dedicação e recursos nessa busca, que só pode ser alcançada quando damos permissão para mergulharmos no nosso mais profundo ser, para então desvendar os mistérios do nosso sistema de funcionamento. 

Esse mergulho pode ser feito por meio de programas e vivências específicas, que quase sempre geram desconfortos e nos mostram coisas que preferíamos não ver. É uma jornada individual, que deve ser empreendida livre de julgamentos, com abertura para autodescobertas, que passam por perceber feridas, medos, reações emocionais, defesas, crenças, projeções, dons e propósito.

O processo de autoconhecimento não tem fim, mas, por menos que avance, seu resultado é sempre libertador e empoderador.

**Integração corpo-mente.** O cuidado com o corpo tem sido amplamente difundido e uma parcela crescente da população já inclui exercícios físicos regulares e exames preventivos em suas rotinas. As empresas também têm incentivado atividades físicas promovendo maratonas e campeonatos esportivos entre os funcionários.

Já a mente requer mais atenção, uma vez que adoece lenta e silenciosamente. Ela será o ponto central do adoecimento em um futuro próximo e para isso ainda não estamos preparados. 

Muitas empresas ainda preferem deixar a sinistralidade do plano de saúde ir às alturas e o INSS afastar seus colaboradores por doenças mentais. São escolhas baseadas num modelo velho e ultrapassado, de uso e descarte de recursos, que em muito pouco tempo tirará a empresa do páreo, simplesmente por não conseguir formar, atrair e reter capital humano minimamente adequado.

Meditação e ioga são alguns dos recursos que ajudam a mente a trabalhar em parceria com o corpo e a seu favor. A mente mais consciente proporciona equilíbrio, empatia, percepção e lucidez. E tudo isso facilita o aprendizado, aumenta o foco, permite melhores escolhas e aprimora a capacidade de relacionamento interpessoal.

**Espiritualidade.** Talvez seja o tópico menos familiar do universo das empresas, mas, quando falo em espiritualidade no âmbito corporativo, refiro-me a “empresas espiritualizadas”, que tenham valores elevados capazes de atrair colaboradores com o mesmo perfil. Essas são empresas ainda raras no Brasil, que cuidam da saúde integral de seus colaboradores, geram negócios sustentáveis, obtêm rentabilidade financeira e, consequentemente, asseguram sua longevidade. 

Nesse tipo de empresa, o profissional se sente valorizado como ser humano e não apenas como um ativo. Ele vê significado e propósito em seu trabalho, considera a empresa sua aliada e seu vínculo com a organização ganha sinergia. 

Obviamente, empresas espiritualizadas requerem lideranças também espiritualizadas, que proporcionam as condições para o desenvolvimento interior de seus liderados. 

Com um modelo de gestão holográfico, as pessoas deixam de ser empregadas e passam a ser vistas (e a se verem) como o bem mais precioso da organização. Apenas essa percepção basta para diminuir significativamente a possibilidade de adoecimento.

**O “LONGO CAMINHO CURTO”**

Adotar um modelo holográfico com a implementação desses três pilares é, a meu ver, um “longo caminho curto” para o surgimento de uma nova geração de empresas. 

Acredito que só sobreviverão as empresas que souberem fazer essa transição para não adoecerem junto com seus colaboradores. Os seres humanos procuram por algo especial que faça aflorar o que eles têm de melhor – quando encontram, crescem como indivíduos e ajudam a empresa a crescer; quando não o encontram, adoecem e fazem a empresa adoecer. 

O modelo de gestão holográfico pode nos permitir aproveitar essa viagem de trem em alta velocidade sem adoecermos, estando conscientes do destino do trem e confiantes em conseguir superar quaisquer novos desafios que surjam nas estações à frente.

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