Liderança

Um modelo para avaliar a agilidade organizacional da sua empresa

A promessa de que uma organização ágil será mais eficiente e responderá melhor às mudanças no mercado é algo que brilha aos olhos de qualquer pessoa que exerça o papel executivo. A prática demonstra que a criação de um organismo flexível não é tão trivial como implementar um framework ou seguir uma receita de bolo.
Especialista em agilidade no Nubank, tem 14 anos de experiência na área de desenvolvimento de software e já fez de tudo um pouco. Doutorando e mestre em Administração de Empresas pela FEA-USP, formado em Sistemas de Informação, pela Unesp de Bauru, e com MBA em Gerenciamento de projetos, pela FGV. Já programou, fez análise de requisitos, gerenciou projetos, gerenciou equipes, facilitou concepções de novos produtos, trabalhou em consultorias de transformação ágil etc.

Compartilhar:

Em um momento em que a Covid-19 mudou a lógica dos modelos de negócio e a forma como as pessoas lidam com o trabalho, estar pronto para responder à mudança, colaborar com as pessoas que são clientes, manter as equipes engajadas e conectadas com o propósito da organização e repensar os produtos e serviços se tornam capacidades essenciais para a sobrevivência.

A seguir, compartilharei um modelo para que você avalie quais capacidades são necessárias para a evolução da agilidade na sua organização.

## Afinal de contas, o que significa ser ágil?

Em uma frase, resumiria agilidade como **entregar pequenos lotes, em curtos espaços de tempo a fim de validar hipóteses de negócio, reduzir riscos e responder com rapidez às mudanças de mercado**.

Elaborando um pouco mais a definição, ser ágil constitui desenvolver capacidades que  ofereçam flexibilidade ao negócio através de ciclos de feedback mais curtos trazendo à tona disfunções que possam existir em busca de um melhor resultado.

Considerando empresas que nasceram digitais, é como se a tecnologia e os processos de trabalho criassem um ambiente no qual fosse possível entregar pequenos experimentos frequentemente, a fim de provar hipóteses que gerem eficiência operacional, aumentem a capacidade de geração nas receitas atuais e propiciem inovações nos produtos e nos processos.

Tal definição exige que a empresa seja agnóstica a metodologias, *frameworks* e tenha um pensamento orientado aos problemas. Um ciclo de aprendizado manterá a organização em uma direção de criar soluções enxutas, medir os resultados alcançados e criar continuamente uma base de conhecimento que a preservará evoluindo.

![](https://lh4.googleusercontent.com/8hjWYjwW1bEMBzN3BOCPZW_x8oj0t43m5mk5-2_c9HF1TokGcmShhjEzMy_KFUEKHykSUVxr5EGJR6MNnJoiQiQUKpuk3Uo82B-nq4uaAtSksQozmaRJsC8GhH2ZKbTDAfZ47uN1)

Organizações tradicionais que construíram seu modelo de negócio em um mundo pré-digital sofrem em geral para se tornarem adaptativas e flexíveis, pois desenvolvem planos estratégicos rígidos, favorecem uma cultura punitiva ao erro, apresentam um alto nível de hierarquia e silos, lidam com uma alta resistência à mudanças, contêm um alto nível de desalinhamento entre as diferentes camadas do negócio, apresentam sistemas de incentivos que privilegiam um comportamento individual e ficam inertes pelo passado de sucesso.

Antes de pensar em técnicas ou ferramentas, devemos desenvolver uma olhar sistêmico para as mudanças que serão necessárias a fim de manter a empresa competitiva.

## Um modelo para avaliar a agilidade organizacional

Enxergar uma organização através das perspectivas estratégica, tática e operacional é algo já consolidado nos estudos de administração geral. Tal visão possibilita compreender que uma empresa altamente alinhada possui uma estratégia orientadora que direciona as ações táticas e as rotinas operacionais.

Em 2019, o autor Klaus Leopold publicou o livro *Rethinking Agile: Why Agile Teams Have Nothing To Do With Business Agility*, em que ele apresenta um conceito chamado *Flight Levels*. Em linhas gerais, o modelo diz que a agilidade organizacional surge quando há visibilidade do trabalho, gestão do montante de trabalho em progresso, criação de ciclos de feedback e promoção de uma mentalidade de melhoria contínua nos três níveis da organização (estratégico, tático e operacional).

Trazendo para um pensamento mais concreto, não adianta existirem equipes utilizando abordagens ágeis localmente em seus contextos sendo que a cadeia organizacional não está otimizada –  ou seja, não é possível esperar que bons resultados locais promoverão mudanças globais.

Inspirado pelo conceito de *Flight Levels*, venho utilizando uma instância do mesmo para analisar a proficiência em ágil das organizações levando em consideração um grupo de capacidades dentro das 3 perspectivas.

![](https://lh3.googleusercontent.com/C77xIYXjq5fscpNnkRa1WgV-rack6uf-Fybr707IikAK6tdcDDcT4eu9Cs-wY7rpvv_dIXQorad-x0jaTdz3a9-FOGfb3esRSHsblew0V-yj_B2nqKwBrb2Fg2DYe6-xSdfnjUJn)

## Camada estratégica

Esta camada tem como objetivo compreender se a empresa tem desenvolvido competências para gerenciar a saúde do seu modelo de negócio através de indicadores, definindo objetivos e metas que levem em consideração o curto, o médio e o longo prazo. Neste nível é fundamental garantir que as discussões girem em torno dos resultados e não das entregas.

Desenvolver rotinas para identificar as necessidades de quem é cliente e avaliar a satisfação quanto aos serviços e produtos ofertados demonstram que a organização está conectada com as dores e as necessidades do que acontece fora dos limites organizacionais. 

Por fim, uma boa gestão das partes interessadas do negócio (diretoria e acionistas) e uma interação com o ecossistema de concorrência garantirá diversidade no processo de tomada de decisão.

Geralmente, utilizo as seguintes perguntas para analisar este nível:

– As métricas de negócio estão sendo utilizadas no processo de tomada de decisão?

– As métricas de negócio estão visíveis para todas as pessoas da empresa analisarem?

– As métricas de negócio são utilizadas como referência no processo de definição de uma iniciativa (ex: quais indicadores de negócio serão alavancados pelo projeto X)?

– Quais são os principais indicadores de performance para avaliar a saúde do negócio?

– Quais são os objetivos da organização para o biênio, ano, semestre e trimestre?

– As pessoas podem opinar no processo de criação dos objetivos do negócio?

– Os objetivos foram compartilhados com as equipes?

– Os resultados esperados para serem alcançados estão claros e comunicados?

– Em quais fóruns a organização coleta a visão da diretoria e das pessoas acionistas sobre a estratégia que foi definida?

– Como a organização monitora os movimentos da concorrência?

– Quais são as rotinas que mantêm a organização conectada com as necessidades de quem é cliente?

– Com que frequência a organização se conecta com as pessoas que são clientes?

– Existem fóruns dentro da organização onde são discutidas as necessidades de quem é cliente?

## Camada de coordenação

Este nível tem por objetivo compreender como a organização tem coordenado suas ações para reduzir o tempo de entrega das suas iniciativas, a fim de coletar feedback de quem é cliente o mais cedo possível.

Para que haja uma boa coordenação, é fundamental que a empresa tenha visão das iniciativas que compõe o seu portfólio de ações, gerencie as dependências entre as equipes, estabeleça um processo de priorização, mantenha uma cadência de revisão do progresso da estratégia e crie momentos para identificar pontos de melhoria levando em consideração uma perspectiva global.

A ausência de visibilidade, o alto nível de dependências e a falta de um processo de escolha levará a organização para um caminho sem uma direção. Quando tratamos da gestão do portfólio, precisamos promover ferramentas que permitam uma adaptação contínua e coordenada para que a organização consiga entregar sua estratégia.

Levanto as seguintes informações para analisar esta camada nas empresas:

– Existe algum ferramental (ex: quadro *kanban*) que apresenta o trabalho que está sendo executado nas múltiplas equipes da organização?

– Existe uma gestão clara da cadeia de entrega do início até o fim?

– O trabalho que vem sendo empregado pelas equipes está sendo direcionado pelos objetivos do negócio?

– Existem critérios claros de priorização?

– As métricas de negócio são utilizadas no processo de priorização das iniciativas?

– Qual é o número de dependências que estão sendo geridas pelo portfólio?

– É realizada uma análise das dependências entre as iniciativas antes da finalização do processo de priorização?

– A priorização tem levado em consideração as necessidades de quem é cliente?

– A organização tem realizado sessões de retrospectiva a fim de avaliar pontos de melhoria na coordenação do portfólio?

– A organização tem revisto o seu portfólio com qual frequência?

– O quão flexível tem sido o processo de decisão quanto a reorganização do portfólio?

## Camada das equipes

O último (mas nem por isso menos importante) nível permitirá que a organização desenvolva uma operação saudável e com rotinas eficientes.

Nesta camada, o foco será criar capacidades que promovam visibilidade, aplicação de políticas para produzir um fluxo de trabalho mais eficiente (ex: definição de pronto para ser trabalhado, definição de pronto etc.), avaliação periódica da cadência e do tempo de entrega através das métricas, emprego de práticas de engenharia de *software* para manter o código saudável e com qualidade, implementação de automações que aumentem a frequência de produto entregue, monitoramento constante do engajamento das pessoas e promoção de uma cultura de organização, planejamento, entrega e melhoria.

Mesmo sendo relevante ter equipes altamente eficientes, não será a soma isolada de cada uma que trará a agilidade para a organização, mas sim o produto das interações e as otimizações das dependências com um objetivo de negócio claro.

As perguntas que uso para esta camada são:

– O fluxo de trabalho das equipes está visível?

– Os gargalos e filas estão sendo gerenciados?

– As equipes possuem clareza das principais fontes de retrabalho?

– Práticas de engenharia de *software* estão sendo utilizadas para manter o código saudável?

– O processo de entrega está automatizado?

– As equipes utilizam métricas de processo para projetar prazos de entrega?

– As equipes utilizam métricas de processo para analisarem a saúde do processo?

– As pessoas possuem instrumentos para compartilharem como estão se sentindo?

– As equipes estão aplicando práticas para reduzir a complexidade do trabalho?

– As equipes possuem cadências para discutir melhorias no seu modelo de trabalho?

## Conclusão

Se você acredita que a partir de um ferramental encantador seu ambiente se tornará ágil, sinto lhe dizer que isso não vai acontecer. Ao invés de ficar presa ou preso a este tipo de discurso, busque desenvolver feedbacks curtos, promover o pensamento de melhoria contínua e crie rotinas que tragam a pessoa cliente como foco.

Uma empresa ágil é aquela que possui toda a sua estrutura pensando de forma enxuta, orientada pelo pensamento de que trabalho custa dinheiro e que é na entrega que o dinheiro é gerado. Isso significa que devemos modelar toda a nossa cadeia e os fluxos no que de fato resolverá problemas de quem é cliente ou nas apostas que acreditamos existirem.

A aplicação do modelo apresentado neste texto deve ser algo evolucionário e que respeite o contexto de cada empresa. Ao aplicá-lo, identifique alavancas que permitirão gerar um ambiente onde haja agilidade no negócio sem mudanças drásticas no que já é feito hoje.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Mercado de RevOps desponta e se destaca com crescimento acima da média 

O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Uso de PDI tem sido negligenciado nas companhias

Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Regulamentação da IA: Como empresas podem conciliar responsabilidades éticas e inovação? 

A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Governança estratégica: a gestão de riscos psicossociais integrada à performance corporativa

A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

ESG, Empreendedorismo
Estar na linha de frente da luta por formações e pelo desenvolvimento de oportunidades de emprego e educação é uma das frentes que Rachel Maia lida em seu dia-dia e neste texto a Presidente do Pacto Global da ONU Brasil traz um panorama sobre estes aspectos atuais.

Rachel Maia

Conteúdo de marca, Marketing e vendas, Marketing Business Driven, Liderança, times e cultura, Liderança
Excluído o fator remuneração, o que faz pessoas de diferentes gerações saírem dos seus empregos?

Bruna Gomes Mascarenhas

Blockchain
07 de agosto
Em sua estreia como colunista da HSM Management, Carolina Ferrés, fundadora da Blue City e partner na POK, traz atenção para a necessidade crescente de validar a autenticidade de informações e certificações, pois tecnologias como blockchain e NFTs, estão revolucionando a educação e diversos setores.
6 min de leitura
Transformação Digital, ESG
A gestão algorítmica está transformando o mundo do trabalho com o uso de algoritmos para monitorar e tomar decisões, mas levanta preocupações sobre desumanização e equidade, especialmente para as mulheres. A implementação ética e supervisão humana são essenciais para garantir justiça e dignidade no ambiente de trabalho.

Carine Roos

Gestão de Pessoas
Explorando a comunicação como uma habilidade crucial para líderes e gestores de produtos, destacando sua importância em processos e resultados.

Italo Nogueira De Moro

Uncategorized
Até onde os influenciadores estão realmente ajudando na empreitada do propósito? Será que isso é sustentavelmente benéfico para nossa sociedade?

Alain S. Levi

Gestão de Pessoas
Superar vieses cognitivos é crucial para inovar e gerar mudanças positivas, exigindo uma abordagem estratégica e consciente na tomada de decisões.

Lilian Cruz

Transformação Digital, Marketing e vendas, Marketing Business Driven, Marketing business-driven
Crescimento dos festivais de música pós-pandemia oferece às marcas uma chance única de engajamento e visibilidade autêntica.

Kika Brandão

Gestão de pessoas, Liderança, Liderança, times e cultura
Explorando como mudanças intencionais e emergentes moldam culturas organizacionais através do framework ‘3As’ de Dave Snowden, e como a compreensão de assemblages pode ajudar na navegação e adaptação em sistemas sociais complexos.

Manoel Pimentel

Inteligência artificial e gestão, Transformação Digital
A GenAI é uma ótima opção para nos ajudar em questões cotidianas, principalmente em nossos negócios. Porém, precisamos ter cautela e parar essa reprodutibilidade desenfreada.

Rafael Rez