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Um mundo sem trabalho

Durante séculos, especialistas predisseram que máquinas tornariam os trabalhadores obsoletos. Esse momento pode estar finalmente chegando. Será bom? Vale pensar sobre três cenários de futuro e a reinvenção dos papéis institucionais

Derek Thompson

É colaborador da revista The Atlantic.

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> Vale a leitura porque… 
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> … agora a substituição de pessoas por máquinas no trabalho é inegável e irreversível. Em 1964, a AT&T valia  US$ 267 bilhões e empregava 758.611 pessoas; hoje, o Google vale US$ 370 bilhões e conta com 55 mil funcionários. … as implicações disso são imensas, indo desde a perda de consumidores até a mudança do papel do governo. … vale pensar sobre um mundo que ficará mais parecido com o século 19.

O fim do trabalho ainda é apenas um conceito futurista na maior parte do mundo, mas é um marco na cidade de Youngstown, Ohio, Estados Unidos, e tem data precisa: 19 de setembro de 1977. Foi nesse dia que a siderúrgica Youngstown Sheet and Tube anunciou o fechamento de sua usina. Em cinco anos, a cidade perdeu 50 mil empregos e US$ 1,3 bilhão em salários anuais. 

Graças às aciarias, Youngstown era um modelo do sonho americano. Mas a manufatura migrou para o exterior depois da Segunda Guerra Mundial, o aço de Youngstown perdeu espaço e a cidade caiu em desgraça. A ruptura não foi só econômica; os aspectos psicológico e cultural também foram afetados. Depressão, abusos domésticos e suicídio se tornaram muito mais comuns. “A história de Youngstown mostra que, quando os empregos acabam, a coesão cultural de um lugar é destruída”, diz John Russo, professor de estudos do trabalho da Youngstown State University. 

Nos últimos anos, os EUA superaram parcialmente o desemprego gerado pela crise de 2008. Porém, quando param de olhar as planilhas, economistas e outros especialistas logo enxergam um futuro de veículos autoguiados do Google nas ruas e drones da Amazon no céu substituindo milhões de motoristas, estoquistas e vendedores. 

Observam que as habilidades das máquinas – que já são formidáveis – continuam a crescer exponencialmente, enquanto as nossas permanecem as mesmas, e se perguntam: será que algum trabalho está a salvo? Futuristas e escritores de ficção científica muitas vezes já imaginaram máquinas dominando os escritórios, e até com euforia, pensando no trabalho árduo sendo substituído por um lazer amplo e uma liberdade pessoal quase ilimitada. 

Também saudaram o óbvio: boa parte das necessidades e luxos da vida ficará ainda mais barata com os computadores se multiplicando e o preço caindo, o que significa muita riqueza – ao menos em termos da economia nacional. O fim do trabalho, no entanto, levaria a uma mudança social sem precedentes. Se John Russo estiver certo, salvar o trabalho é mais importante que salvar um emprego específico. 

A diligência profissional dos EUA [e do Ocidente] funcionou como religião não oficial desde sua fundação – o trabalho está no coração da política, da economia e das interações sociais. O que aconteceria se ele acabasse? A força de trabalho norte-americana foi moldada por progressos tecnológicos por séculos, mas o número total de empregos sempre aumentou. 

O que pode ser iminente é uma era de desemprego tech, na qual cientistas da computação e engenheiros de software essencialmente inventem a  humanidade sem trabalho. Esse medo não é novo. A esperança de que as máquinas nos livrem da labuta sempre se misturou com o medo de que roubem nosso ganha-pão. Em meio à Grande Depressão, o economista John Maynard Keynes previu que o progresso tecnológico nos garantiria muito tempo livre até 2030. 

Na mesma época, o presidente Herbert Hoover recebeu uma carta alertando que a tecnologia industrial era um “Frankenstein” que ameaçava aumentar a produção “devorando nossa civilização”. (A carta era do prefeito de Palo Alto, no Vale do Silício.) O mercado de trabalho tem desafiado os pessimistas nesses tempos. Atualmente, a taxa de desemprego nos EUA é pouco maior que 5% [no Brasil, entre 9% e 11%], e os anos recentes foram bons em geração de empregos. A discussão sobre o fim do trabalho é muitas vezes desconsiderada tal como a “falácia ludita”, uma alusão aos trabalhadores britânicos que destruíram máquinas têxteis na aurora da Revolução Industrial, temendo que elas substituíssem os tecelões. 

Economistas respeitáveis começam a achar que os luditas não estavam tão errados assim; apenas foram prematuros. Pode-se argumentar que as previsões do fim do emprego são só uma versão da fábula de Esopo em que o menino mente tantas vezes que viu o lobo que as pessoas param de lhe dar ouvidos – nesse caso, o lobo é o robô. 

**TRÊS FUTUROS**

Parafraseando o escritor de ficção científica William Gibson, talvez haja fragmentos do futuro pós-trabalho espalhados pelo presente. Veem-se três possibilidades, sobrepostas, que derivam do declínio do emprego formal: 

1.  Futuro do consumo: as pessoas expulsas da força de trabalho normal vão se dedicar ao lazer. 

2. Futuro da criatividade comunitária: as pessoas buscarão criar comunidades produtivas fora do local de trabalho. 

3.  Futuro da contingência: as pessoas ainda lutarão de maneira vigorosa e muitas vezes infrutífera para recuperar sua produtividade, atuando na economia informal. 

**FUTURO DO CONSUMO: O PARADOXO DO LAZER**

Peter Frase, autor do livro Four Futures (sobre como a automação mudará os EUA), diz que o trabalho consiste em três coisas: o meio pelo qual a economia produz bens, o modo pelo qual as pessoas ganham dinheiro e uma atividade que dá sentido à vida delas. “Só juntamos essas coisas porque hoje precisamos pagar gente para manter a luz acesa. 

Em um futuro de abundância, não teríamos de fazer isso”, afirma. Frase pertence a um pequeno grupo de escritores, acadêmicos e economistas chamados “pós-trabalhistas”, que comemoram o fim do trabalho. A sociedade norte-americana tem uma “crença irracional no trabalho pelo trabalho”, afirma Benjamin Hunnicutt, pós-trabalhista e historiador da University of Iowa. 

Um relatório do Instituto Gallup de 2014 sobre satisfação do trabalhador descobriu que 70% dos norte-americanos não gostam do que fazem. “Propósito, significado, identidade, realização, criatividade, autonomia – todas essas coisas que a psicologia positiva nos mostrou serem necessárias para o bem-estar não estão presentes nos empregos comuns”, analisa. Os defensores da era pós-trabalho estão certos em alguns pontos. 

O trabalho remunerado nem sempre leva ao bem-estar social. Criar filhos e cuidar de doentes são trabalhos essenciais, mas mal remunerados ou não pagos. Em uma sociedade pós-trabalho, afirma Hunnicutt, as pessoas poderão passar mais tempo cuidando dos familiares; o orgulho viria dos relacionamentos, não das carreiras. Se as previsões estiverem certas, o fim do trabalho assalariado dará lugar a um período áureo de bem-estar. 

Hunnicutt acredita que universidades poderão ressurgir como centros culturais em vez de instituições que preparam o ser humano para trabalhar. A palavra “escola”, ele observa, vem de skholē, palavra grega que significa “lazer”. “Ensinávamos as pessoas a serem livres, agora as ensinamos a trabalhar.” 

O problema é que a visão de Hunnicutt baseia-se em certas suposições sobre tributação e redistribuição de renda que, hoje, não são agradáveis a muitos norte-americanos. E, mesmo deixando isso de lado, esse ponto de vista continua problemático, pois, em geral, pessoas desempregadas não usam seu tempo para socializar com amigos ou adquirir novos hobbies; elas assistem à TV ou dormem, especialmente os homens – aposentados veem cerca de 50 horas por semana de TV, de acordo com a Nielsen. 

Os males do desemprego vão muito além da perda da fonte de renda. Pessoas que ficam desempregadas têm maior chance de apresentar doenças mentais e físicas. “Há uma perda de status, um mal-estar geral e uma desmoralização que aparecem somática e psicologicamente”, afirma Ralph Catalano, professor de saúde pública da University of California em Berkeley. 

A transição da força de trabalho à força de lazer provavelmente seria difícil para os norte-americanos, as abelhas operárias do mundo rico: entre 1950 e 2012, o número de horas trabalhadas por ano por funcionário caiu significativamente na Europa – cerca de 40% na Alemanha e na Holanda –, mas apenas 10% nos Estados Unidos [e no Brasil]. Em 1989, os psicólogos Mihaly Csikszentmihalyi e Judith LeFevre realizaram um estudo com trabalhadores de Chicago e descobriram que, quando estão no trabalho, eles prefeririam estar em outro lugar. 

Entretanto, esses mesmos funcionários afirmaram se sentir melhor e menos ansiosos no escritório ou na fábrica do que em outros locais. Os dois psicólogos chamaram isso de “paradoxo do trabalho”: muitas pessoas se sentem mais felizes reclamando de seus empregos do que desfrutando muito tempo livre. 

Os que defendem a era pós-trabalho afirmam que os norte-americanos trabalham tanto porque sua cultura os condicionou a sentir-se culpados quando não estão sendo produtivos e que essa culpa desaparecerá conforme o trabalho deixar de ser a norma. Isso pode até ser verdade, mas é uma hipótese instável. Quando perguntei a Hunnicutt que tipo de comunidade moderna mais se assemelha a seu ideal de sociedade pós-trabalho, ele admitiu: “Não tenho certeza se esse lugar existe”. 

Futuro da criatividade comunitária: a vingança dos artesãos Os artesãos eram a classe média original. Antes de a industrialização varrer a economia, muitas pessoas que não trabalhavam em fazendas eram ourives, ferreiros ou carpinteiros. Esses artesãos foram “triturados” pelas máquinas no século 20, mas Lawrence Katz, economista de Harvard, crê que a próxima onda de automação nos levará de volta a uma era de artesanato e arte. 

Ele anseia pelos desdobramentos da impressão 3D, com a qual máquinas constroem objetos complexos a partir de designs digitais. As fábricas antigas podiam fazer carros, garfos, facas, canecas e copos padronizados e de baixo custo, e isso afastou os artesãos dos negócios. “Mas e se as novas tecnologias puderem fazer objetos customizados igualmente baratos? É possível que a tecnologia da informação e os robôs extingam os empregos tradicionais e possibilitem uma nova economia artesanal, que giraria em torno da autoexpressão, pela qual as pessoas produziriam coisas artísticas em seu tempo”, afirma Katz. 

Já se vê um futuro semelhante em um número pequeno, porém crescente, de lojas industriais chamadas “espaços makers” que surgiram no mundo. A Columbus Idea Foundry é o maior espaço do tipo nos EUA, uma antiga e escura fábrica de sapatos cheia de máquinas da era industrial localizada em Columbus, também em Ohio. Centenas de membros pagam uma taxa mensal para, com suas máquinas, montar presentes e joias; soldar, polir e pintar; brincar com cortadores a plasma. 

A internet e a disponibilidade de ferramentas artísticas baratas já capacitaram milhões de pessoas a produzir cultura em suas salas de estar. Todos os dias se faz o upload de mais de 400 mil horas de vídeos no YouTube e de 350 milhões de novas fotos no Facebook. O desaparecimento da economia formal pode liberar muitos aspirantes a artistas, escritores e artesãos para que se dediquem a criar. Tais atividades oferecem virtudes que muitos psicólogos organizacionais consideram cruciais para ter satisfação no trabalho: independência, domínio de uma atividade e propósito. 

**FUTURO DA CONTINGÊNCIA: “VOCÊ POR SUA CONTA”**

A 1.600 metros do centro de Youngstown, em um prédio de tijolos cercado por terrenos vazios, fica o Royal Oaks, um icônico bar de trabalhadores. Às 17h30 de uma quarta-feira, o lugar estava quase cheio. A maioria dos clientes era formada por homens de meia-idade. 

Vários eram músicos, artistas ou artesãos, e muitos não tinham emprego estável. “É o fim de certo tipo de trabalho assalariado”, disse Hannah Woodroofe, bartender que também estuda na University of Chicago. (Ela está escrevendo uma dissertação sobre Youngstown como precursora do futuro pós-trabalho.) Muitas pessoas na cidade sobrevivem trabalhando em troca do aluguel, fazendo bicos ou permutando serviços. 

O professor da Youngstown State John Russo, coautor de um livro sobre a cidade, Steeltown USA, a vê como linha de frente de uma tendência maior em direção ao desenvolvimento do que ele chama de “precariado” – classe que oscila de uma tarefa para outra para sobreviver e sofre a perda de direitos trabalhistas e segurança no trabalho. Em Youngstown, muitos já fizeram as pazes com a insegurança e a pobreza construindo uma identidade e um pouco de orgulho em torno da instabilidade. 

A fé que perderam nas instituições não foi recuperada. Russo diz que eles acreditam na própria independência. O lugar aprendeu gradualmente a aderir à valorização da engenhosidade harmoniosa. No precariado de Youngstown, pode-se vislumbrar um terceiro futuro possível: o do empreendedorismo por necessidade. É mais complexo do que uma distopia. “Há jovens que trabalham meio período na nova economia e se sentem independentes; seu trabalho e suas relações pessoais são duvidosos, e eles afirmam gostar disso”, diz Russo. 

Parece que está cada vez mais fácil encontrar trabalhos de curto prazo – paradoxalmente, a tecnologia é a razão. Uma série de empresas turbinadas pela internet combina trabalhadores disponíveis com trabalhos rápidos, como é o caso do Uber (para motoristas), do Seamless (para entregadores), da Homejoy (para faxineiras) e do TaskRabbit (para todo mundo). Marketplaces online, como Craigslist e eBay, também têm ajudado as pessoas a assumir atividades independentes, como conserto de móveis. 

Embora a economia sob demanda ainda não seja primordial no cenário trabalhista, o número de funcionários em serviços temporários cresceu 50% desde 2010, segundo o Bureau of Labor Statistics. Alguns desses serviços também podem ser usurpados por máquinas no final. Já há apps que distribuem o trabalho dividindo vagas, o que faz as pessoas concorrerem por pequenos pedaços de uma função, e esses novos acordos já ameaçam as definições legais de empregador e empregado. São muitas as razões para ser ambivalente em relação a esses acordos, mas dividir os poucos empregos em período integral que sobraram entre funcionários de meio período em vez de entregá-los a poucos indivíduos não parece ser uma ideia tão ruim assim. 

Hoje a regra é pensar em emprego e desemprego como preto e branco, em vez de dois pontos em extremidades opostas de um amplo espectro de arranjos trabalhistas. Até meados do século 19, o conceito moderno de “desemprego” não existia nos EUA. A maioria das pessoas vivia em fazendas, e, enquanto o trabalho assalariado ia e vinha, a indústria doméstica era constante. Mesmo no pior dos cenários econômicos, sempre havia o que fazer. O desânimo com o desemprego foi descoberto só depois que o trabalho em fábricas se tornou dominante e as cidades cresceram. De certo modo, o século 21 pode ser comparado com o 19: uma economia marcada pelo trabalho episódico em uma série de atividades, na qual a perda de qualquer uma delas não torna ninguém ocioso. 

Muitos acham que os “bicos” são um pacto com o diabo – um pouco de autonomia em troca da perda da segurança. Contudo, há quem prospere em um mercado em que a versatilidade e a agitação são recompensadas, como a gente de Youngstown, onde há poucos empregos, mas muito a fazer. 

> **ROBÔ À VISTA**
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> Após 300 anos de alarmes falsos, há grandes motivos para levar a sério a afirmação de que o fim do trabalho se aproxima, ainda que lentamente: 
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> **• Perda de postos de trabalho.** Sinais da redução do trabalho humano como impulsionador do crescimento econômico já aparecem há um bom tempo.  A parcela da receita econômica dos EUA paga em salários caiu continuamente nos anos 1980, reverteu algumas de suas perdas nos anos 1990 e voltou a cair após o ano 2000, acelerando durante a recessão iniciada em 2008. Hoje, essa parcela chegou ao nível mais baixo desde que o governo começou a registrá-la, em meados do século 20. Loukas Karabarbounis e Brent Neiman, economistas da University of Chicago, estimam que quase metade da queda é resultado da substituição dos funcionários por computadores e softwares. Em 1964, a empresa mais importante do país, a AT&T, valia US$ 267 bilhões, em dólares de hoje, e empregava 758.611 pessoas; atualmente, o Google vale US$ 370 bilhões e conta com apenas 55 mil funcionários. 
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> **• Aumento dos homens que não trabalham e da juventude subempregada.** Desde 2000, a porcentagem de norte-americanos de 25 a 54 anos que não trabalham vem aumentando. Entre os homens, é marcante:  um em cada seis nessa faixa etária está desempregado ou fora da força de trabalho. Uma explicação possível é que a mudança tecnológica ajudou a eliminar os empregos nos quais a maioria se encaixa. Além disso, mais pessoas estão buscando o ensino superior, porém o salário real dos recém-formados diminuiu 7,7% desde 2000. Olhando o quadro mais amplo, o mercado de trabalho parece exigir cada vez mais preparo por um salário cada vez menor. 
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> **• A sagacidade do software.** Como Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee discutem em seu livro A Segunda Era das Máquinas, os computadores evoluem tão rápido que prever seu uso daqui a dez anos é quase impossível. Em 2005, quem adivinharia que os smartphones ameaçariam empregos em hotelaria uma década depois, ajudando proprietários a alugar suas moradias a estranhos pelo Airbnb? A maioria dos empregos ainda é tediosa, repetitiva.  As ocupações mais comuns nos EUA – vendedor de loja, caixa, garçom e secretária, que empregam quase 10% da força de trabalho – são altamente suscetíveis à automação, segundo estudo de Oxford.  A tecnologia também gera empregos, mas poucos. Nos dias de hoje, nove em cada dez trabalhadores ocupam cargos que já existiam há cem anos; só 5% dos empregos gerados entre 1993 e 2013 vieram de setores de alta tecnologia.

**OUTROS EFEITOS E O PAPEL DOS GOVERNOS**

Nos anos 1950, Henry Ford II, CEO da Ford, e Walter Reuther, diretor do sindicato United Auto Workers, passeavam por uma nova fábrica de motores de Cleveland quando Ford apontou para uma frota de máquinas e disse: “Walter, como esses robôs farão contribuições ao sindicato?”. Em sua resposta famosa, o líder do sindicato teria dito: “Henry, como você fará com que eles comprem seus carros?”. 

Como Martin Ford (que não é parente de Henry) escreveu em seu livro The Rise of the Robots, essa história pode ser apócrifa, porém sua mensagem é instrutiva. Somos muito bons em notar os efeitos imediatos da substituição de trabalhadores por máquinas, mas antecipar os efeitos secundários dessa transformação é difícil. 

 que acontece com a economia de consumo quando os consumidores são excluídos? O progresso tecnológico na escala em que estamos imaginando apressaria mudanças sociais e culturais quase impossíveis de prever. Consideremos apenas como o trabalho moldou a geografia dos EUA. As cidades costeiras de hoje são um emaranhado de prédios empresariais e residenciais, ambos caros e restritos. A diminuição do trabalho tornaria muitos deles desnecessários. 

O que isso significaria para a vitalidade das áreas urbanas? Com a redução da força de trabalho, nossa política seria mais litigiosa. Decidir como cobrar impostos sobre lucros e distribuir renda talvez se tornasse o debate econômico-político mais importante da história. Em A Riqueza das Nações, Adam Smith usou o termo “mão invisível” para se referir à ordem e aos benefícios sociais que nascem dos atos egoístas dos seres humanos. Mas, para preservar a economia de consumo e o tecido social, os governos talvez tenham de adotar o que Haruhiko Kuroda, diretor do Banco do Japão, chamou de “mão visível da intervenção econômica”. Eis um pouco de futurologia:

• No curto prazo, governos locais teriam de criar espaços públicos nos quais os moradores pudessem se encontrar, aprender, criar vínculos por meio do esporte e da arte e socializar. Afinal, dois dos efeitos colaterais mais comuns do desemprego são solidão, individualmente falando, e a perda do orgulho comunitário.

• Isso facilitaria a iniciativa de pessoas que desejam ter o próprio negócio, mesmo de pequena escala. Nos 50 estados norte-americanos, a constituição de novas empresas diminuiu nas últimas décadas. Uma forma de cultivar isso seria construir uma rede de incubadoras. 

• Os EUA poderiam aprender com a Alemanha a compartilhar o trabalho. O governo alemão dá incentivos às empresas que reduzem as horas de trabalho de seus funcionários em vez de demiti-los em tempos de crise. Disseminar o trabalho dessa maneira, porém, tem limites. Alguns cargos não são facilmente compartilhados, e dividir o trabalho não impediria a redução do tamanho do bolo do emprego. 

• Diante de menos ofertas de emprego, o governo também teria de encontrar um jeito de compartilhar a riqueza. Uma forma de fazer isso seria cobrar mais impostos dos detentores do capital e usar o dinheiro para oferecer, a todos, “renda básica universal”. A ideia já recebeu apoio até dos mais liberais, mas assusta. Os ricos poderiam afirmar, com certa razão, que seu trabalho árduo estaria subsidiando a ociosidade de milhões. Além disso, os benefícios sociais do trabalho não seriam preservados. 

• Melhor seria, então, que o governo pagasse as pessoas para fazerem algo, em vez de elas não fazerem nada. Apesar de isso cheirar ao antigo socialismo europeu ou ao sistema trabalhista no período da Grande Depressão dos EUA, talvez preserve virtudes como responsabilidade, ação e diligência. Nos anos 1930, a Works Progress Administration fez mais do que reconstruir a infraestrutura do país. Ela contratou 40 mil artistas e outros trabalhadores culturais para produzirem música e teatro, murais e pinturas, guias de viagem estaduais e regionais e pesquisas em registros do estado. Imaginar algo como a WPA para um futuro pós-trabalho não é impossível. 

Há motivos para usar as ferramentas do governo para ajudar pessoas a evitar as armadilhas típicas do desemprego e construir vidas ricas e comunidades vibrantes. Para que as pessoas virem artesãs makers, por exemplo, serão necessários educação e treinamento, e o ganho com isso não será tão óbvio em uma sociedade pós-trabalho. 

Sem ver motivo para se desenvolver, como alguém descobrirá seus talentos? Pagamentos modestos a jovens que frequentam e terminam a faculdade, programas de treinamento de habilidades ou workshops de centros comunitários podem um dia ser considerados pelos governos. Parece uma visão radical, mas o objetivo seria conservador – preservar o status quo de uma sociedade educada e engajada. Os jovens continuariam evoluindo para serem cidadãos. 

**EMPREGO E VOCAÇÃO**

Daqui a algumas décadas, talvez o século 20 soe aos historiadores como uma aberração, com sua devoção religiosa ao trabalho em tempos de prosperidade, a desestruturação da família e a confusão entre renda e valor pessoal. A sociedade pós-trabalho aqui descrita é um espelho distorcido da economia de hoje, mas reflete de muitas maneiras as normas esquecidas de meados do século 19 – a classe média artesã, a primazia das comunidades locais e a não familiaridade com o desemprego generalizado. 

Os três futuros potenciais – consumo, criatividade comunitária e contingência – não são caminhos separados que se ramificam do presente. Eles podem se entrelaçar e até influenciar um ao outro. O entretenimento deve tornar-se mais imersivo em todos os casos e exercerá uma força gravitacional sobre as pessoas que não trabalham. Mas, se diversão for tudo o que restar às pessoas, a sociedade terá fracassado. 

A velha fundição Columbus, de Ohio, hoje um espaço maker, demonstra como os “terceiros lugares” na vida das pessoas (locais separados de suas casas e escritórios) poderão tornar-se fundamentais para o crescimento, para o aprendizado de novas habilidades e para a descoberta de paixões. E, com ou sem esses lugares, muitas pessoas precisarão adotar a desenvoltura aprendida ao longo do tempo por cidades como essa de Ohio. 

Quando pensamos no papel do trabalho na autoestima das pessoas, a perspectiva de um futuro sem trabalho parece impossível. Não há renda universal básica que evite a ruína cívica de um país com um pequeno grupo de trabalhadores subsidiando permanentemente a ociosidade de dezenas de milhões de indivíduos. Porém há esperanças em relação ao futuro com menos trabalho, no sentido de as pessoas finalmente gostarem do que fazem. Talvez seja isso o que o futuro nos reserva. Será que não?

> Você aplica quando… 
>
> … entende em detalhe os três cenários de futuro que os especialistas estão desenhando e que tendem a sobrepor-se. … planeja como sua organização pode encaixar-se em cada um deles e quais as adaptações necessárias para que o encaixe seja bem-sucedido. … liga-se de alguma forma a movimentos como os espaços makers e a economia criativa, que especificamente devem continuar a ter fôlego no mundo pós-trabalho.

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