Ele está quase se acostumando a ser chamado de o “pai do Rony” – seu filho, Rony Meisler, é cofundador da Reserva, incorporada em 2020 pelo grupo Arezzo e uma das marcas mais valorizadas da moda brasileira nos últimos anos. Mas a trajetória de Luiz Meisler é diferente, e também impressionante: ele entrou na Oracle nos anos 1990, quando Rony ainda era adolescente. Jamais saiu da gigante de tecnologia, e virou um desses casos, cada vez mais raros, de pessoas que envelhecem dentro da mesma empresa.
Vice-presidente da Oracle América Latina, Meisler, aos 70 anos, ainda tem muitas ideias para tirar do papel. Ele falou com __HSM Management__ sobre os projetos da empresa, a família e a ainda distante aposentadoria.
### Como toda empresa de tecnologia, a Oracle precisa inovar. Mas o gigantismo de uma estrutura corporativa costuma trazer maiores desafios. Como é na Oracle?
Ela tem um perfil cultural bem diferente das outras big techs. A Microsoft, por exemplo, que é uma tremenda empresa, é superestruturada, então os processos que se aplicam lá fora são exatamente os que se aplicam em qualquer lugar do mundo. As pessoas têm pouco espaço para criar, porque as coisas vêm muito mais prontas. Eu diria o mesmo da Amazon, da SAP, de quase todas as outras.
ONE (Oracle Next Education)
Programa de educação e empregabilidade com objetivo social de capacitar pessoas em tecnologia e conectá-las com o mercado de trabalho por meio de empresas parceiras. O curso é 100% online e gratuito.
Pessoas inscritas
Brasil
57,7 mil
América Latina
300 mil
Pessoas formadas
Brasil
3.198
América Latina
59.725
Pessoas contratadas
Brasil
2.006
América Latina
9.450
Parceiros de empregabilidade
Brasil 50
América Latina 120
### Cultura diferente como?
É muito diferente. Talvez seja até essa a razão pela qual estou aqui há 25 anos. Se estivesse em qualquer uma das outras, eu já teria sido mandado embora. Tenho muita dificuldade de trabalhar dentro de uma caixinha, sem liberdade de fazer aquilo que eu acho correto, principalmente no que se refere a pessoas e clientes.
A Oracle, então, é muito interempreendedora, e eu entendi isso desde o primeiro momento. Quando entrei, ela era uma empresa pequenininha – tinha 200, 300 pessoas –, mas se alinhava completamente ao que eu acreditava que deveria ser uma empresa grande. Sou responsável pela América Latina há 23 anos, e não aprovo nenhum centavo de desconto, nenhum contrato sai da companhia sem aprovação do headquarter, mas eu posso dizer: eu sou o “dono” dela na América Latina. Se você perguntar para minha chefe {Safra Catz}, que é a CEO da companhia, como é que nós estamos organizados, eu te garanto que ela não vai saber dizer.
Essa cultura ajuda bastante a inovar, e vem do Larry {Ellison}, que é o dono e maior acionista {com 45% do negócio}. A Safra cuida de toda a empresa e o Larry, de tudo que é desenvolvimento de produto. Eles têm um alinhamento espetacular. Os produtos são os mesmos, são globais, mas a empresa delega aos desejos dos executivos a capacidade de definir qual a melhor forma de atuar nos seus mercados, respeitando a diversidade, o que dá uma oportunidade enorme de criar o que a gente acredita que os mercados querem.
### Dentro dessa cultura, que tipo de experimentos de gestão foram feitos e deram certo?
Um foi o de contratação às cegas, programa desenvolvido há cinco anos por novos talentos contratados. Até as últimas duas dinâmicas, você não sabe nada da pessoa: é uma tela borrada, nem pela voz dá para reconhecer o gênero. Torna o processo superinclusivo, trouxe pessoas com formações completamente diferentes e, para nós, mostrou uma visão diferente de contratação. O projeto começou aqui no Brasil, escalou para toda a América Latina, mas ainda não para o mundo.
Outro processo que eu destacaria é o de formação e educação. A ideia era: como dar uma educação mínima de empreendedorismo e programação, que é a nossa grande porta de entrada para a tecnologia? E como fazer isso em escala? Aí fechamos o pacote, que é parecido com o do Rony {filho de Luiz} na Reserva, 1P5P, em que a cada contrato assinado damos cinco matrículas na universidade. Hoje temos, globalmente, 300 mil pessoas inscritas. Já formamos 59 mil pessoas e 9 mil delas estão empregadas – não só na Oracle, porque buscamos empresas, concorrentes ou não, para entrar no programa. Esse, sim, escalou para o mundo e até para fora da Oracle. É uma forma de devolver para a sociedade um pouco do privilégio que temos na vida.
Além disso, agora estamos com um programa de certificação no nosso cloud. Estamos crescendo três dígitos, temos mais de 8 mil clientes. A empregabilidade com certificação é um monstro. Nossa tecnologia é diferenciada, mas o conceito todo por trás dela é que é o importante. Nesse programa, os profissionais aprendem um mundo que é completamente diferente, mas que já é parte da vida de todos. Mesmo assim, ainda têm muitos profissionais que resistem a esse conceito, o que é impressionante. Mas acho que é por pouco tempo.
### Já que falou de seu filho, o que você aprende com eles? Quais são as trocas?
Hoje eu diria que eu aprendo muito mais com eles do que eles comigo, mas eles vão dizer o contrário, se você perguntar. O Roni é um empreendedor fora da curva, é um mestre do empreendedorismo. Sempre foi um excelente aluno, um estudioso, curioso. Lê um livro por semana e se aprofunda muito nas coisas, com disciplina – marca nos livros o que interessa, copia num caderninho e, então, implementa. Eu não sou nada disso, minha sorte foi que apareceu o audiobook, que salva minha vida, e não sou disciplinado. Tento ser mais, porque vejo no Roni a vantagem da disciplina. Para o que eu não consigo – e reconhecendo a falha –, conto com as pessoas ao meu redor no meu time, me complementando.
O André {*sócio da rede T.T. Burger*}, eu diria, é um empreendedor mais de gente do que de negócio. Tem outra forma de ver o negócio. As pessoas que estão próximas dele são apaixonadas. Se eu pudesse defini-lo em uma palavra, seria coração. Mais preocupado em doar do que em fazer, inclusive está à frente de um movimento em comunidades que atraiu outros empreendedores.
Os dois são bem diferentes, mas conscientes da responsabilidade social. O caráter de ambos é exemplar, com valores fortes. Fico emocionado até, mas devo isso a minha esposa, minha alma gêmea – são 56 anos juntos –, que foi na vida uma educadora general – nesse caso, no oposto do ambiente corporativo, funciona o top down, o comando e controle. Como sempre trabalhei e viajei muito, ela assumiu o papel de uma superempreendedora do lar, como Roni disse certa vez. Ela criou um padrão de educação muito bom. A minha família, incluindo as esposas dos filhos e meus netos, é a fortuna que eu tenho. Temos valores que vieram de antes também.
Meu pai foi um sobrevivente do pós-guerra, saiu da Polônia e encontrou na Itália a minha mãe, de uma bondade infinita. Juntos vieram para o Brasil, sem nada. Construíram um patrimônio, perderam tudo. É por isso que, quando se fala de inclusão e diversidade, não faz sentido, para mim, ter de ser um projeto para algo tão óbvio, deveria simplesmente ser algo natural.
Três palavras mágicas por Luiz Meisler
Um mantra que deve guiar, sistemicamente, tanto a vida profissional como a pessoal
Todo líder precisa ter uma espécie de mantra, que corresponda ao que ele realmente acredita. Precisamos ter a consciência, nessas companhias muito grandes, que somos uma engrenagem. É muito importante quando estamos ali; se não estivermos, virá outro para substituir. O cemitério está cheio de insubstituíveis, não é? Então, tendo essa consciência, temos que fazer o melhor; e o melhor nunca é o que se está fazendo agora. Podemos fazer sempre muito mais.
Eu uso três palavrinhas mágicas que são: humildade, gratidão e generosidade. São as que dirigem a nossa vida como um todo, a profissional e a pessoal. Cada um tem de assumir o seu papel e fazer o que tem que fazer. É essa cultura que tentamos passar, para que a segunda-feira seja um dia de prazer, e não um dia de tortura na hora de ir trabalhar. Ir trabalhar feliz.
### Você mencionou Safra Catz. Como é ter uma mulher como CEO global?
Ela é uma pessoa fora de série. Esteve recentemente no Brasil, e todos que tiveram contato com ela saíram apaixonados. A Safra entrou na companhia mais ou menos na mesma época que eu, depois de conhecer Larry num curso. Safra o desafiou – e desafiar o Larry é complexo, até porque ele é um gênio –, dizendo que ela podia transformar a companhia num negócio muito mais rentável. Ela o convenceu. Isso em 1998 ou 1999, quando a Oracle faturava US$ 9 bilhões e tinha 50 mil pessoas. Hoje são US$ 50 bilhões e 180 mil pessoas. Uma companhia de tecnologia não sobrevive sem um Ebtida de 40%, 50%, porque tem muito reinvestimento. As empresas que fizeram 20%, 30% de margem ou foram compradas ou desapareceram. Na época, a Oracle era uma empresa com essa faixa de margem. E a Safra, em um ano, a levou para um universo novo. Ela cortou US$ 1,5 bilhão quando o faturamento era de US$ 9 bilhões. Imagina o impacto? Para eu chegar a ela e ao Larry tinha cinco níveis hierárquicos. Passei a me reportar diretamente a eles em dois anos.
O fato de ela ser mulher ajuda muito. É um exemplo de sucesso, uma inspiração para todos. Ela tem tudo: empatia, carisma, inteligência. É uma advogada que entende muito de tecnologia. Então você vê que a formação não é o negócio mais relevante.
### Essa cultura diferente da Oracle sempre foi assim?
Tivemos uma transformação muito grande de nuvem. A empresa vendia produtos e software. Comprou uma empresa {a Sun} que vendia hardware. E tinha serviço. Então, vendia e ia buscar outro cliente. Se o produto funcionaria bem ou mal, não era um problema nosso, mas de quem implantava o produto. Cinco, seis anos atrás, identificamos que a cultura ia mudar. Íamos entrar no mercado de subscrição, em que o cliente paga pelo uso. Aí começou um processo de mudança cultural muito forte.
Precisou treinar os vendedores, que estavam acostumados só a vender. Eles teriam que passar a ter a responsabilidade de que aquilo que estavam vendendo seria implantável, dando retorno para o cliente, ou seja, agregando valor para o cliente. No outro modelo, era o cliente que definia o que agregava, e nós só vendíamos. Agora temos que ajudá-lo a criar a equação econômica para agregar valor, e além disso a responsabilidade do sucesso da implementação é toda nossa, somos compensados e recompensados pelo sucesso do cliente. Só nisso tem uma mudança cultural brutal.
### E quando perguntam quando você pretende se aposentar?
Estou com 70 anos, e às vezes me perguntam isso. Eu respondo que não gosto de jogar golfe nem de pescar, adoro tecnologia, então já estou aposentado. Eu sou um apaixonado. Qualquer coisa nova, meio maluca que sai, eu faço esforço e compro, porque eu quero ver, tocar, usar, experimentar. É mais ou menos esse perfil de pessoas que a gente quer, que gosta do que faz. Quem gosta do que faz, naturalmente, estuda.
### Para onde o mundo vai?
Vai mudar, mas ninguém sabe como. E não vamos saber por algum tempo até que as nossas vidas sejam mudadas. Por isso, é importante ter curiosidade, pesquisar. É um dinamismo impressionante que existe no mercado, e os jovens estão muito mais capacitados nisso, fazem muito melhor do eu. E isso me desafia, quero me tornar esses jovens…{risos}
Mas temos barreiras a derrubar. Quando estou com meus filhos e eles estão no celular, tenho que quase gritar para que olhem para mim. Precisamos mudar algumas coisas, para não deixarmos de ser humanos. Essa é a parte complexa… Eles falam que precisam ficar conectados, postar no Instagram. É uma urgência que não existe, porque não acontece nada de mais se eles não ficarem online.
### Todo esse cenário tecnológico é uma ameaça ou oportunidade?
É uma tremenda oportunidade para nós, seres humanos, usarmos mais a nossa inteligência, porque a gente usa muito pouco. Acho que esse percentual pequeno que a gente usa a máquina já alcançou e já passou. Mas tem um percentual que a gente não usa, e precisamos usar mais.
### O que você considera importante na vida?
Como profissional, é ser insaciável, querer subir na vida, não na parte monetária. Nunca busquei o material como objetivo, até porque tive momentos de ter nada. O material, para mim, é uma consequência de fazer coisas bem feitas. O importante é estar bem com a gente mesmo, ter uma família legal.
GenO (Generation Oracle)
É o programa de contratação às cegas de estagiários (dados da América Latina).
356 estudantes passaram pelo programa
60% são mulheres
100 vagas e
8,7 mil inscritos na quarta turma. No Brasil são: 40 vagas e
4,5 mil inscritos
68% continuam na empresa após quatro anos do início do programa
Artigo publicado na HSM Management nº 159.