Contagem regressiva
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Uma “DAO” brasileira, feminina e com viés social

Acaba de nascer o Projeto EVE, uma das organizações autônomas descentralizadas baseadas em blockchain pioneiras do Brasil, que tem planos ousados para as mulheres não ficarem – de novo – fora da revolução tecnológica do momento

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### 10 – De onde veio essa ideia de unir nove mulheres para empreender uma DAO, uma das primeiras organizações autônomas descentralizadas baseadas em blockchain do Brasil?
__Cintia Ferreira__ – Eu e a Simone {Sancho} trabalhamos em banco juntas e fundamos juntas a BelongBe, um marketplace de beleza que foi ao ar em agosto de 2021 e em 45 dias faturou tanto que acabamos vendendo o controle para o grupo Malwee. É o primeiro marketplace de marcas independentes da América Latina. A Simone continua na liderança do negócio como executiva, e eu fiquei solta para empreender. Aí pensei na EVE e concluí: “Quero trazer várias mulheres emblemáticas em sua carreiras, e diferentes, para ser sócias”.

__Simone Sancho__ – Na verdade, a Cintia reuniu essas mulheres diferentes, e complementares, que têm em comum o propósito de construir e valorizar o espaço da mulher no mercado de trabalho. Cintia defendeu muito essa causa no banco. Foi ela que trouxe a Malala {prêmio Nobel da Paz em 2014} para o Brasil {em julho de 2018}, inclusive. E está fazendo de novo. Conta, Cintia!

__Ferreira__ – É, quando entrei com 16 anos no Banco Itaú, em 2003, e ia às reuniões, geralmente só havia homens. Era muito desconfortável para mim não ter o apoio de nenhuma mulher para pensar como eu pensava, para sentir como eu sentia. Fui uma das primeiras meninas questionadoras de mesa de diretoria. Lutei bastante, e conseguimos muitos avanços em representatividade.

Quem são as 9 fundadoras

Além de Simone Sancho, Cintia Ferreira está trazendo para o Projeto EVE especialistas em tecnologia e finanças como Nina Silva (fundadora e líder do Movimento Black Money, fintech D’Black Bank), Ana Laura Magalhães (ex-sócia
da XP e influenciadora

#ExplicaAna, [hoje fundadora da Humana.org], Roberta “Beta” Antunes (sócia e head de growth da Hashdex e cofounder do Hotel Urbano), Núbia Mota (executiva da Adobe), Kim Farrell [executiva do TikTok para as Américas], Samara Costa Spinelli [empreendedora e diretora criativa da S-cards] e a cantora Paula Lima.

### 09 – Duas perguntas em uma: por que fazer essa luta no mercado de criptoativos e não com outro produto financeiro qualquer? E no Brasil, a luta é mais difícil?
__Ferreira__ – Foi inconformismo meu. Percebi que estamos vivendo a revolução da nova era da tecnologia, a nova internet web3 {saiba mais no quadro abaixo}, e só 4% do universo de cripto hoje é formado por mulheres em nível global. Os homens estão na frente em tecnologia e no mercado financeiro, temos de mudar isso – não se trata de sermos excludentes também, e sim de ter homens e mulheres lado a lado. Precisamos levantar essa bandeira agora se quisermos garantir que, daqui a 20 anos, nossas filhas não estarão lá de novo tendo de brigar por espaço.

Também tem uma história pessoal aí. Um ano atrás, ainda no meio da pandemia, meus negócios estavam parados – a maioria, físicos –, e meu marido, que é engenheiro de software, estava aqui trabalhando para caramba em tokenização para games. Eu pensei: tenho de entrar nesse negócio. Nos EUA e na Ásia o assunto estava já com bastante relevância, mas no Brasil as pessoas nem tinham começado a falar disso. Eu entrei no grupo dos estudos dele, e só tinha homens.

Aí nos tornamos o primeiro grupo de mulheres do Brasil a fazer uma coleção no mercado de NFTs. Lá fora já temos o World of Women, ou WoW {cuja primeira coleção de NFTs foi lançada em julho de 2021 pela artista Yam Karkai}.

No Brasil, a dificuldade talvez seja maior, sim: temos uma cultura ainda de colônia {que faz as coisas depois}. Quando olhamos para o mercado norte-americano ou para os europeus, vemos muitas mulheres protagonizando. Aqui corremos atrás e, quando achamos que aprendemos a jogar, o jogo lá fora vira novo, como agora, e começamos o movimento de correr atrás de novo. Quero saber como nos manteremos na frente.

Saiba mais sobre a web3

A web 3.0 é a terceira iteração da web. Na internet, a web 1.0 foi a dominante entre 1991 e 2004, com páginas estáticas e usuários como consumidores de conteúdo. A web 2.0, que prevalece até hoje, orienta-se a comunidades e tem um usuário que também produz conteúdo. A web 3.0 será descentralizada – nela não se veria uma hegemonia como a do Facebook – e se orienta ao indivíduo, que ganha controle sobre seus dados. Em 2006, Tim Berners-Lee começou a trabalhar na web semântica como parte da web 3.0, com o objetivo de fazê-la legível por machine learning para que o usuário pudesse definir suas próprias regras de dados. Em 2014, o cofundador do Ethereum, Gavin Wood, cunhou o termo web3, como um ecossistema online descentralizado baseado em blockchain, e que focaria criptografia, criptomoedas e, num futuro mais distante, o metaverso. Seria uma evolução da web 3.0.

### 08 – Estou vendo que o WoW, como é chamado, tem investidoras famosas como as atrizes Reese Witherspoon e Eva Longoria, e até o investidor Gary Vee… E o conceito da DAO? Vocês trocaram o registro na Junta Comercial pelo blockchain? Por quê? Como funciona?
__Ferreira__ – Estamos aprendendo; tudo é muito novo. Essas comunidades em blockchain surgiram em 2016 {a primeira DAO surgiu em abril, com uma campanha de crowdfunding em tokens}, e o conceito de NFTs {um tipo de token que é não fungível, ou seja, é único} é mais ou menos da mesma época. Quando começamos a desenhar nosso projeto, a primeira ideia que veio foi: precisamos montar uma DAO. Assim, quem comprasse nosso NFT teria direito ao voto dentro da comunidade.
Temos um smart contract dentro do blockchain que define todas as regras. E, no mundo físico, temos registro em marcas e patentes. Quanto ao funcionamento, nos comunicamos numa rede social específica, que é o Discord.

__Sancho__ – As DAOs têm como conceito principal pertencer a comunidades, fazer as construções em conjunto, reinvestir em prol da comunidade. É o grande benefício da descentralização, e vai popularizar cada vez mais as DAOs.

### 07 – Em setembro de 2021, saiu a primeira DAO do País, de homens, a Bankless BR. Como a EVE se diferencia?
__Ferreira__ – Vale explicar antes que o mercado de NFT tem três verticais principais: peças para comprar dentro de jogos, como o Fortnite; arte digitalizada – obras da Adriana Varejão, músicas, moda –; e profile pictures, usadas como fotos de perfil nas redes sociais e que podem ser nosso avatar no metaverso.

Estamos começando com uma coleção de 10 mil NFTs profile pictures assinadas pela Lívia Elektra, que é uma das melhores fotógrafas do mundo {musicista}, uma brasileira que tem coleções em Portugal, Los Angeles, Londres e Nova York, e já tem NFT valendo US$ 200 mil. Ficamos superemocionadas de conseguir fechar com ela, porque somos muito fãs; e ela fechou porque o projeto é tudo em que acredita.

Vão ser profile pictures de mulheres que nos representam no dia a dia – a mulher moderna, a workhaholic, etc. Essa primeira coleção será lançada em etapas de revelação e exclusividade, porque NFTs têm o conceito de raridade.

### 06 – Vemos notícias de valorizações, sim, e também de desvalorizações súbitas, que assustam as pessoas… Como vocês explicam?
__Sancho__ – Vou dar a visão de quem começou a trabalhar fazendo day trade. Quando você cria um ativo, seja físico ou virtual, a valorização dele está sempre relacionada à sua importância no mundo em que ele está. Exemplo fresco: a ação da Netflix subia todos os dias; quando o investidor sentiu que os assinantes começaram a considerá-la menos importante, saiu vendendo. Se você tiver um NFT da EVE e não perceber valor nisso, certamente o valor cairá.

Pelos cases NFT que acompanho, os voos de galinha são daqueles grandes lançamentos cujo emissor depois se esquece de continuar entregando. Quero dizer com isso que a parte de nós fazermos entregas constantes é essencial para a valorização. E vamos providenciar entregas constantes. Pode ser, por exemplo, uma celebridade comprando um NFT e puxando o resto, como aconteceu agora que o Neymar comprou o macaco com estrelinha de ouro {da coleção Bored Ape Yacht Club, pagando R$ 6 milhões} e valorizou a coleção.

Quem compra nosso NFT tem acesso a um clube de vantagens, que são entregas. Pode participar de jantares com as founders para falar de como abrir uma wallet – são pílulas de conhecimento sobre o universo de NFTs –, ser convidada para eventos de tecnologia como o Vtex Day recente etc. Vale lembrar que temos três pilares: educar, fazer a comunidade crescer (as coleções servem para isso) e filantropia.

__Ferreira__ – A filantropia vem muito forte; temos aqui uma porcentagem de no mínimo 10% das arrecadações que vão para ONGs e institutos com programas para mulheres, como o Capacita-me, da Rachel Maia, que forma principalmente moradoras de comunidades. E o fato de Nina Silva e Paula Lima estarem conosco nos puxa muito para o envolvimento de mulheres negras.

Conheça as especialistas

As fundadoras Nina Silva, Ana Laura Magalhães e Beta Antunes aceleram o aprendizado

“Uma coisa que eu senti desde o lançamento na interação com nossas convidadas é que elas se sentem acolhidas quando a gente fala que estamos todas aprendendo, que ninguém é especialista.” Esse depoimento, da cofundadora da EVE Simone Sancho, é verdadeiro, mas tem exceções: Nina Silva é especialista em tecnologia, Ana Laura Magalhães é especialista em investimentos, e Roberta “Beta” Antunes entende especificamente de criptoativos. Sem dúvida, as três não contribuem apenas para a aceleração desse aprendizado, como para melhorar suas próprias áreas de origem.

Para Nina Silva, “a tecnologia tem de ser feita por todas e para todas as pessoas, caso contrário não é funcional e muito menos inovadora”. Ana Laura Magalhães, ex-sócia da XP e do #ExplicaAna em fase de #nocompete, acredita muito na revolução tecnológica, que já disrupta bancos e seguros e, a seu ver, vai disruptar a arte no geral e qualquer outra coisa. “Eu quero fazer parte dessa próxima revolução”, diz ela. Beta Antunes vê o Projeto EVE como muito importante para a transição nessa revolução. “Acredito muito que blockchain é o futuro e que cripto leve ao blockchain. O jeito de a gente diminuir esses desafios para as mulheres nessa área é fazendo com que elas comecem agora se familiarizando com cripto”, diz. “Cripto pode transformar a indústria financeira nos próximos cinco a dez anos.” Em sua empresa, Hashdex, ela também trabalha para reduzir a fricção nesse mercado. “Hoje há mais de 15 mil criptos, fica difícil escolher. Fazemos esse papel, trabalhando só com fundos regulados.”

### 05 – Como vocês planejam essas entregas? Por ano ou em prazos menores?
__Ferreira__ – Vamos trabalhando com o plano de três em três meses. Saiu uma nova coleção? Vemos a reação e vamos criando benefícios novos para engajar mais a comunidade. Por exemplo, nessa primeira emissão de cem NFTs, que pode sair em maio ainda, o benefício é poder personalizar esse avatar; algo inovador nesse mercado. Aí a gente lança mais 300, 1.000, etc. Logo após o lançamento no Brasil, já vamos fazer o lançamento em Nova York. Temos brasileiras que moram lá e norte-americanas já conectadas.

### 04 – Entre as verticais, o foco vai ser profile pictures ou vocês farão outros tipos?
__Ferreira__ – O foco inicial vai ser arte e profile pictures. Daqui a pouco a gente pode começar a fazer roupas, beleza… A comunidade decidirá para onde vamos.

### 03 – Falamos em metaverso e no mundo digital em geral, mas há conexões dos NFTs da EVE com o mundo real?
__Sancho__ – Eu já fico com a cabeça fervendo de pensar em quantas coleções de NFTs a gente poderia lançar para fundear produtos e negócios na vida real. Imagine que eu tenho uma empreendedora do sul do Paraná com uma ideia maravilhosa, com uma fórmula que ela criou com a família, mas ela não tem funding para começar aquele negócio. Eu posso emitir uma coleção de NFTs, várias pessoas vão apoiar aquilo.

O negócio foi lançado? As pessoas que compram NFTs vão poder dar opinião. Como faz a Sallve, beauty tech que se define como marca de comunidade.

### 02 – Qual a métrica de sucesso da EVE? Se homens começarem a comprar e virarem maioria, é fracasso?
__Sancho__ – Aí a gente vai apoiar mais mulheres a comprarem NFTs e entrarem em nossa comunidade. {risos}

__Ferreira__ – Isso efetivamente deve acontecer, especialmente no início, porque homens são muito dominantes nesse mercado. Agora, eles têm uma tendência de apoiar os negócios uns dos outros, por que não apoiarem negócios de mulheres? E nós vamos nos apoiar para outros negócios; já está acontecendo. Métrica de sucesso? Mais DAOs de mulheres.

### 01 – Para o Institute for the Future, comunidades são um pilar da economia do futuro. A comunidade irá além dos NFTs? Qual é o pitch de vocês?
__Sancho__ – Sim. EVE remete a Eva, mas é o encurtamento da palavra “everyone”, todo mundo, em inglês. Não é à toa. A gente tem um pensamento sobre isso que ainda é segredo, mas vai além.

__Ferreira__ – O pitch é de ativismo, para que passemos a moldar a realidade de fato, em vez de pensar “deixa ver se acontece, e lá na frente eu entro”. Além disso, o que temos visto nesse mercado é entusiastas versus “tesoureiros de bancos” dizendo que os NFTs vão flopar. Então, o pitch é para usar a EVE como um modo de aprender a lidar com a incerteza. Tudo isso fortalecendo as mulheres.

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