Marketing e vendas, Tecnologia e inovação

Uma Florença em sua empresa

O sueco Frans Johansson ensina a inovar de maneira barata, como se fazia na corte dos Médici durante o Renascimento – buscando inspiração na interseção dos diferentes e abrindo-se aos cliques decorrentes

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Cabeleireira de formação, mãe de quatro filhos, a libanesa australiana Aheda Zanetti arrumou, em 2003, um emprego como operadora de telemarketing. Não estava nada satisfeita com a vida profissional, mas não encontrava saída. 

Até que, um dia, naquele ano, ela foi ver a sobrinha jogar netball, uma versão australiana do basquete. Muçulmana como ela, a garota usava burca – vestimenta que cobre todo o corpo, da cabeça aos pés, como manda a Xaria, o código civil islâmico – e estava nitidamente desconfortável na competição. Olhando a sobrinha em desvantagem em comparação com as demais jogadoras, esfalfando-se para jogar, Zanetti se lembrou do tempo em que era mais jovem e também praticava esportes com a mesma dificuldade. Foi então que ela teve um clique. 

Ao voltar para casa após a partida, ela começou a desenhar o que viria a ser uma das peças mais polêmicas do mundo da moda: o burquíni. Mistura de burca com biquíni, o traje cobre o corpo inteiro, exceto o rosto, as mãos e os pés. É confeccionado em lycra, o que o torna leve o suficiente para permitir a prática de natação e outros esportes. Além do sucesso entre as muçulmanas – só no primeiro mês de lançamento vendeu 9 mil peças –, o burquíni acabou sendo solução para mulheres de religiões como o judaísmo e o hinduísmo, que igualmente impedem a exposição, e até mesmo para ocidentais que buscam um traje de proteção solar para o corpo inteiro. 

Com lojas espalhadas por quatro continentes e vendas pela internet (inclusive para o Brasil, em reais), a empresa de Zanetti, a Ahiida, já tinha vendido mais de 700 mil burquínis até o ano passado (ela não revela faturamento). Em agosto de 2016, quando o governo francês proibiu o uso da vestimenta nas praias do país, as vendas aumentaram 200%. 

Em entrevista exclusiva a **HSM Management**, o escritor e palestrante Frans Johansson explica a experiência de Zanetti, atribuindo-a à interseção de duas culturas diferentes. “Como Zanetti, cada um de nós tem a chance de criar o clima propício para o clique buscando inspiração em campos, setores e culturas diferentes dos nossos”, prega ele, que escreveu sobre isso em seu livro _Clique._

**EFEITO DIVERSIDADE**

Johansson expôs pela primeira vez a mágica da interseção em _O efeito Médici_, que se tornou um best-seller traduzido para 18 idiomas. O título faz referência à poderosa família florentina que, no século 16, fez da Itália uma espécie de coworking multidisciplinar, atraindo e fomentando o trabalho de escultores, cientistas, poetas, filósofos, financistas, pintores e arquitetos. As informações e experiências trocadas entre eles deram origem ao Renascimento e fizeram de Florença o berço de uma das eras mais inovadoras da história da humanidade. 

No entanto, esse insight não foi casual; a interseção é a própria história de vida de Frans Johansson, misto de sueco, afro-americano e cheroqui _[veja quadro abaixo__]_. Não só a interseção cultural é sua marca, mas a que acontece entre disciplinas também. “Eu decidi estudar ciências ambientais porque era uma interseção entre a física e a biologia, a geologia e a química, a ciência política e a engenharia”, explica ele. 

**SAIBA MAIS SOBRE FRANS JOHANSSON**

Nascido em Lerum, uma pequena localidade no interior da Suécia, o autor de Clique e do best-seller Efeito Médici é filho de um sueco com uma afro-americana, descendente de índios cheroquis, e foi criado entre a Suécia, a Alemanha e Nova York. Formado em ciências ambientais pela Brown University e com MBA por Harvard, fundou três empresas: a Dola, fabricante de equipamentos de saúde, cujo principal produto é um medidor de dores; a Inka.net, plataforma de comercialização de serviços; e a consultoria de treinamento Medici Group.

Johansson se vê como fruto da globalização. Foi com ela que vieram o crescente movimento de pessoas entre países, a convergência das ciências e o salto da computação. Citando Peter Drucker, o especialista compara as migrações no século 19 e no 21: nos anos 1800, as pessoas iam para lugares não habitados, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Brasil, ou se mudavam do interior para as cidades no mesmo país, e não havia misturas; hoje, indivíduos de todas as nacionalidades, idiomas e religiões se mudam para lugares já habitados, e a interseção de culturas é uma consequência. 

Johansson cita ainda Alan Leshner, diretor da American Association for the Advancement of Science, para descrever a convergência específica das ciências. “A maioria dos grandes avanços envolve múltiplas disciplinas, e é cada vez mais raro ver trabalhos científicos de um único autor”, disse Leshner, decretando a morte da ciência disciplinar.

**O DIFÍCIL CLIQUE DO BRASIL**

Então, basta abrir-se ao clique para inovar, como diz Johansson? “No Brasil, acredito que o caminho da inovação seja um pouco mais pedregoso”, diz a professora Rossana Pavanelli Pieratti Magalhães, coordenadora do post-MBA em gestão da inovação da Fundação Getulio Vargas em São Paulo. 

Antes do clique, em sua visão, há uma lição de casa a fazer, e esta não tem sido feita como deveria. Em primeiro lugar, o País investe pouco em inovação – segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2016 foram aplicados menos de 2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, enquanto países como China, Estados Unidos e Alemanha apresentam percentuais entre 4% e 6%. Isso demonstra foco insuficiente. Apesar de a inovação ser apontada como prioridade por mais de 70% das empresas brasileiras em diversas pesquisas, três fatores geram o receio de inovar no País, conforme a figura abaixo. 

Magalhães ressalta ainda que muitas companhias querem tratar a inovação como mais um processo detalhadamente planejado e gerenciado, o que não se consegue fazer em uma área sem padrões possíveis e sem garantia de resultados. “Como bem colocado por Johansson, a inovação não pode ser encarada como algo previsível”, diz a especialista. Segundo ela, para aceitar e aproveitar os momentos de clique, é preciso saber reverter essas premissas. 

Também há aqui uma distorção em relação ao conceito. Inovar não é apenas promover ruptura, e lançar uma geladeira em uma nova cor certamente não é inovação, como muitas empresas querem acreditar, alerta Magalhães. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/e2271b83-6bcf-45bc-a7d6-e4eca491ef10.png)

**O ALEATÓRIO**

O ambiente fervilhante da diversidade aumenta a quantidade e a qualidade das ideias, o que favorece o aspecto randômico do sucesso. “Se você pega o caminho previsível, lógico, está seguindo os passos da maioria. No entanto, se prestar atenção às surpresas, a chance de encontrar uma ideia ou abordagem únicas será muito maior”, enfatiza Johansson. 

Sua proposta é que cada um de nós é capaz de criar um golpe de sorte próprio. Howard Schultz, chairman executivo da rede de cafés Starbucks, achou a fórmula de sucesso das cafeterias em 1983, dando uma caminhada para relaxar durante um compromisso de trabalho em Milão. Ele já estava no negócio de varejo de restaurantes e, ao observar os baristas italianos, percebeu a magia de um café. A partir daí, a história é conhecida. 

**PARA CHEGAR AO CLIQUE**

O processo de Frans Johansson para deixar o aleatório entrar na vida, na carreira e nas organizações é:

**Relaxe.** Abra espaço na agenda para explorar coisas que não estejam diretamente relacionadas com seus objetivos imediatos.

**Explore.** Visite campos, culturas e setores de atividade diferentes dos seus.

**Diversifique.** Monte uma equipe com múltiplos perfis de pessoas (com diferenças físicas, de origem e de profissões).

**Pesquise.** É a curiosidade que leva a informações e soluções novas.

**Inove.** Rejeite sempre os caminhos previsíveis.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/d2bab405-4598-4569-bfd6-cab6807a8acb.png)

Muita gente pode ter feito o mesmo trajeto, visto as mesmas cafeterias e nem por isso atingiu o sucesso da Starbucks. Por quê? Para Johansson, Schultz se abriu para o clique, estando no lugar e no momento certos, além de ter tido muita persistência no longo prazo. O autor sueco recorda que, em 1987, o empresário disse a seus investidores que a rede ainda ia perder muito dinheiro até que conseguisse conquistar o nível top em equipes de gestão, equipamentos de torração de café e um sistema tecnológico que permitisse gerenciar a expansão das lojas. 

Além disso, qualquer caminho que se tome incluirá obstáculos e forças contrárias – o que Johansson chama de “forças complexas” –, e estas terão um efeito decisivo no sucesso ou não das empreitadas. A recomendação do especialista é redobrar a atenção, não para se defender dessas forças, mas para tirar proveito delas, e, quando a oportunidade aparecer, dobrar a aposta. 

**OS RELACIONAMENTOS**

Dos investimentos totais feitos em inovação no mundo, as concentrações significativas são 68% na América do Norte, 10% na Europa e 6% na Ásia, segundo o Boston Consulting Group. Como o Brasil pode inovar sem poder investir, especialmente na crise? Johansson diz que não é o dinheiro em si que leva à inovação, e sim os relacionamentos. 

Segundo ele, os recursos necessários e o movimento essencial para lançar uma ideia costumam se tornar disponíveis e acessíveis no círculo de relações mais próximas. “Procurem as interseções também nos relacionamentos”, aconselha ele. Em um país social como o Brasil, interseções não faltam.

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