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Uma gestão inovadora e pública

Uma onda de inovação atinge a gestão pública em vários países; no Brasil, apesar dos enormes desafios que o modelo de administração pública oferece, projetos inovadores têm surgido e impactado positivamente a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos e a economia do País

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Desde 2010, os detentos das penitenciárias federais podem receber visitas virtuais de seus parentes e amigos, por conta de um inovador programa baseado em tecnologias da informação e comunicação implantado pelo Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, em parceria com a Defensoria Pública da União. 

Se apenas metade dos detentos de presídios federais que recebem gente de todo o País, como os de Campo Grande (MS), Catanduvas (PR), Mossoró (RN) e Porto Velho (RO), era visitada, agora a prática se generalizou, o que, além de garantir o direito constitucional do preso, melhora seu comportamento, facilita sua ressocialização e reduz o constrangimento das visitas presenciais para parentes e amigos. Cada preso tem direito a uma visita semanal de 30 minutos, agendada previamente, durante a qual mantém algemas nos tornozelos e é acompanhado de um agente penitenciário. Os visitantes ficam em uma unidade da Defensoria Pública da União. 

A iniciativa, premiada na edição de 2013 do concurso “Inovação na Gestão Pública Federal”, inclui uma segunda inovação: a das audiências judiciais por videoconferência. 

Como 40% dos detentos desses presídios ainda estão sendo julgados em seus estados, o sistema facilita as audiências, reduzindo custos de deslocamentos e riscos de fuga.  A terceira inovação será conectar esse sistema com uma iniciativa de gestão pública inovadora na área de saúde, o Tele Minas Saúde. 

O programa de consultas a distância, com auxílio da tecnologia, foi implementado, em 2005, pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais e mais cinco universidades, e será estendido às penitenciárias. Esse caso é um exemplo dos recentes esforços de inovação feitos no setor público brasileiro, pouco conhecidos do grande público, mas que seguem o que vem acontecendo em vários países. Inovar em gestão pública, seja para reduzir gastos, melhorar a qualidade do atendimento ou facilitar o acesso dos cidadãos às informações e aos serviços públicos, é o novo sinônimo de “governo competitivo”. Organismos internacionais como a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos, entre outros, instituíram premiações para as melhores práticas e as difundem. Análise do Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que as melhores práticas de gestão pública seguem cinco princípios: 

• Integração dos serviços. 

•  Descentralização do atendimento aos cidadãos.

• Estabelecimento de parcerias. 

• Engajamento dos cidadãos. 

• Uso intensivo das novas tecnologias da informação e comunicação. 

Para serem consideradas eficazes, na visão da ONU, tais práticas devem gerar um impacto tangível na melhoria da qualidade de vida da população; acontecer por meio de uma efetiva parceria entre a administração pública, empresas privadas e sociedade civil; e mostrar-se ambiental, social e economicamente sustentáveis. 

> **ACESSO AO BIG DATA MELHORA DESEMPENHO DA GESTÃO**
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> Parte dos polêmicos gastos públicos com a realização da copa do Mundo de 2014 no Brasil pôde ser fiscalizada pelos brasileiros graças ao Portal da transparência, plataforma da controladoria-Geral da União que mostra as despesas e receitas do poder executivo federal e que pode ser consultada por qualquer pessoa. Disponibilizar para os cidadãos o mar de informações produzidas e armazenadas pelos governos na internet tem sido uma das inovações gerenciais obrigatórias dos países nos últimos anos. o acesso a essas informações contribui para o empoderamento dos cidadãos, mas não só. Para Welerson cavalieri, sócio-diretor da Falconi consultores de Resultados, ele ajuda muito na melhoria do desempenho da gestão pública. “com o acesso às informações, o gestor de um hospital público no interior do País pode fazer benchmarking real, descobrindo que o medicamento que ele compra por um preço é adquirido por outros órgãos públicos por um valor menor; assim, ele pode renegociar as condições com o fornecedor, gerando economia de recursos.” 
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> No exterior, o prêmio de inovação em gestão pública da organização dos Estados Americanos mantém uma categoria voltada para as iniciativas de acesso às informações e transparência governamentais. Em 2013, a União Europeia premiou o the helsinki Region infoshare Project, iniciativa da Grande helsinque, da Finlândia, que abriu e disponibilizou gratuitamente os dados produzidos para a população. Poder acessar os dados aumenta o entendimento dos cidadãos sobre o desenvolvimento da região onde vivem e facilita sua atuação. Além disso, essa disponibilização está criando novos serviços e negócios na região.

**PRINCIPAIS DESAFIOS**

As inovações de gestão pública são especialmente desafiadoras em países como o Brasil. Elas têm de criar alternativas dentro de um sistema de gestão com sérios problemas conceituais e estruturais. Com um universo de atendimento e uma complexidade –administrativa, técnica e legal– muito maiores do que os da gestão privada, a administração pública brasileira lida com cinco desafios principais, segundo os especialistas ouvidos por HSM Management:

1.  Institucionalizar a prática do planejamento de longo prazo. 

2. Dar continuidade aos bons projetos, independentemente do governante da vez. 

3. Governar com a sociedade. 

4. Permitir que as pessoas acessem de maneira relativamente igualitária os serviços públicos. 

5. Superar a cultura da desconfiança que permeia a administração pública e resulta em burocratização e custos altos.

> **RH SUPERQUALIFICADO GERA DESMOTIVAÇÃO**
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> Salário, qualidade de vida e estabilidade no emprego são fatores que têm tornado as vagas na administração pública atrativas para muitos profissionais das melhores universidades do Brasil. 
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> Mas o que parece ser uma vantagem em termos de recursos humanos gera, na prática, um sério problema potencial: a desmotivação do profissional. Muito mais do que pela certeza da estabilidade no emprego, a desmotivação vem porque o quadro do funcionalismo muitas vezes tem pessoas superqualificadas em vagas que exigem menos qualificação, segundo Fernando Burgos, coordenador do centro  de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio vargas.  “Mapear as competências dos funcionários para alocá-los em posições mais adequadas é uma tarefa estratégica fundamental para qualquer governo”, afirma ele. 
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> Há outro agravante: o concurso avalia a capacidade cognitiva do profissional, mas não seu histórico de trabalho –às vezes, inexistente– ou seu perfil comportamental, itens que influem significativamente no desempenho. Assim, a pessoa errada pode acabar no lugar errado. o problema começa a ser compreendido e enfrentado, contudo. Por exemplo, entre 2009 e 2010, o tribunal superior Eleitoral (tsE) contratou a empresa Etalent para mapear talentos e desenhar os cargos de sua estrutura, o que gerou um processo de realocação dos funcionários por meio do cruzamento das necessidades dos cargos com as características pessoais de cada um. como explica Jorge Matos, da Etalent, isso leva à eficácia gerencial por duas razões: (1) é mais fácil adquirir conhecimentos do que mudar comportamentos e (2) quando o profissional gosta do que faz ele tende a se dedicar mais. A troca de comando do tsE, no entanto, gerou descontinuidade no trabalho.

**O planejamento de longo prazo (1)** 

É um dos grandes desafios da gestão pública brasileira, na opinião de Ricardo Ribas, sócio da firma de consultoria PwC Brasil e especialista em governo e setor público. “Planejar, dar publicidade a esse planejamento e realizá-lo implica compromisso dos gestores públicos e não temos essa dinâmica instalada em nosso País, seja por uma questão cultural –que é a explicação mais fácil–, seja porque os dispositivos que envolvem a gestão pública brasileira, como suas organizações e leis, não estão voltados para isso. 

Predomina o olhar de curto prazo ligado aos ciclos de mandato, quando há uma carência muito grande do olhar do estadista, de longo prazo”, diz Ribas. Caio Marini, professor da Fundação Dom Cabral especializado na área, vê na ausência de planejamento de longo prazo um dos pontos mais críticos da administração pública. “Para fazer uma boa gestão, é preciso desenvolver a capacidade de, adiante, formular um projeto de país.” E a implementação das estratégias de longo prazo é outro grande desafio, complementa. “A administração pública é muito voltada para o cumprimento da conformidade normativa e pouco para o fazer acontecer. 

É preciso que ela abrace uma gestão mais profissional, orientada a resultados.” Segundo Marini, é necessário desenvolver capacidades técnicas, administrativas, de liderança e financeiras para fazer acontecer o que foi pensado. 

**A não continuidad****e na implementação de determinadas políticas e projetos (2)** 

É uma das mais sérias ameaças a essa perspectiva de longo prazo. A solução contra a descontinuidade, conforme Marini, é fazer com que os projetos tenham âncoras na sociedade e transcendam os mandatos. “Quanto mais esses projetos representarem as expectativas da sociedade, maior será a chance de que eles tenham continuidade.” 

Não é que a continuidade inexista no Brasil atual. É que ela geralmente se limita a políticas que repercutem muito e têm amplo apoio social. Por isso, são levadas adiante por funcionários de carreira, como lembra Fernando Burgos, coordenador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas.

O obstáculo à continuidade, segundo ele, está nos ataques que as iniciativas de gestão sofrem durante as disputas eleitorais. “O jogo eleitoral faz com que não se reconheça publicamente que o outro tem boas práticas, o que é muito ruim para o amadurecimento democrático.”

**A governança compartilhada (3)**

É desafio de igual proporção, segundo Marini. “Governar com a sociedade” é um novo paradigma para a administração pública do mundo inteiro, associado à era das interações e das redes, e que substituiu o antigo paradigma de “governar a sociedade”, baseado no modelo hierárquico de comando e controle. “Um governo agora precisa ter capacidade de articulação com outros setores da sociedade, algo que muitas vezes ainda não foi desenvolvido”, afirma o professor. 

**A equidade no acesso aos serviços públicos (4)**

E não o planejamento de longo prazo, deveria ser o número um da lista de desafios da gestão governamental brasileira atual, na opinião de especialistas como Fernando Burgos, devido ao grau de injustiça social no Brasil. “A prioridade é permitir aos cidadãos acessar de maneira relativamente igualitária os serviços públicos, aproveitando que, enquanto a desigualdade social aumenta em vários países, ela vem diminuindo no Brasil, ainda que lentamente.” 

Para Burgos, “o desafio-chave de nosso gestor público é pensar como fazer para que todos, principalmente aqueles com menos recursos, possam utilizar serviços como educação e saúde públicas”. A cultura da desconfiança exacerbada (5), que resulta em sistemas de controle e burocratização excessivos, é outro dos grandes desafios da gestão pública no Brasil, segundo Welerson Cavalieri, sócio-diretor da Falconi Consultores de Resultados. 

“No Brasil, os governos lidam com seus interlocutores como se todos quisessem passá-los para trás, criando mecanismos de controle de toda ordem e em todos os níveis, tornando a gestão extremamente burocrática, lenta e onerosa.” Segundo o consultor, isso explica por que parte tão expressiva da máquina administrativa governamental dedica-se somente a atividades de controle que não agregam valor algum à sociedade. 

Para superar essa cultura do controle historicamente construída, em função principalmente dos casos de desvios e corrupção no setor público, Cavalieri defende uma mudança de mentalidade radical. “Como acontece em outros países, a premissa deveria ser a de que todo mundo é honesto e correr o risco de a desonestidade acontecer; quando esta acontecer, no entanto, deve ser punida com todo o rigor da lei.”

**PARCERIAS**

Já há consenso de que, para vencer tais desafios, a solução mais viável é o trabalho conjunto dos setores público e privado. Na opinião de Burgos, a parceria público-privada (PPP) é um caminho irreversível em sociedades como a brasileira, que apresentam enormes necessidades de infraestrutura. Ribas acrescenta que a tendência é mundial. “A parceria público-privada é um compartilhamento inteligente de capital e de interesses que podem coexistir e levar às melhores práticas em ambos os setores”, segundo ele. 

Marini até entende as PPP como um exemplo de governança compartilhada. “A sociedade quer ser atendida pelo Estado, direta ou indiretamente, e as parcerias público-privadas são uma das maneiras de o Estado fazer isso com mais agilidade, seja com o setor privado, seja com o terceiro setor, seja com a academia, com os organismos internacionais.” A aproximação dos dois setores também é benéfica na troca de técnicas gerenciais. A gestão pública brasileira tem, por exemplo, incorporado ferramentas como o balanced scorecard, enquanto a adoção do orçamento base-zero na iniciativa privada deve sua origem à administração pública. 

> **Os tabus**
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> A estabilidade no emprego e os cargos de confiança são dois dos aspectos mais criticados na gestão pública brasileira. contra a corrente, os especialistas entrevistados por HSM Management apoiam a fórmula da estabilidade adotada no País. “A estabilidade no emprego é fundamental para a boa gestão pública; ela só não pode significar a impossibilidade de demitir maus funcionários, e isso está previsto na lei brasileira, só não é muito utilizado”, segundo Fernando Burgos, coordenador do centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio vargas. 
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> Uma das explicações para isso é a lentidão do processo, por ser assegurado amplo direito de defesa ao demitido. Em relação aos cargos de confiança,  os especialistas também concordam que é  justo e recomendável que o governante  leve pessoas de sua confiança para  posições-chave na administração pública. o problema está na qualificação e na quantidade desses profissionais. caio Marini, professor da Fundação Dom cabral, entende que a quantidade de cargos de confiança está superdimensionada e que é necessário estabelecer critérios de competência para ocupá-los. 
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> “Não é incompatível o convívio da livre nomeação política com a meritocracia”, diz ele. “No chile, por exemplo, as nomeações políticas passam por um crivo baseado em perfil de competência, e há avaliações e a atuação de headhunters do setor privado para encontrar os profissionais que atendam a esse perfil.” o excesso de cargos de confiança no Brasil também explica por que a continuidade de projetos é comprometida quando há alternância no governo: a substituição de pessoas nesses cargos pode ser fatal para  a manutenção de certas políticas públicas,  diz Welerson cavalieri, sócio-diretor da Falconi consultores, para quem os cargos  de carreira deveriam ir até os escalões  mais altos, para evitar a descontinuidade.

**DIFUSÃO**

A inovação no setor público é crescente para onde quer que se olhe, garante Paul Windrum, professor da escola de negócios da Nottingham University, da Inglaterra. O problema é que, excetuando-se talvez o caso da internet, criada pelo Exército norte-americano, a inovação em gestão pública é pouco difundida e estudada. Ele atribui isso à velha visão de que apenas o setor industrial é fonte de aumento de produtividade e de riqueza econômica. A explicação para a baixa difusão talvez esteja no fato de que o processo de inovação na gestão pública é bem mais complexo, como ressalta Burgos. “É difícil copiar soluções, devido às realidades diferentes dos municípios.” Algumas inovações são “copiadas”, no entanto, de soluções do setor privado, como o sistema de autoagendamento de viagens pelos funcionários, desenvolvido pelo governo do estado de São Paulo, associado a mecanismos como compliance e taxa fixa de remuneração das agências. O sistema fez com que a administração pública paulista diminuísse em 26% os custos com viagens de seus servidores em seis meses. 

Difundir as melhores práticas de gestão pública tem sido a estratégia mais utilizada para incentivar a inovação na área, inclusive com premiações. No Brasil, há uma série de premiações estaduais e uma federal, da Escola Nacional de Administração Pública, realizada desde 1996. Outra forma de divulgação é o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GesPública), plataforma do Ministério do Planejamento que, para Marini, criou um modo de mensurar e de motivar a inovação, além de consolidar uma rede de especialistas. É crucial que os gestores explorem melhor o GesPública, na opinião de Ribas, o que requer que eles sejam orientados e que a plataforma seja bem mais divulgada. Com um modelo, um diretor de escola sozinho talvez consiga inovar em gestão.

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