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Uma Thurman, Rudolf Nureyev e a opção de não fazer nada

Os pesquisadores Rom Y. Schrift, da Wharton School, e Jeffrey R. Parker, da Georgia State University, garantem ter identificado uma forma de aumentar a probabilidade de alcançar o objetivo esperado após a realização de uma escolha
A entrevista é da equipe da Knowledge@Wharton.

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Como construtores de nosso destino, agrada- -nos pensar que nossas escolhas são infinitas e que, se nos mantivermos na trilha, atingiremos nossas metas. No entanto, a maneira como estruturamos nossas decisões pode ter enorme impacto em nossa capacidade de persistir no caminho escolhido. Os professores de marketing Rom Y. Schrift, da Wharton School, da University of Pennsylvania, e Jeffrey R. Parker, da Georgia State University, identificaram que incluir a opção de não fazer absolutamente nada em um conjunto de possibilidades ajuda-nos a perseverar para alcançar nossos objetivos. 

Suas observações sobre as nuances da arquitetura da escolha são destacadas no artigo “Staying the course: the option of doing nothing and its impact on postchoice persistence”, publicado pela revista Psychological Science. “Os indivíduos enfrentam regularmente adversidades na busca de objetivos que requerem comprometimento continuado”, escrevem os autores. “O fato de as pessoas persistirem ou não diante das adversidades afeta enormemente a probabilidade de que alcancem suas metas. 

Nosso argumento é que uma mudança aparentemente mínima no conjunto original de opções –mais especificamente, a inclusão da alternativa de não escolher ou de não fazer nada– tornará o indivíduo mais tenaz em relação à concretização de seus objetivos.” Por exemplo, imagine que alguém esteja pensando em frequentar uma academia de ginástica. Se ele puder escolher entre a academia A e a B, poderá optar por A, experimentá-la e concentrar-se em não desistir. No entanto, se a escolha for entre A, B e não fazer a matrícula na academia, poderá optar por A e ter ainda mais probabilidade de lá permanecer. 

Saber que você realmente quis matricular-se na academia A, em vez de não matricular-se em lugar algum, torna menos provável sua desistência. Schrift esclarece: “Ao escolher, aprendo sobre minhas preferências. Só por saber delas já sou capaz de não desistir quando as circunstâncias desfavoráveis surgirem”. Existe uma técnica para a apresentação das escolhas a fim de que um resultado desejado seja induzido. Não importa se se trata de um problema de gestão, de assistência médica ou de educação dos filhos. “Nossa intuição diz que não devemos dar a eles a opção de não fazer, porém o que as pessoas acabam pensando é: 

‘Eu não tinha de fazer isso, mas decidi que sim; então, manterei a escolha por mais tempo’. 

Tal descoberta impacta a teoria da autopercepção, a qual afirma que aprendemos sobre nós mesmos, nossas atitudes e nossos comportamentos pelos próprios comportamentos que adotamos. Schrift exemplifica com a preferência por refrigerantes: “Se escolho Coca-Cola em detrimento de Sprite, decido que gosto mais de Coca. Aprendi por minhas escolhas quais são minhas disposições e preferências. Se tenho de decidir entre Coca, Sprite e não tomar nada, ainda assim escolho Coca, mas agora aprendo algo mais sobre mim: eu realmente gosto de Coca, porque não tive de escolher não tomar nada. Esse é o mecanismo fundamental do efeito que estamos relatando”. 

**TRÊS EXPERIMENTOS**

Para testarem sua teoria, os pesquisadores realizaram três estudos. 

**O primeiro experimento** envolveu participantes que encaravam um jogo de caça- -palavras com um sistema de incentivos. Eles foram selecionados aleatoriamente para três cenários potenciais. Na primeira condição, pedia-se às pessoas que encontrassem nomes de atores, como o da atriz Uma Thurman, ou de capitais. Essa é a chamada condição de “escolha forçada”, na qual os indivíduos devem escolher entre A e B. Na segunda condição, os participantes deveriam encontrar nomes de atores, de capitais ou nem uma coisa nem outra. Essa é a condição de “escolha rejeitável”, em que as pessoas escolhem entre A, B e nenhuma das anteriores. A fim de testar se uma terceira condição, talvez desinteressante, aumentaria o nível de persistência, a alternativa C foi adicionada, e os participantes poderiam caçar nomes de bailarinos, como o de Rudolf Nureyev. Não: as pessoas eram mais persistentes na situação número dois, com a possibilidade de não fazer nada, de acordo com o relato dos pesquisadores. 

**No segundo experimento,** os indivíduos tinham de calcular uma pontuação para as palavras, em algo parecido com um jogo do tipo Scrabble. Após cada palavra, perguntava-se se os participantes queriam continuar para a palavra seguinte ou desistir. De novo, foram selecionados aleatoriamente para três situações. As duas primeiras eram como as primeiras do estudo 1: escolher entre A e B ou entre A, B e nenhuma. A última situação fazia com que as pessoas primeiro respondessem se queriam participar ou não e, se quisessem, se selecionariam A ou B. Curiosamente, apresentar a opção de não fazer nada antes da escolha de A ou B, como na última situação, não levou os participantes a um desempenho melhor. Isso mostra, segundo Schrift, que, para aumentar a persistência, a comparação do caminho escolhido com a alternativa de não fazer nada deve ser direta, como na segunda situação. “Nesse caso, o simples fato de a opção ‘nada’ estar lá significou a realização de mais tarefas, de maneira mais precisa e com mais ganhos monetários”, avalia ele. 

**O terceiro experimento**, mais uma vez, envolveu participantes em três condições. Agora, o teste estava centrado em figuras para que se localizassem as diferenças entre elas, como num jogo dos sete erros. Incluía uma tarefa fictícia e uma tarefa-alvo, e as pessoas não sabiam quantas diferenças havia entre as figuras na tarefa-alvo. Verificou-se, assim, que a persistência afetava apenas a tarefa-alvo. Além disso, o cenário que continha a opção de não agir trouxe melhores resultados em termos de persistência e desempenho. “Queríamos mostrar que a possibilidade de não escolher contribuía para a persistência apenas em tarefas específicas”, explica Schrift. 

> **A lógica é da negociação**
>
> Quando tomamos uma decisão, por mais refletida que seja, sempre resta alguma dúvida. E, se ouvimos a frase “É melhor se arrepender do que fez do que não fazer nada”, na hora surge a culpa. O julgamento social é tão forte que as pessoas acabam fazendo qualquer coisa, pois a ação liberta. Essa é uma armadilha à qual os negociadores estão sujeitos, especialmente quando há a alternativa de não fazer nada. Se há apenas duas opções, A ou B, o decisor escolhe uma ou outra. Mas, quando há a terceira, C, não fazer nada, o processo é binário. Compara-se A com B e a que ganha é comparada com C. Isso gera alto grau de comprometimento entre o negociador e sua escolha, como afirmam os pesquisadores da Wharton. O decisor conclui: “Eu poderia não fazer nada, mas estou fazendo algo”. Kahneman chama esse fenômeno de aversão a perdas. Vamos pensar no seguinte jogo de cara ou coroa: cara, você perde R$ 100; coroa, você ganha R$ 150. Você aceitaria a proposta? Racionalmente, a probabilidade é de 50% para cada lado. Mas o medo de perder R$ 100 é maior do que a esperança de ganhar R$ 150. Imagine então o seguinte: você se arrisca ao jogar a moeda ou não faz nada e ganha R$ 10. Diante do medo de perder R$ 100, a última proposta se torna quase irrecusável! No jogo psicológico da negociação, os tomadores de decisão precisam estar atentos a essas armadilhas. Ter a sensação de que está perdendo uma oportunidade é motivo de sofrimento hoje em dia. Por isso temos tanto medo do arrependimento de não fazer nada. É importante ter essa opção, mas a decisão precisa ser mensurada em termos de economia de energia e não de culpa. 
>
> _**por Renato Hirata**, presidente da Hirata Consultores, autor de Os Segredos da Proposta Irresistível e especialista em Negociação Estratégica_

> **Filosofia, psicanálise e poesia ajudam a entender o experimento**
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> Quatro séculos atrás, no século 17, a ideia do livre-arbítrio –a capacidade de escolher de maneira livre– já era considerada uma falácia. Era o que pensava o filósofo holandês Baruch de Spinoza e também o que achava Friedrich Nietzsche na Alemanha do século 19. Segundo ambos, o homem nunca é livre em suas escolhas, pois sobre sua razão agem forças não racionais, como os apetites do corpo, e fatores da ordem do coletivo, como a história, a cultura e a sociedade. Na Áustria da virada do século 19 para o 20, Sigmund Freud combatia igualmente a ideia do livre-arbítrio. Para o criador da psicanálise, o comportamento humano é determinado por seu inconsciente, de modo que o homem, então, “não é senhor na própria casa”. Ele responde a instintos e desejos que podem não corresponder à vontade racional. Eis uma das razões pelas quais muitos de nós tendemos a não perseverar em decisões como parar de fumar, fazer dieta ou ir à academia, exemplo cotidiano selecionado pelos pesquisadores Rom Y. Schrift, da University of Pennsylvania, e Jeffrey R. Parker, da Georgia State University, para ilustrar seus achados. Na perspectiva da psicanálise, talvez a vontade consciente de fazer dieta não supere o desejo inconsciente de ingerir açúcar, quem sabe para aplacar minha ansiedade diante do que me falta. O desejo sempre pressupõe a falta. Não científico, mas provocador e profundo, Manoel de Barros, o poeta brasileiro vivo que mais vende livros no País, indica, em O Livro das Ignorãças, outra forma de ser livre diante das escolhas: não escolher nem A, nem B. Ele escreve: “Se houvesse de escolher entre uma coisa e outra ficasse deitado sobre nenhuma. A doce independência de não escolher!” 
>
> _O texto é de **Alexandra Delfino de Sousa**, colaboradora de HSM Management_

**PONTO SEM RETORNO**

A novidade da descoberta, segundo Schrift, é que as pessoas podem aprender a reforçar o compromisso com uma meta simplesmente considerando a opção de não fazer coisa alguma. É uma diferença sutil, mas a pesquisa apresenta um mecanismo poderoso de aprendizado que pode ser aplicado a uma série de situações. “Manter uma dieta, completar um ciclo de medicação, frequentar regularmente a academia e enfrentar desafios pessoais ou profissionais são todas instâncias nas quais a persistência é benéfica e importante”, escrevem os autores. “Aplicando as estruturas de incentivos corretas, é possível reduzir drasticamente ou eliminar a tendência a desistir.” Eles explicam que a possibilidade de não fazer nada tem de ser apresentada com as demais escolhas, a fim de que a persistência destacada tenha efeito. Eles sugerem, ainda, que gestores ou tomadores de decisão sobre políticas públicas enviem lembretes como: “Ei, você quis fazer isso lá no começo, quando poderia não ter feito nada”. Visando levar as pessoas ao ponto em que o comportamento se torne arraigado, isso talvez ajude a lembrá-las de que o caminho em que estão foi uma escolha delas. Conforme Schrift, as estatísticas mostram que “o maior índice de baixas nas academias de ginástica acontece no primeiro mês pós-matrícula. A opção de não escolher uma academia ajuda a continuar malhando até isso virar hábito”

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