Desenvolvimento pessoal

Vergonha ou orgulho? Qual será o seu sentimento quando essa tempestade passar?

O filósofo Mário Sergio Cortella, em entrevista exclusiva para a coluna ‘Perspectivas de carreira’, traz reflexões sobre gestão e liderança no contexto da pandemia
Augusto é Diretor de Relações Institucionais do Instituto Four, Coordenador da Lifeshape Brasil, Professor convidado da Fundação Dom Cabral, criador da certificação Designer de Carreira e produtor do Documentário Propósito Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, professor de pós-graduação na FAAP e autor best-seller de obras como “Um Dia Sem Reclamar” (Citadel) e “Formigas” (MC). Apresentador do programa Futuro Imediato na Univesp/TV Cultura

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Nesta entrevista exclusiva para a coluna __Perspectivas de carreira__ da __HSM Management__, Mário Sérgio Cortella avalia os impactos que a pandemia de Covid-19 trouxe ao mundo do trabalho. Qual será a nova configuração de mundo e qual deverá ser nossa postura diante dessa nova ordem? Cortella nos dá pistas. Filósofo, considerado um dos pensadores mais influentes do país, com milhões de livros vendidos, ele ainda é professor das principais escolas de negócios e também ministra palestras para executivos e empresas.

Na entrevista a seguir, o filósofo aponta características básicas que o momento requer para líderes e gestores. Com a virada do semestre e reabertura gradual das atividades econômicas, Cortella afirma que o momento exige firmeza ética de profissionais e organizações, e provoca: “passado este momento pandêmico chegaremos cientes da decência que fizemos na travessia ou com alguma vergonha de ter deixado de fazer o que deveríamos?”.

### 1. Estamos vivendo neste mundo em transição e a geração atual não enfrentou nenhuma adversidade como esta. O que a filosofia tem a nos ensinar neste momento?

A filosofia traz hoje uma reflexão que é: não imaginarmos que o imponderável não tenha o seu lugar. Aquilo que não necessariamente é impossível, mas é inesperado. Não se imaginava que 2019, 2020, revelaria uma surpresa tão negativa, tão ruim e que nós, humanas e humanos, estivéssemos tão enfraquecidos em relação a isso.

Por isso, a filosofia nos alerta: em primeiro, para o risco da arrogância. Isto é, nós ficarmos sempre atentos, nós não somos assim tão valentes em relação a tudo o que aparece e que a gente precisa lidar. Em segundo, que só a estrutura colaborativa pode fazer com que haja o enfrentamento desta questão. Por isso, quando se fala muito em trabalho em equipe em vários lugares, evidentemente que ele agora vale para o conjunto da humanidade. Se há uma coisa perigosa neste momento que a filosofia alerta é para a degradação não só da nossa forma de convivência, mas também da nossa inteligência coletiva, que precisa ficar atenta.

### 2. O mundo corporativo tem muitos jargões. O jargão do momento é o tal do “novo normal”, a tal da “pós-pandemia”. Existe isso?

Nós gostamos muito de usar expressões que acalmem um pouco as nossas inquietudes. Isto é, uma das necessidades humanas é ir ordenando, nomeando, designando as coisas, para que elas se encaixem em nosso modelo de compreensão. Na ausência de uma palavra que pudesse mostrar o “pós-pandemia”, à medida mesmo em que a gente nem tem clareza do quando será, e nem como será, é lançar mão de algo que estava em um tempo anterior.

Então, em vez de chamar o “pré-pandêmico” como “regular”, ou “modo como era” o nosso passado recente, a gente dá a ele um ar de algo que pode ter até vitalidade, e aí a introdução da expressão “novo”. Todas as vezes que se deseja caracterizar algo como tendo também uma positividade, embora seja difícil enxergá-la deste modo agora, se utiliza essa expressão. Por isso, a “bossa nova”, o “cinema novo”, a “Nova República”, aquilo que na França foi a nouvelle vague. Todas as vezes em que se quer pintar um pouco com tintas mais nítidas e mais alegres aquilo que não necessariamente assim o é, nós damos este tipo de terminologia.

Por isso, evidente que o novo todos os dias vem à tona. Nós não teremos um pós-pandêmico que seja inédito, mas é impossível que ele seja exatamente como era pré-pandemia. Ele não será inédito porque o mundo está carregado. A história não é uma substituição cotidiana ela é uma sucessão cotidiana. E essa sucessão tem coisas que seguem adiante e tem coisas que são deixadas para trás. Sem dúvida nós já temos e teremos várias novas formas de organizar. Dar um nome a isso de “novo normal” é apenas aquilo que a gente chama em filosofia de uma categoria operacional um conceito ferramental que serve para a gente não ficar explicando toda hora o que é que significa. Então a gente diz: “isso aí é o novo normal”. E aí acalma um pouco a nossa intranquilidade. Mas a gente não sabe como é.

### 3. Quais apontamentos o senhor faz neste momento sobre as carreiras profissionais?

Uma das características mais positivas em um profissional e uma profissional é a capacidade de ter flexibilidade. Isto é, de ser capaz de alterar a rota quando é necessário fazê-lo. De conhecer aquilo que ainda desconhece, de procurar aquilo que não domina. Portanto, ser capaz de entender-se como sendo alguém que tem a sua qualificação no gerúndio. É um qualificando, e não qualificado. Qualquer pessoa que entender que a qualificação, a competência, a habilidade, já está concluída, fechada, ela bloqueia a possibilidade de renovação e, portanto, de dar a resposta àquilo que é novo, como é o caso, neste momento dentro da nossa trajetória. Por isso, uma das qualidades mais decisivas de duas que eu quero mencionar nesta nova forma de carreira é acrescentar à noção de flexibilidade uma densidade, um vigor maior, proposital, a ser procurada a formação e não apenas esperada, aguardada, como um ponto de expectativa.

A segunda é a percepção – de novo – colaborativa. Isto é, a carreira coloca não só a flexibilidade como sendo uma atitude, mas a colaboração como sendo aquilo que dá conexão às pessoas na possibilidade, inclusive, de reordenar as práticas. Afinal, nós estamos hoje lidando com modos que são muito recentes na nossa concepção.

Embora, no Brasil o movimento pandêmico ainda seja recente, desde o início nós estamos falando de mudanças no mundo do trabalho, mudanças na carreira, mudanças na formação, e todos os dias vem algo que nós não sabíamos que precisa ser lidado. Evidentemente, todos os momentos em que a humanidade tem algum impacto, algum tranco e sobrevive a ele de modo propositivo, as alterações podem carregar positividade. É evidente que também podem trazer, como trarão, cicatrizes, traumas, tudo aquilo que nos desabituou, mas sobreviverá melhor quem tiver uma aptidão mais elástica em relação ao modo de fazer. Quem fincar âncora naquilo que já foi ficará imobilizado ou imobilizada num passado que, embora recente, já está ultrapassado.

### 4. Olhando para a agenda da liderança, quais os desafios neste novo contexto, nesta transição?

A liderança tem agora desafios que ela já teve, para não ser uma mera chefia, para não ser alguém que tem apenas autoridade sobre pessoas, projetos e ideias, mas ser de fato alguém que inspira a outras pessoas e a si mesma. Há algumas características e eu queria elencar três delas que retomo sempre, naquilo que falo, naquilo que escrevo, que tem uma inspiração maior nas ideias de um grande britânico do século VIII: Beda, que é chamado por muitos de Beda, o Venerável. Ele ensinava que há três caminhos para o fracasso: não ensinar o que se sabe; não praticar o que se ensina; não perguntar o que se ignora.

Vamos inverter. Há três caminhos para que a liderança conduza o processo ao êxito: ensinar o que se sabe, isto é, generosidade mental; segundo, praticar o que se ensina, ou seja, coerência ética; terceiro, perguntar o que se ignora, humildade intelectual. Uma liderança precisa ter humildade intelectual para que ela saiba que ela não sabe tudo que precisa e pode ser sabido e, portanto, procurar onde estão as fontes para que haja a composição destes saberes. Segundo, coerência ética. Isto é, saber que é preciso praticar aquilo que se ensina e que ética não é cosmética. Não é algo que vá se usar de fachada apenas para enfeitar algum tempo. E terceiro, a generosidade mental, ou seja, a partilha da competência para que se fortaleça ali a comunidade.

Alguém que não tenha humildade intelectual, coerência ética e generosidade mental pode até ser um bom chefe ou uma boa chefe, mas líder está um pouco mais distante.

### 5. Como as organizações devem enfrentar os desafios que se apresentam neste novo contexto?

A primeira coisa que uma organização tem que fazer é estabelecer uma comunicação transparente. Os tempos já são obscuros o suficiente em relação às saídas e alternativas. Uma empresa que não tiver capacidade comunicacional, sem nitidez naquilo que ela deseja, pretende e faz, isto é, uma empresa que simular passos que ela não está deixando claro, poderá até obter alguma vantagem momentânea, mas perderá fidelização daqueles que com ela trabalham e também em relação ao mercado em que atua. Neste sentido, ao se comunicar com transparência, mesmo quando o conteúdo não é agradável, ainda assim, é uma razão de confiabilidade.
Segundo, a percepção de cuidado recíproco. As pessoas cuidam muito daquilo que a empresa é, que ela tem, dos projetos, das metas, e precisa fazê-lo, afinal, é o local de trabalho de ganho de vida da pessoa. Por isso, ela tem que ser cuidada também pela empresa. Não se pode, de modo algum, imaginar que eu vá oferecer parte daquilo que é meu esforço, minha capacidade, e não há reciprocidade por parte da organização, mesmo que ela tenha que, momentaneamente, diminuir aquilo que para ela é sua rentabilidade mantendo a lucratividade, a produtividade e a competitividade. Mas que ela seja sustentável em dupla direção. Porque, do contrário, de novo, como eu lembrava, se a comunicação não é boa e não há cuidado recíproco a confiança perde fôlego.

E, por último, claro, uma organização que entenda que um novo modo de ser no mercado exigirá uma cabeça que pense em vez de apenas repetir estruturas que já tinha elaborado, estruturado antes e, insisto, nós não teremos um mundo inédito, mas ele terá muitas coisas que a gente ainda não conhecia, e precisa ser capaz, inclusive, de lidar. Este período de cinco anos, no meu entender, cinco anos do pós-pandemia será uma transição tão forte quanto, por exemplo, foi de 1945 até 1950 sucedendo o que foi aquela imensa catástrofe produzida pela humanidade – por uma parte dela – que foi a Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, não é automático. Ninguém começou 1946 já com tudo exuberando. É preciso políticas públicas, adesão privada, apoio organizacional para que se faça o cuidado da nação. Não de modo cínico, de modo hipócrita, em que as pessoas apenas anunciam que elas têm interesse, mas algo que marque a sinceridade. A organização que tiver essa rota não ficará preocupada apenas em garantir 2021, 2022, 2023. Ela, sem dúvida, fará pontes para 2030, 2040.

### 6. Um tempo atrás o senhor fez a seguinte provocação na Revista HSM: “se a sua empresa deixasse de existir, que falta faria?”. Qual provocação o senhor deixa para os nossos leitores hoje?

Essa frase “se você não existisse que falta faria?” aí na HSM Management eu fiz em relação às empresas em geral. Ela está na capa de um livro meu chamado “Viver em paz para morrer em paz”, e o subtítulo é “se você não existisse que falta faria?”. Se aquela provocação em um outro momento teve o seu lugar, agora é tempo de trazer, sem dúvida, algo que nos chama para uma ação mais direta que é: “passado este momento pandêmico chegaremos cientes da decência que fizemos na travessia ou com alguma vergonha de ter deixado de fazer o que deveriamos?”. De termos nos omitido em relação às ações que tínhamos que ter praticado?
Será que vale a frase agora “fazemos qualquer negócio” ou o momento é deixar essa frase de lado de modo concreto? E dizer: não fazemos qualquer negócio, porque há negócios que embora possam ser feitos, não devem ser feitos. E nesta hora a gente é possuído por uma capacidade de não ficar envergonhado, de ter sobrevivido a uma transição que será difícil, mas não será impossível. Por isso, a grande pergunta é: haverá alguma coisa da qual eu me envergonhe ao final desta tempestade?

## Insights para carreira

1. Não queira controlar o que está fora do seu alcance. __Foque naquilo que você consegue controlar__. Isso vai te ajudar a ter um bom foco na carreira.

2. As mudanças do mundo estão sendo aceleradas pela pandemia, reinvente-se. __Aprimore-se__ e, principalmente, esteja bem para você se tornar uma referência retomada.

3. Líderes precisam inspirar e capacitar suas equipes. Mais do que nunca os líderes precisarão __demonstrar humildade e sensibilidade__ com seus times.

4. O mundo depois da pandemia vai precisar ser reconstruindo. Então, __prepare-se para liderar e fazer a diferença__.

5. O lema das organizações deve ser __ética e generosidade__. Nesse momento, tome decisões que possam ter dar orgulho depois que tudo isso passar.

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Augusto é Diretor de Relações Institucionais do Instituto Four, Coordenador da Lifeshape Brasil, Professor convidado da Fundação Dom Cabral, criador da certificação Designer de Carreira e produtor do Documentário Propósito Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, professor de pós-graduação na FAAP e autor best-seller de obras como “Um Dia Sem Reclamar” (Citadel) e “Formigas” (MC). Apresentador do programa Futuro Imediato na Univesp/TV Cultura

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