À primeira vista, novidade e mudança parecem sinônimos, mas cuidado. Na verdade, as palavras tratam de estados mentais e de atitude frente ao desconforto completamente diferentes.
Ouvi recentemente essa analogia numa conversa com a Claudia Pires, fundadora e CEO da startup so+ma, ESGTech que busca criar novos comportamentos para ativar a economia circular por meio da reciclagem. Mudança e desconforto na veia para a construção de um contexto mais sustentável.
Acho difícil encontrar alguém que não goste de uma novidade. O novo desperta dispara um instinto natural de saber mais ou melhor sobre algo. Somos seres curiosos por natureza, em maior ou menor grau. E você pode testar esse comportamento de um jeito prático. Basta deixar um pacote de presente fechado em cima da sua mesa de trabalho e ao final do dia refletir sobre quantas pessoas perguntaram o que era ou se você não iria abrir.
A curiosidade alimenta a combinação do instinto mais primitivo, que reside no cérebro reptiliano, à busca pela aceitação social, que nos torna cientes e preparados para o que nos rodeia, além de integrados ao que é socialmente aceito.
Alguém que nunca praticou reciclagem, mas descobriu que é um ato socialmente bem-visto – ou seja, uma “moeda social” – terá curiosidade em aprender para poder compartilhar e sentir-se integrado ao grupo maior.
Mais exemplos de moedas sociais advindas da curiosidade? Descobrir e compartilhar um restaurante novo ou uma série do Netflix ou praticar um esporte novo – o beach tennis é um ótimo exemplo. Você pode até não ser fã, mas é socialmente importante entender para poder falar sobre.
Repare: a novidade é algo que traz uma sensação de conforto, pertencimento e satisfação.
Agora, vamos examinar o significado da mudança usando a imagem que ilustra esse artigo: uma lagarta vive às vezes até por um ano; até que, um certo dia, escala uma árvore e tece um casulo. Nele, durante um período que pode ser de uma semana a um mês, ela se transforma completamente e eclode voando como uma borboleta.
Cada lagarta passa por um período de transformação repleto de sofrimento e incerteza. E mais, deixa de pertencer a um mundo conhecido para, literalmente, sair voando rumo a uma nova realidade.
Mudança, portanto, implica em desconforto e uma sensação de falta de pertencimento inicial.
Não consigo lembrar de alguma mudança que se iniciou e terminou com o mesmo cenário. O covid-19, que foi algo que impactou a todos de alguma maneira, nos fez mudar. Basta refletir sobre seus hábitos e comportamentos antes e depois da pandemia.
Se antes o trabalho remoto era quase uma utopia em grandes empresas, atualmente é uma realidade. Houve desconforto nesse processo? Sim, e muito. A relação das pessoas com o emprego deu um grande salto e não importa se foi para melhor ou pior.
Fato é que mudou e por mais que algumas empresas insistam em seguir aplicando metodologias de gestão oriundas da era industrial, como o controle de presença e frequência, isso será cada vez menos aceito.
Mudanças não acontecem do dia para a noite. Elas têm seu período de maturação e uma curva de adoção, como Geoffrey A. Moore, descreve em seu livro *Crossing the Chasm*.
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Menos de 3% das pessoas, segundo o autor, têm apetite pela mudança ou tolerância ao desconforto. Esse pequeno grupo adota novos comportamentos ou tecnologias sem o receio de ser julgado(a).
E para fortalecer essa dificuldade em adotar comportamentos de mudança, proponho uma outra analogia: a da vacina do covid. Em 2020, sabíamos que o mundo estava vivendo uma pandemia, com riscos de saúde altos. Nossa sensação de medo estava muito latente, assim como a ansiedade por uma vacina que nos trouxesse conforto e segurança.
Agora pergunto: se a OMS (Organização Mundial de Saúde) escolhesse você, oferecendo a oportunidade para ser uma das primeiras pessoas no mundo para tomar a primeira vacina experimental criada. Você tomaria?
Repare, que convidei você para uma reflexão real e cheia de desconforto, incerteza, muitas perguntas e poucas ou nenhuma resposta. Hoje, tomar a vacina é confortável – afinal a maioria já tomou – mas repare que mesmo assim existiu o receio de tomar marca X ou Y devido a “possíveis” efeitos colaterais.
Jamais nos sentiremos preparados para fazer algo que nos assusta ou que gera desconforto. Nosso cérebro foi educado a nos proteger de perigos, mesmo que existam apenas na nossa imaginação.
Expressamos nossa curiosidade, com frequência, ao demonstrar nosso apetite por novidades, pelo aprender, discutir novas ideias e projetos, falar sobre potenciais evoluções e transformações ou mesmo ao analisar nossos concorrentes e startups.
A novidade nos preenche, nos informa e ajuda a termos mais moedas de troca social e de negócios. Vamos aos eventos em busca de inspiração, sedentos e sedentas por sermos abastecidos de mais informações.
Agora, onde se manifesta a mudança nos comportamentos acima?
Convido você a fazer essa reflexão sobre nossos comportamentos e atitudes no mundo dos negócios ou empresas. Não importa seu cargo, posição ou tempo de experiência, mas sim que você faz parte de uma organização, junto com outras pessoas.
Para mim, a resposta é: a mudança não se manifesta quando buscamos a inspiração, mas apenas pela transpiração, ou seja, quando assumimos algum risco prático de transformar intenção em ação.
Encontraremos a mudança sempre nas ações práticas, que geram algum desconforto no sistema e essa é a base para a inovação, o intraempreendedorismo ou o empreendedorismo.
Deixo um convite final: você prefere a novidade ou a mudança?
Um assunto que aprofundei no meu livro *[Invente o seu Lado I: A arte de inovar numa época de incertezas](https://www.buzzeditora.com/livro-invente-seu-lado-i)*, no qual mostro os quatro perfis existentes de pessoas nas organizações (explorador, duro de matar, líder e no muro).