Uncategorized

Você precisa de chefe?

Trabalho e emprego são conceitos diferentes, e a forma lidamos com eles pode mudar completamente nosso impacto no mundo
Palestrante e pesquisador de modelos e práticas de gestão compartilhada com foco no futuro do Trabalho e da gestão. Mestre em psicologia do trabalho pela USP e fundador da Exboss.com.br . Duas vezes palestrante TEDx São Paulo - Em Setembro lança seu 1o livro compartilhando aprendizados e reflexões afiadas para o futuro do trabalho.

Compartilhar:

Para discutir o futuro do trabalho, é essencial compreender qual é o papel do trabalho na vida de cada pessoa.  O trabalho pode ser visto como forma de escravidão ou como forma de emancipação, dependendo de dois fatores principais: 

1. As condições do ambiente no qual a atividade está inserida (lugar, tempo, nível de autonomia, contrapartida financeira, tipo de vínculo e segurança na relação, possibilidade de aprendizado, estilo de liderança etc.). 

2. A interpretação singular de cada pessoa na realização das atividades (o significado).

O primeiro item, que engloba as organizações e a liderança, refere-se a emprego, a forma mais tradicional de trabalho institucionalizado, e é hoje o fator mais estudado e discutido, o que resulta na febre de querer “reinventar a gestão”.  Isso é importante, claro, mas nenhuma mudança de gestão será possível se vier sem uma nova compreensão sobre o segundo item – o significado do trabalho para cada um de nós. 

Por que você trabalha? Como o trabalho impacta sua vida? Essas são minhas perguntas favoritas em entrevistas, pois levam a conversa para um campo onde falamos mais de significado e interpretação de fatos, em vez de relatar acontecimentos e formação de maneira isolada.

Há quem jure que a palavra “trabalho” vem do latim “tripalium”, referente a um instrumento utilizado na lavoura que, posteriormente, teria sido adotado como instrumento de tortura para prender e açoitar escravos. Três estacas pontiagudas cravadas no chão, formando um X partido ao meio verticalmente, esticavam os coitados. Curiosamente, o termo “trabalhador” era atribuído ao carrasco e não ao escravo. 

Essa raiz para a origem da palavra trabalho indica que sua aplicação estaria ligada ao conceito da atividade que causa dor, principalmente dor física. Portanto, sob essa óptica, trabalho seria sempre uma atividade dolorosa. 

Historicamente, o trabalho foi ganhando novos papéis na vida humana, a partir do redesenho das principais relações de comando: senhor-escravo, empregador-trabalhador, chefe-funcionário, acionista-gestor-executor. E a maioria dessas conexões foi marcada por abusos e exploração.

O conceito do trabalho como forma de obrigação e sofrimento está tão enraizado em nossas mentes, que até quem curte seu emprego e gosta de trabalhar faz piadas negativas sobre o tema. Não há politicamente incorreto para o trabalho. 

Na mesa formal de discussão, o trabalho é o lugar onde “Eu mato um leão por dia”. É difícil, mas eu venço! Mas, na área do cafezinho, o papo é diferente: “Matar um leão por dia é fácil. O difícil é desviar das antas”. O que é mais difícil mesmo é a gente reconhecer que é uma das antas. (Se eu sou o outro do outro, eu sou a anta do outro.)

É importante compreendermos que nós estamos criando o futuro do trabalho. Ele não está pronto nos esperando. Vivemos um momento de transformação da relação que temos com o trabalho e com as organizações. Por isso, precisamos atualizar nosso modelo mental com relação a nossa capacidade produtiva. 

Nunca fomos provocados a pensar conscientemente sobre o trabalho. Normalmente, usamos as palavras “emprego” e “trabalho” como sinônimos, para indicar a atividade profissional regular, que demanda esforço, de maneira repetitiva, com objetivo direcionado e que é a nossa forma de sobrevivência (ou seja, gera renda). E , aqui, misturamos totalmente os conceitos. 

Trabalho e emprego são coisas bem diferentes. Trabalho é sua relação com o mundo, por meio da ação. É uma relação complexa, espontânea, natural e realmente produtiva. Pode ser remunerada ou não. É uma relação de “ser”, onde você se enxerga e se mostra para o mundo. 

Emprego é a sua relação com um empregador ou líder hierárquico. Uma entidade de quem você tem interesse de receber algo. É uma relação simplificada, previsível e que pode ser falsamente produtiva. É uma relação de “ter”, onde você atende a necessidades e expectativas pré-acordadas. 

De modo geral, o trabalho tem três impactos principais sobre as pessoas:

1. Financeiro: focado na sobrevivência, conquista de benefícios e realização de sonhos concretos que podem ser comprados. A questão central é: o que o trabalho lhe permite ter?

2. Social: relacionado ao impacto que causamos sobre as pessoas, a cada ponto de contato que realizamos durante nossa ação produtiva, além do alcance social extrapolado pelo resultado do nosso trabalho, produtos e serviços. A questão central é: o que – e quem – o trabalho lhe permite impactar?

3. Psicológico: ligado ao papel do trabalho para cada pessoa, como formador da sua identidade e senso de utilidade. A questão central é: o que a forma como você realiza seu trabalho conta sobre você (para o mundo e para si mesmo/a)? 

A grande mudança do mundo atual é exatamente a migração do conceito principal da ação de emprego para trabalho. Deixamos a relação principal de sobreviver e caminhamos para o atendimento de outra necessidade, ligada à expressão. Nesse contexto, teremos mais autonomia e precisaremos atuar com mais autodisciplina e iniciativa. 

O desafio é grande, pois estamos chegando de um modelo que nos estimulou a agir mais por obediência ao chefe do que nossa sua intenção. Autorrealização (o modo como você se enxerga na sua relação com o trabalho), foco (a forma como você entrega sua contribuição na relação com a organização) e empatia (a forma como você estabelece suas relações com os outros) serão elementos essenciais para o sucesso.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inovação

Living Intelligence: A nova espécie de colaborador

Estamos entrando na era da Inteligência Viva: sistemas que aprendem, evoluem e tomam decisões como um organismo autônomo. Eles já estão reescrevendo as regras da logística, da medicina e até da criatividade. A pergunta que nenhuma empresa pode ignorar: como liderar equipes quando metade delas não é feita de pessoas?

Liderar GenZ’s: As relações de trabalho estão mudando…

Mais da metade dos jovens trabalhadores já não acredita no valor de um diploma universitário — e esse é só o começo da revolução que está transformando o mercado de trabalho. Com uma relação pragmática com o emprego, a Geração Z encara o trabalho como negócio, não como projeto de vida, desafiando estruturas hierárquicas e modelos de carreira tradicionais. A pergunta que fica: as empresas estão prontas para se adaptar, ou insistirão em um sistema que não conversa mais com a principal força de trabalho do futuro?

Liderança
Por em prática nunca é um trabalho fácil, mas sempre é um reaprendizado. Hora de expor isso e fazer o que realmente importa.

Caroline Verre

5 min de leitura
Inovação
Segundo a Gartner, ferramentas low-code e no-code já respondem por 70% das análises de dados corporativos. Entenda como elas estão democratizando a inteligência estratégica e por que sua empresa não pode ficar de fora dessa revolução.

Lucas Oller

6 min de leitura
ESG
No ATD 2025, Harvard revelou: 95% dos empregadores valorizam microcertificações. Mesmo assim, o reskilling que realmente transforma exige 3 princípios urgentes. Descubra como evitar o 'caos das credenciais' e construir trilhas que movem negócios e carreiras.

Poliana Abreu

6 min de leitura
Empreendedorismo
33 mil empresas japonesas ultrapassaram 100 anos com um segredo ignorado no Ocidente: compaixão gera mais longevidade que lucro máximo.

Poliana Abreu

6 min de leitura
Liderança
70% dos líderes não enxergam seus pontos cegos e as empresas pagam o preço. O antídoto? Autenticidade radical e 'Key People Impact' no lugar do controle tóxico

Poliana Abreu

7 min de leitura
Liderança
15 lições de liderança que Simone Biles ensinou no ATD 2025 sobre resiliência, autenticidade e como transformar pressão em excelência.

Caroline Verre

8 min de leitura
Liderança
Conheça 6 abordagens práticas para que sua aprendizagem se reconfigure da melhor forma

Carol Olinda

4 min de leitura
Cultura organizacional, Estratégia e execução
Lembra-se das Leis de Larman? As organizações tendem a se otimizar para não mudar; então, você precisa fazer esforços extras para escapar dessa armadilha. Os exemplos e as boas práticas deste artigo vão ajudar

Norberto Tomasini

4 min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
A área de gestão de pessoas é uma das mais capacitadas para isso, como mostram suas iniciativas de cuidado. Mas precisam levar em conta quatro tipos de necessidades e assumir ao menos três papéis

Natalia Ubilla

3 min de leitura
Estratégia
Em um mercado onde a reputação é construída (ou desconstruída) em tempo real, não controlar sua própria narrativa é um risco que nenhum executivo pode se dar ao luxo de correr.

Bruna Lopes

7 min de leitura