Em algum ponto da carreira, a maioria dos executivos – se não todos – sonha em se tornar o CEO de sua empresa. E por que não? São indivíduos que tendem a ter muitas ambições, não só para si mesmos, mas para seus negócios – e, cada vez mais, para a sociedade. Porém, como acontece com muita coisa na vida, aspiração é uma coisa, e realização é outra.
Para se tornar um candidato viável a CEO, você vai precisar evoluir muito. Talvez você seja diretor-financeiro, diretor de marketing ou chefe de uma divisão operacional importante com uma trajetória sólida de realização. Mas essa experiência, por mais que seja necessária, não é suficiente para prepará-lo para o posto de CEO.
Em 40 anos como membro de conselhos de administração que trabalha com CEOs, tenho feito duas recomendações-chave em planejamento sucessório, e elas merecem atenção também dos candidatos ao cargo executivo máximo:
1. É preciso definir cuidadosamente “do que a organização precisa agora”. Algumas empresas podem exigir um direcionamento 100% novo. Outras querem mudar de foco. E outras ainda podem precisar de cortes radicais de custos.
2. Deve-se reconhecer que o trabalho do CEO é totalmente diferente de qualquer outro trabalho. Em minha experiência, os diferenciais fundamentais do trabalho do CEO são subestimados na maioria dos boards, mas deveriam estar na ponta da língua de qualquer aspirante a CEO; são aspectos que revelam um padrão de desenvolvimento para o possível CEO.
Quatro responsabilidades “diretivas” tornam esse papel substancialmente distinto de qualquer outro cargo de diretoria. Quaisquer que sejam as necessidades corporativas prementes percebidas pelo conselho, um candidato a CEO precisa se tornar especialista em quatro responsabilidades
**A. RESPONSABILIDADE PARA CIMA: DIRETOR DE RELACIONAMENTOS**
O CEO de uma companhia de capital aberto, empresa familiar ou instituição sem fins lucrativos é o indivíduo que, em última instância, interliga as operações do negócio ao conselho de acionistas, à família empresária ou ao fundador. Ele (ou ela) tem a responsabilidade final de construir pontes sobre o que muitas vezes é um grande abismo. De um lado, há uma equipe de gestão comandada pelo CEO – um grupo de diretores que provavelmente investe 3 mil horas por ano em seu trabalho e tem uma vida inteira de experiência na área. De outro lado, no caso de uma companhia com capital aberto, há o board, que pode gastar entre 250 e 300 horas por ano em suas tarefas – uma pequena fração da equipe executiva.
Mesmo geralmente sendo líderes bem-sucedidos, os conselheiros muitas vezes não têm conhecimento prévio da empresa ou do setor e estão envolvidos em muitas outras atividades. Então, conectar-se com eles pode ser um desafio – e é papel do CEO criar esse elo.
O CEO precisa saber construir um conjunto forte de relacionamentos abertos e transparentes com todos os atores-chave. Em um ambiente de empresa familiar, os fundadores e herdeiros precisam poder confiar totalmente no CEO, já que confiaram a ele ou ela o legado da família. Em uma corporação de capital aberto, o CEO deve construir um conjunto parecido de relacionamentos com o chairman e, em menor medida, com cada um dos conselheiros. Um CEO incapaz de criar laços fortes com esses indivíduos muito provavelmente será substituído.
Em condições operacionais normais e sem estresse excessivo, o CEO provavelmente terá de investir pelo menos 20% de seu tempo no trabalho com o conselho, seja de administração, seja familiar. É um investimento de tempo considerável e com características particulares. O CEO tem de ver o líder do conselho/fundador/líder da família como seu relacionamento mais importante. Nada deve ser escondido ou disfarçado aí. Tudo deve ser comunicado de forma totalmente aberta e transparente.
Além desse relacionamento fundamental, o CEO e seus colegas devem organizar e gerenciar as operações dos comitês do conselho. Na maioria das empresas abertas há pelo menos três: auditoria, RH e governança.
Esquematizemos o diretor de relacionamentos:
* **Atributos exigidos:** incluem alto nível de inteligência emocional e a capacidade de confiar em seus colegas de conselho. Saiba quando é hora de ouvir; entenda o que ouviu; e aja quando necessário. Também use seu discernimento para ignorar o que não acha tão importante.
* **Como obter a experiência:** todo aspirante a CEO deveria atuar em um conselho de administração. O tipo de organização desse board é menos importante do que a posição em si, mas, idealmente, para se tornar um candidato viável a CEO em uma companhia de capital aberto, a pessoa deveria tentar integrar o conselho de outra companhia de capital aberto. A maioria das empresas permite que um executivo sênior de outra empresa tenha assento em seu conselho – desde que não seja concorrente direta.
Por fim, o aspirante a CEO deve participar do conselho de uma organização sem fins lucrativos em uma área com a qual se importe especialmente. Experiências do outro lado da mesa serão de valor inestimável para quem assume responsabilidades de CEO.
Também é praticamente unânime a opinião de que um mentor é de grande valia nesse caso. Tente achar alguém com experiência em mudanças de conselho que tenha boa perspectiva e sabedoria. Alguém com quem o CEO possa compartilhar as pressões mais delicadas e desafiadoras.
**B. RESPONSABILIDADES PARA BAIXO: DIRETOR DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS**
Além das responsabilidades para cima, o CEO é o estrategista-chefe de sua empresa. Ele ou ela deve entender os direcionadores de valor críticos do negócio e de cada um de seus segmentos, e entender completamente o ambiente no qual compete. Só então é que decisões inteligentes podem ser tomadas sobre alocação de capital e de talentos.
Alocação de capital é um ponto crucial. O CEO lidera e, em última análise, decide não só onde o dinheiro vai ser colocado, mas também quem vai colocá-lo ali – e essas duas decisões determinarão o futuro da empresa. Esquematizando:
* **Atributos exigidos:** tomar decisões eficientes de alocação de recursos exige capacidade comprovada de discernir sobre negócios e uma “visão além da esquina” para antecipar o que virá em seguida. Há centenas de livros sobre estratégia e muitos consultores para ajudar a formular planos e renovar culturalmente a empresa. Porém, no fim das contas, a alocação final de talento e orçamento cabe ao CEO. Espera-se que os candidatos tenham experiência tanto com “freios” como com “aceleradores” estratégicos.
* **Como obter a experiência:** será necessário realmente ter experiência prática para fazer a alocação de talentos e dinheiro. Cerca de 45% dos CEOs escolhidos são pessoas formadas em operações. Posições de diretoria em finanças respondem por 25% e em vendas e marketing, por 20%, e também podem oferecer a exposição necessária, pois nelas é preciso fazer ações típicas de um CEO.
**C. RESPONSABILIDADES PARA FORA: DIRETOR DE COMUNICAÇÕES**
De muitas formas, tornar-se a persona externa de uma companhia é a parte mais fácil do trabalho do CEO. Fazer isso bem envolve conversar regulamente com stakeholders, ouvi-los com atenção e entendê-los claramente – todas essas são habilidades razoavelmente fáceis de desenvolver.
O CEO deve trabalhar com acionistas e analistas de mercado para explicar o progresso da empresa, suas decisões futuras e seus planos para atingi-las. Precisa entender as preocupações e os interesses das crescentes comunidades de stakeholders. Na era das mídias sociais, grupos de stakeholders antes ignorados ficam mais importantes para uma empresa manter a “licença social para funcionar”. Algumas empresas já chamam isso de “privilégio social para funcionar”. À esquematização:
* **Atributos exigidos:** alto nível de inteligência emocional, capacidade de ouvir atentamente e de entender completamente. Também se exigem perseverança e disciplina. Não é incomum CEOs de grandes empresas passarem cerca de 25% de seu tempo em reuniões externas e viagens.
* **Como obter a experiência:** os únicos mantras aqui são “praticar, praticar, praticar” e “disciplina, disciplina, disciplina”. Como CEO, suas decisões sobre onde investir seu tempo serão as decisões de investimento mais importantes a tomar. Peter Drucker captou esse preceito há muitos anos quando escreveu: “Se não consegue administrar seu próprio tempo, você não consegue administrar mais nada”.
**D. RESPONSABILIDADES DE FORA PARA DENTRO: DIRETOR DE RELAÇÕES EXTERIORES**
Uma das principais atribuições do CEO é entender o que acontece fora das fronteiras da empresa e fazer julgamentos sobre que mudanças deve fazer internamente para reagir a essa realidade externa.
A capacidade de lidar com a mudança disruptiva ganha mais e mais importância. Nenhuma empresa sobreviverá por muito tempo, sabemos, se não se adaptar às externalidades. Esquematizando:
* Atributos exigidos: curiosidade apaixonada e uma mente inquisitiva incansável são fatores de sucesso para interpretar as mudanças que estão acontecendo no mundo. Fazer julgamentos em relação a esses tipos de problemas “fuzzy”[humanos e complexos] exige a capacidade mental de sintetizar grandes quantidades de dados a fim de distinguir padrões que possam mudar potencialmente a dinâmica competitiva de um setor. Fazer julgamentos em questões “fuzzy” exige não só uma curiosidade apaixonada mas também a habilidade de lidar com a incerteza. Quando agir, como agir e com que nível de comprometimento são variáveis bem abertas. No fim do dia será o julgamento do CEO que vai determinar as ações necessárias, a intensidade de tais ações e a organização das ações. Adiar o julgamento até que as diretrizes estejam suficientemente claras é atributo fundamental da mente de um CEO competente.
* Como obter a experiência: para melhorar o julgamento nessas questões, os aspirantes a CEOs devem se tornar estudantes ávidos da mudança disruptiva e dos exemplos à sua volta. Em um mundo em drástica transformação, não há respostas garantidas – apenas testes, tentativas e experimentos. Ganhar experiência desse modo não é fácil, mas é fundamental para o futuro CEO. Faça-se esta pergunta regularmente: você aumentou a propensão a assumir riscos com sua própria operação hoje – em casos nos quais você aguenta as consequências desses riscos?
Para ser eficiente, você também deve ser ponderado. Todos os aspirantes a CEO devem alocar pelo menos 10% de seu tempo – cerca de 300 horas por ao ou seis horas por semana – para a reflexão. Ocupar-se não é mais como antigamente. Pelo menos 50% do seu tempo deve ser investido em aprender sobre externalidades que parecem distantes, mas podem se tornar relevantes.
> **Jovens CEOs brasileiros inspiram**
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> Você conhece, no Brasil, a nova geração de CEOs? Recentemente foi lançado um livro sobre eles e suas reflexões de como chegaram lá. A seguir, destacamos algumas delas – vale a pena compará-las com o que diz o especialista da Rotman School of Management, David Beatty:
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> […] um aspecto que considero bastante interessante para a evolução da carreira, e sempre falo isso para o pessoal mais novo, é ficar exposto a coisas novas, mesmo que você não se sinta pronto a fazer. Desde que tenha a vontade e o interesse em aprender. É um desafio e pode ser um aprendizado imenso.
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> _Alex Szapiro, presidente da gigante do e-commerce Amazon no Brasil_
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> Eu achava que, se fizesse meu trabalho direito, teria o reconhecimento dos meus chefes, que me dariam o cargo de direção em outro lugar. Até que a diretora mundial de RH da Peugeot me disse que não era assim que funcionava. Ela falou: ‘Se você não falar que quer comandar um país, não vai acontecer’. Essa é uma característica que vejo em muitas mulheres: por mais preparadas que estejam, elas têm certo pudor em mostrar ambição e dizer ‘eu quero este cargo’.
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> _Ana Theresa Borsari, diretora-geral das marcas de automóveis Peugeot, Citröen e DS no Brasil_
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> Acho que a ambição de todo executivo é ser um ‘super-CEO’, um Jack Welch, que comandou a multinacional General Electric. Mas, depois de um tempo à frente dos negócios, fui percebendo — e aí não tem certo ou errado, é uma questão de estilo — que é muito mais produtivo para a empresa e muito mais seguro para o acionista se houver uma equipe trabalhando em rede, em sintonia.
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> _André Dorf, presidente da empresa de energia CPFL entre 2016 e 2018_
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> Adoraria dizer que tive traços de brilhantismo, de inteligência fora do comum, mas não foi assim que cresci, e sim trabalhando muito. O mais interessante é que não via essa atitude como sacrifício; eu me sentia fascinado de verdade pelo que fazia. Ajudou muito no meu crescimento o fato de saber, desde cedo, o que queria da vida do ponto de vista profissional.
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> _Paulo Kakinoff, presidente da empresa aérea Gol_
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> Sou viciado em longo prazo porque o ciclo de uma incorporadora é extenso. […] Quando abrimos o capital, passamos a ser cobrados por resultados trimestrais. Fazíamos reuniões com analistas e investidores, e muitos vinham dizer como tínhamos de tocar nosso negócio. Quase entramos numa crise existencial: será que precisamos mudar mesmo? Ser mais agressivos? Comprar mais terrenos? Comprar empresas? Não fizemos nada disso. Tenho respeito pelo que os profissionais do mercado pensam, mas tenho mais respeito ainda por quem conhece a companhia.
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> _Eduardo Fischer, copresidente da incorporadora MRV_
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> Quando uma empresa cresce, não dá mais para ser administrada apenas de maneira intuitiva. Intuição é vital, não pode ser ignorada, mas só ela não basta. É preciso ter processos e governança. Quando decidimos organizar a empresa nesse sentido, pedimos ajuda para o pessoal da Ambev, que é uma companhia reconhecida pela ótima gestão.
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> _Márcio Santoro, copresidente da Agência Africa_
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> Em 2013, fui para o Facebook. Meu objetivo era aprender. Atualmente, aprender significa desaprender. Quando alguém acha que sabe muito, para de aprender, e eu queria me desconstruir. Aproveitei a oportunidade de ir para uma empresa que estava completamente em aberto, uma página em branco. Depois de dez anos na Microsoft, achei que podia arriscar um pouco.
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> _Paula Bellizia, presidente da empresa de tecnologia Microsoft no Brasil_
**BOARDS TAMBÉM**
Se os gestores ambiciosos, de nível médio e seniores, devem prestar atenção a esses requisitos, os boards também têm de se mexer. Hoje, estima-se que os conselhos invistam só 5% de seu tempo no planejamento sucessório do CEO; se for verdade, isso é totalmente inadequado ao cargo.
Uma avaliação da Harvard Business Review das 100 empresas globais de melhor performance revelou que 86 dos CEOs vieram de dentro da organização. Então, para aumentar as chances de uma sucessão bem-sucedida, os boards devem começar a ajudar seus gestores de nível médio a se transformarem em candidatos fortes ao cargo de CEO. Para isso, elas devem investir significativamente mais tempo e atenção para oferecer mentoria aos que se mostrarem candidatos mais promissores.
Por sua vez, esses líderes potenciais têm de investir muito mais de seu tempo em refletir sobre as dimensões de liderança de um CEO e as verdadeiras habilidades que o cargo exige. Só assim poderão realmente ser sucessores de alto potencial.
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