Ao longo da minha carreira, somei experiências que me trouxeram a certeza de que o tema diversidade se trata, acima de tudo, de resiliência. Quem decide ser sponsor de diversidade, tem que ser resiliente porque o trabalho é permanente e deveria sempre ser uma meta das organizações. Alguns ainda têm dúvidas do porquê as coisas devem ser assim, mas para isto servem os dados. Quando a questão é a mulher no mercado de trabalho, a sociedade infelizmente evoluiu pouco, apesar das importantes conquistas alcançadas até aqui.
Em recente levantamento, a FIA Business School ouviu mais de 150 mil funcionários de 150 grandes empresas consideradas “Lugares Incríveis para Trabalhar 2023”, e a proporção de mulheres em cargos de liderança (38%) em 2023 foi a mesma do ano anterior. Nos cargos de direção e C-Level, a presença feminina caiu 5% em relação a 2022.
Minha conclusão é a mesma pensando no Brasil e na Europa, onde vivi por cinco anos como executiva da área de Pessoas e Cultura, e depois mais um ano atuando na área na Costa Rica. Em diferentes graus, lá fora e aqui, há um desequilíbrio na representatividade de mulheres em cargos de liderança com relação aos homens. Como acontece na maioria das empresas no mundo, a presença feminina diminui significativamente nos níveis mais altos de liderança e senioridade. Não fosse assim, a lista de 2023 das 500 maiores empresas, da revista “Fortune”, não traria apenas 10% de mulheres no comando. E, claro, quando falamos de diversidade existem muitos outros recortes como o de raça e etnia. No Brasil, um país que tem 52% da população negra (pretos e pardos), essa definitivamente não é a representatividade dessa população nas organizações e menos ainda em cargos de liderança.
Tive a oportunidade de trabalhar com mulheres muito fortes e aprendi que, em diversidade feminina, nada funciona se os homens não forem envolvidos na discussão. Isso, para mim, foi um divisor de águas e um aprendizado que eu levo para onde vou. De que adianta um grupo minorizado falando de si para si e os decisores estarem fora, alheios à reflexão? Ou em alguns casos, pessoas que se tornam excessivamente militantes e só querem falar com grupos semelhantes, perdendo a escuta da construção? Temos que sensibilizar o outro quanto à dor que ele não sente, e ouvir sua perspectiva. Só assim é possível conseguir uma conexão e evolução.
Mulheres em posição de liderança, que tiveram contextos mais inclusivos, precisam entender que sua situação não é a realidade da maioria. Muitas delas, com carreiras bem-sucedidas, têm a crença de meritocracia, porém, acredito que, assim como eu, tiveram o privilégio de serem eficientes, terem se diferenciado, num lugar que permitia que a eficiência feminina fosse valorizada e reconhecida. Mas, por acreditarem que ascender na carreira depende majoritariamente de esforço e capacidade, independentemente do gênero, muitas executivas acabam reforçando a falta de representatividade feminina no mercado.
Por isso, as ações precisam ser feitas de forma muito intencional. Na experiência que conduzo atualmente, isso se traduz de várias formas, entre elas, o compromisso da organização com a diversidade. Criamos diversos grupos de afinidade e um comitê de diversidade formado pelos funcionários com o apoio da liderança sênior para trazer guia e referência. Esse comitê é gerido por voluntários, que contam um orçamento para desenhar ações que ajudem a organização a evoluir sobre os assuntos relacionados à diversidade, equidade e inclusão, com autonomia e protagonismo.
É importante estar confortável em ser essa pessoa que abre os espaços e apresenta outras referências que trazem a pauta para incomodar, levantar perguntas difíceis, questionar e trazer novas reflexões. Como representantes da área de Pessoas e Cultura, nunca poderemos deixar de falar e agir de forma intencional sobre o tema da diversidade, qualquer que seja ele.
Quanto menor a diversidade, não só as organizações se tornam menos competitivas e inovadoras, mas também é mais difícil propor pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I), pois há um menor conhecimento sobre o quanto é necessária a conscientização, o que faz com que preconceitos seguem existindo. Por isso, acredito na importância de um grande investimento em letramento para a organização, com métricas claras de onde queremos chegar e mais ações intencionais como vagas afirmativas e programa de estágio especialmente para meninas pretas em tecnologia. Mas há muitas outras coisas que podem ser feitas nesse sentido. No caso, como indicadores de sucesso vale considerar a presença de mulheres em posição de liderança sênior e, para isso, é urgente desenvolver mulheres em posições junior e mesmo antes de entrarem oficialmente no mercado de trabalho.
Uma das coisas que acredito, e que me acompanha como crença desde o início da minha carreira, é o caminho da licença-paternidade. Não aquela em que o homem escolhe se adere ou não, mas a que dá a oportunidade para os pais estarem com seus bebês de forma obrigatória porque, sendo opcional, surpreendentemente a iniciativa tende a fracassar.
Pense numa sociedade competitiva como a norte-americana, que oferece 15 dias de férias ao trabalhador. Mesmo sendo um dos menores índices de dias de descanso no mundo, cerca de 50% das pessoas não tiram o total. Uma das principais razões é a competitividade. Quando você está competindo, você tem a oportunidade de decidir se quer ou não fazer uso de um benefício como férias ou licença, ou seja, tem a opção de escolher continuar na “corrida dos campeões” e não se ausentar do trabalho por um determinado período.
Embora eu não seja mãe, por ser líder da área de Pessoas e Cultura, sei que se tanto um homem como uma mulher pudessem ficar com seus bebês pelo mesmo período de licença, e com isso participar ativamente dos primeiros meses de seus filhos, faríamos com que esse período fosse mais leve e único. E, com essa mudança, uma avalanche de mudanças sociais ocorre, entre elas, o fato de que empregadores não precisarão mais fazer a pergunta sobre o anseio de uma mulher em ter filhos, pois mulheres e homens terão a mesma responsabilidade e tempo ausente de dedicação. O contratante não vai privilegiar o homem porque a mulher poderia sair de licença-maternidade, por exemplo. Isso passaria a ser indiferente. O mesmo vale para casais homoafetivos, pois falaríamos de licença-parental. Dessa forma, a sociedade começa efetivamente a ir para um lugar de transformação. Claro que não é o único caminho, mas possivelmente seja um dos mais poderosos.
Do seu lado, as empresas vão ter que aprender a lidar com mais dificuldades, pois será complicado gerir mais pessoas se afastando de seus postos de trabalho. A única certeza é que vamos lidar com problemas mais complexos, com ou sem essa mudança. Assim como as novas gerações, que não querem mais o modelo de trabalho que fez sentido para nós até aqui, temos que buscar novas formas de atrair, reter e desenvolver pessoas. Como profissionais do futuro, vamos ter que descobrir soluções e outras formas de lidar com a volatilidade que uma mudança social implica. Nunca precisamos tanto do olhar humano, da preocupação genuína com as pessoas, que afinal nos é tão peculiar, para questões de diversidade como neste momento. Eu tenho esse papel não só como mulher e líder, mas como profissional de recursos humanos. Todos nós temos, independentemente do gênero, a responsabilidade de dar às mulheres as mesmas oportunidades de atingir cargos de liderança nas empresas, assim como olhamos para outros temas de diversidade e de pessoas, numa organização como um todo. No final, todos ganharemos.