A pergunta é meramente retórica, afinal, sabemos que há estatísticas contundentes apontando para o crescimento de casos em que comportamentos abusivos – leia-se: discriminatórios, humilhantes, ofensivos, intimidatórios, invasivos e violentos – são praticados reiteradamente por pessoas contra colegas (subordinados ou não), no ambiente de trabalho, provocando danos emocionais, morais, físicos e patrimoniais (quando resultam em demissão).
Curioso é que a naturalidade das ocorrências pode fazer com que a vítima demore a perceber-se assediada. Consequentemente, seus mecanismos de defesa ou acenos por ajuda não são acionados em prazo razoável para impedir o avanço da agressão.
Daí a necessidade de se falar, esmiuçar, discutir e reconhecer os possíveis engendramentos do assédio em circuitos profissionais, para que tenhamos clareza sobre o que queremos combater e como podemos fazer isso.
Como evidência hoje se entende um padrão introdutório do assédio no trabalho que se revela muito perverso e de difícil identificação, ou seja, inicialmente a relação entre assediador e vítima parece amistosa e até vinculante, mas não passa de manipulação.
Na sequência, a violência se apresenta de maneira velada e crescente, começando pela não-comunicação, para desestabilizar a vítima conforme se instala em estágios mais ou menos ordenados. Por exemplo:
– __Desprezo e invisibilidade:__ não cumprimentos, falta de cordialidade ou ausência de reação à presença da vítima.
– __Sarcasmo descontraído:__ críticas sutis, piadas, silenciamentos, boicotes e insinuações, que atraem risadinhas, como se fossem apenas brincadeiras.
– __Ridicularização:__ apelidos, intrigas, comentários vexatórios que causam vergonha.
– __Isolamento:__ pode ser físico, quando o local de trabalho é afastado dos demais, ou psicológico, quando as informações são negadas ou distorcidas propositalmente para induzir ao erro.
Neste estágio, a vítima vê a situação agravar-se e, por já estar saturada, quase sempre se defende com fúria, mas suas atitudes parecem desproporcionais para os outros. A sua energia está minada e o assediador se sente fortalecido para fazer ameaças e impor restrições.
O caráter insidioso do assédio é uma forma de perturbar a vítima e de confundir quem está próximo, criando um enredo que faz da vítima desacreditada, frágil e encurralada. Sem autoestima e esgotada.
Desse modo, podemos concluir que o assediador se compraz com o sofrimento da vítima à medida que vê seus objetivos sendo alcançados. Quais sejam:
– Desestabilização emocional.
– Submissão.
– Ataque à reputação profissional e pessoal.
– Destruição das conexões e inviabilização das redes de apoio.
– Abalo da autoconfiança, competência profissional e senso de empregabilidade.
– Obstrução à carreira com difamação e impeditivos dentro e fora da empresa.
– Entre outras possíveis “vantagens” que podem ser almejadas a partir da vulnerabilidade da vítima.
Estudos mostram que o assédio tem traços de perseguição, ódio e obsessão que precisam ser investigados e combatidos. Portanto, falar sobre assédio no trabalho não se restringe ao acolhimento às vítimas, é preciso também ter espaços de discussão para desconstruir o desejo de poder, a manipulação e a afirmação hostil da hierarquia. Muitos casos precisam de encaminhamento médico terapêutico.
Formar bons líderes, estruturar equipes diversas, inclusivas e funcionais e, principalmente, preconizar o respeito nos relacionamentos é importantíssimo para fomentar a cultura das relações saudáveis como antídoto ao assédio de qualquer natureza.
Recentemente, foi promulgada a lei 14.457/22 que versa sobre a obrigatoriedade de ações que combatam o assédio e a violência no ambiente profissional, que obriga empresas a incluir o tema em seus programas de prevenção.
É pela conscientização que devemos começar, pois sabemos que a falta dela vem adoecendo pessoas e instituições, causando males físicos e psíquicos, afastamentos, medicalização e o desfalque de profissionais capacitados.
Calar sobre este assunto não é mais uma opção.